• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – RISCOS E AMEAÇAS DIFUSAS: DESAFIOS À VERTENTE POLÍTICA DA ALIANÇA ATLÂNTICA

3. Proliferação de Armas de Destruição em Massa

3.1.2. Armas Biológicas

A AGNU, em sua Resolução 2603/A, de Dezembro de 1969, define as armas biológicas enquanto “organismos vivos ou quaisquer substâncias infecciosas que deles derivem, orientados a causar enfermidade ou morte em seres humanos, animais ou plantas, e cujos efeitos dependam, necessariamente, da capacidade de multiplicação, no

interior do ser vivo atacado, do agente utilizado358”. Todavia, além de agentes biológicos de capacidade multiplicativa – vírus e bactérias capazes de provocar doenças

infecciosas extremamente danosas359 – inclui-se naquela definição as toxinas biológicas por eles produzidas, abrangendo não apenas às que resultem de métodos naturais, mas, também, as de fabricação sintética.

Acerca da capacidade de multiplicação inerente aos agentes biológicos, é interessante notar que sua utilização não depende somente dos meios tradicionais de lançamento – tais como mísseis balísticos, projéteis de infantaria, dispersão por aerossol ou pulverização –, mas podem ser ainda dispersas em água corrente, objetos e alimentos, mantendo as suas propriedades epidêmicas, inclusive, pela liberação em um determinado

357 Substâncias químicas foram utilizadas, por exemplo, pela seita Aum Shinrikyo no metrô de Tóquio, em 1995. Confira PANOFSKY, Wolfgang. Dismantling the Concept of ‘Weapons of Mass Destruction’. In Arms Control Today. Vol. 28, nº 03 (1998).

358 “[L]iving organisms, whatever their nature, or infective material derived from them […] which are intended

to cause disease or death in man, animals or plants, and which depend for their effects on their ability to multiply in the person, animal or plant attacked”. AGNU. Resolução 2603/A, de 16 de Dezembro de 1969.

Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2603(XXIV)&Lang=E&Area=RESOLUTI

ON>. Acesso em: Março de 2013. A tradução e o negrito no texto são nossos.

359 Entre as doenças incluem-se, por exemplo, o antraz, a varíola, tularemia, tifo, ebola, brucelose, entre muitas outras. PARIS, Kristen. The Expansion of the Biological Weapons Convention: The History and Problems of a Verification Regime. In Houston Journal of International Law. Vol. 24, nº 3 (2002), p. 514.

ambiente de artrópodes contaminados. A mesma aptidão dos agentes biológicos permite, ainda, sua transmissão entre seres humanos360.

As armas biológicas partilham com o armamento químico uma raiz histórico- jurídica comum361 – expressa, por exemplo, em sua regulação conjunta no Protocolo de Genebra, de 1925. Todavia, a prática internacional parece sugerir a existência de uma aversão muito maior ao emprego de agentes biológicos – do que a das substâncias químicas – como arma de guerra362, na medida em que estes foram largamente utilizados durante o século XX, enquanto não há qualquer indicação de que as armas biológicas tenham sido empregadas em nenhum conflito armado ocorrido no mesmo período.

No que diz respeito às propriedades técnicas dessas armas, é importante mencionar que os agentes biológicos, tal como as substâncias químicas, não possuem qualquer efeito destrutivo sobre estruturas, mas são capazes de contaminar áreas de grande extensão. Contudo, revelam-se dotadas de uma letalidade muito superior, de modo que, se dirigidos contra grandes e desprotegidos aglomerados urbanos, em condições climáticas favoráveis, poderão gerar um número considerável de vítimas363.

360 OTAN. Handbook on the Medical Aspects of NBC Defensive Operations, "Part II - Biological". 1 February 1996, pp. ‘1.4’-‘1.5’.

361 Sob uma perspectiva exclusivamente histórica, existem registros extremamente antigos acerca do uso de substâncias químicas e biológicas como armas de guerra. Para maiores informações e exemplos, confira HAINES, L.P. Controlling the Possession and Use of Biological and Chemical Weapons. In Australian Defence Force Journal. Nº 99 (1993), p. 43; PARIS, Kristen. The Expansion of the Biological Weapons Convention: The History and the Problems of the Verification Regime. In Houston Journal of International Law. Vol. 24, nº 03 (2002), pp. 512 e ss; entre outros. Contudo, apesar da propagação intencional de doenças se ter verificado em conflitos ocorridos na antiguidade, seria somente no século XX que os agentes químicos seriam efetivamente transformados em armas de guerra. CIRINCIONE, Joseph et al. Deadly Arsenals: Nuclear, biological and chemical threats. 2nd ed. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, p. 8.

362 Confira WESTON, Burns H et al. International Law and World Order: A problem-oriented coursebook. 4th ed. St. Paul: Thomson West, 2006, p. 464.

363 U.S. CONGRESS, Office of Technology Assessment. Proliferation of Weapons of Mass Destruction: Assessing the Risks (OTA-ISC-559). Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1993, p. 8. Neste mesmo sentido, PARIS, Kristen. The Expansion of the Biological Weapons Convention: The History and the Problems of the Verification Regime. In Houston Journal of International Law. Vol. 24, nº 03 (2002), pp. 513-514. Este documento chega ao ponto de afirmar que, verificadas tais circunstâncias favoráveis, o ataque biológico poderá gerar um número de baixas equiparável ao de uma arma nuclear de mesmo tamanho e proporção. Tal afirmação, todavia, nos parece exagerada, especialmente se considerarmos que as dimensões de um ataque biológico não dependem, exclusivamente, de elementos climatéricos, mas, ainda, geográficos e, ainda, das condições gerais de saúde de uma determinada sociedade. Neste sentido, confira ROBINSON, Julian P. Chemical and Biological Weapons. In BUSCH, Nathan E; JOYNER, Daniel H. (edts). Combating Weapons of Mass Destruction. Athens, Georgia: University of Georgia Press, 2009. Cap. 4, pp. 76-77.

A maioria dos materiais biológicos possui aplicações comerciais legítimas, o que torna os programas biológicos ofensivos extremamente simples e econômicos364. Na realidade, hodiernamente, qualquer Estado que disponha de infraestrutura de armazenamento farmacêutico ou alimentar, dispõe, consequentemente, de um sistema de estoque e estabilização de agentes biológicos365.

No que concerne ao uso tático de armas biológicas, é importante salientar que, para além de partilharem das mesmas deficiências que as armas químicas, apresentam ainda uma desvantagem adicional: a produção de seus efeitos não se manifesta imediatamente, variando em razão de aspectos como a virulência do agente utilizado, seu ritmo de replicação, modo de ocorrência do contágio e, ainda, das características imunológicas do organismo atacado366, podendo, em alguns casos, o período de incubação prolongar-se por algumas semanas367.

No entanto, o armamento biológico parece apresentar, em razão de suas características, um alto valor estratégico. De fato, por utilizarem elementos extremamente letais e, ao mesmo tempo, com o custo extremamente reduzido, as armas biológicas exercem – ou, pelo menos, exerceram em determinado momento – elevado apelo, tanto entre os chamados Estados desenvolvidos, como junto dos países em desenvolvimento.

Assim, durante a segunda metade do século XX, as armas biológicas proliferaram em sentido vertical e horizontal, de forma análoga ao ocorrido, na mesma época, com o armamento químico. Atualmente, suspeita-se que países como a China, Egito, Irã, Israel, Coréia do Norte, Rússia e Síria possuam agentes biológicos ofensivos ou desenvolvam, neste campo, pesquisas com finalidade militar.

Os principais riscos relativos às armas químicas hodiernamente decorrem diretamente dos grandes arsenais existentes – que, em sua maioria, se encontram em

364 PARIS, Kristen. The Expansion of the Biological Weapons Convention: The History and the Problems of the Verification Regime. In Houston Journal of International Law. Vol. 24, nº 03 (2002), pp. 515-516. 365 CIRINCIONE, Joseph et al. Deadly Arsenals: Nuclear, biological and chemical threats. 2nd ed.

Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, p. 6.

366 Confira OTAN. Handbook on the Medical Aspects of NBC Defensive Operations, "Part II - Biological". 1 February 1996, pp. ‘1.2’-‘1.3’.

367 U.S. CONGRESS, Office of Technology Assessment. Proliferation of Weapons of Mass Destruction: Assessing the Risks (OTA-ISC-559). Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1993, p. 8. Alguma doutrina salienta, contudo, que, no futuro, o investimento em pesquisas biológicas poderá reverter este quadro. Confira JOSEPH, Robert G.; REICHART, John F. Deterrence and Defense in a nuclear, biological, and chemical environment. In Comparative Strategy. Vol. 15, nº 1 (1996), p. 61.

grandes depósitos, à espera de destruição – e da sua utilização em conflitos regionais ou em atentados terroristas368.