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PARTE I – A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE

S. Longhand Draft Letter from President Harry Truman to Secretary of State James Byrnes President’s Secretary’s Files, Truman Papers January 5, 1946 Disponível em:

2. O Tratado do Atlântico Norte

O Tratado do Atlântico Norte é um instrumento jurídico-internacional conciso, constituído por um curto preâmbulo e 14 artigos. Embora seus preceitos mais significativos versem sobre aspectos militares ou defensivos, consideração significativa é prestada ao desenvolvimento de relações econômicas, sociais e políticas entre as Partes signatárias. Tais características afastam o Pacto Atlântico da maior parte dos corpos normativos similares que o precederam e resultam, em certa medida, da necessidade de harmonizar o seu núcleo duro à letra e ao espírito da CNU.

Tendo em conta que a multidisciplinariedade que lhe é inerente repercute não apenas sobre a pluralidade das obrigações potencialmente assumidas pelos Estados signatários, mas, também, sobre a própria essência jurídica do Tratado, optamos por dividir nossos comentários em duas secções: na primeira, de forma vestibular, iremos analisar o conteúdo normativo do Pacto Atlântico; para, em um segundo momento, tecer considerações específicas sobre sua natureza jurídica.

2.1. Conteúdo Normativo

Considerando que a alegada incompatibilidade entre o Tratado do Atlântico Norte e a Carta das Nações Unidas constituía, durante o período negociatório, o principal argumento avançado por aqueles que se opunham a elaboração de um pacto defensivo entre as nações da América do Norte e da Europa ocidental, não surpreende que o preâmbulo do Pacto Atlântico seja iniciado com uma declaração sobre a vinculação das Partes contratantes aos princípios e propósitos que norteiam aquele instrumento jurídico de caráter universal. Neste contexto, ao afirmar a vinculação dos Estados signatários aos propósitos e princípios da Carta, assim como o seu desejo de coexistir “in peace with all

peoples and all governments”, tal considerando faz, ainda que de forma sutil, uma

referência direta à proibição de recurso à força armada e ao dever de dirimir pacificamente

as controvérsias que, porventura, venham a ser suscitadas. Tal escolha de palavras parece,

também, sugerir, que o Tratado não é dirigido contra nenhum Estado em específico. Com o propósito de atribuir algum senso de comunidade ao que será posteriormente delimitado como o ‘espaço norte-Atlântico’, um segundo considerando preambular faz alusão à determinação das Partes em salvaguardar “the freedom, common

liberty and the rule of law”. A referência a valores subjetivos é o elemento que atribui

‘regionalidade’ ao Tratado do Atlântico Norte – que abrangia, no momento de sua assinatura, países não banhados pelo Oceano Atlântico e que, posteriormente, viria a incorporar, na forma do seu artigo 10, Estados situados em regiões geográficas distantes e que dificilmente se qualificam como ‘europeus’54. Por fim, um terceiro considerando vincula a coordenação da defesa coletiva à preservação da paz e da segurança internacionais.

A parte normativa do Tratado reflete o padrão estabelecido em seu preâmbulo, cabendo ao artigo 1 ratificar e desenvolver a sintonia ou compatibilidade que o primeiro considerando preambular antecipa. Assim, tal preceito sintetiza as obrigações de

dirimição pacífica de litígios e renúncia ao uso da força armada, originariamente previstos

no artigo 2, incisos 3 e 4, da CNU.

De forma similar, a letra do artigo 2 revela uma série de sinergias com o segundo considerando preambular, evocando valores democráticos, de respeito pelo Direito e de aspirações a uma ordem internacional fundada na estabilidade e no bem-estar comuns. Porém, mais do que uma mera e simbólica referência a princípios e aspirações, o preceito fornece o enquadramento jurídico necessário para a viabilização de ações cooperativas em outras áreas para além daquela de natureza militar, voltadas ao desenvolvimento de relações internacionais pacíficas e amigáveis. Em sua parte final, o artigo 2 dá contornos mais precisos a tal projeto, convocando as Partes para que realizem esforços no sentido de estabelecer políticas econômicas internacionais compatíveis e, ainda, colaborarem, umas com as outras, para a manutenção e estabilidade de suas respectivas economias. A criação de sólidas bases econômicas comuns aos países que integram o espaço norte-Atlântico tem por escopo possibilitar e facilitar também a

cooperação política, social e cultural, operando, desta forma, como “steps towards the establishment of a community which would outlast and outlive the [Soviet] threat55”.

54 BECKETT, Eric. The North Atlantic Treaty, the Brussels Treaty and the Charter of the United Nations. London: Stevens & Sons, 1950, p. 30.

55 SPENCER, Robert A. Triangle into Treaty: Canada and the Origins of NATO. In International Journal. Vol. 14, nº 02 (1959), p. 95. O negrito é nosso. Para a Professora Margarida Salema, o princípio de cooperação

econômica expresso pela letra do artigo 2 constitui corolário do princípio de assistência mútua, cujas

principais manifestações no Tratado verificam-se na esfera militar. MARTINS, Margarida Salema d’ Oliveira; MARTINS, Afonso d’ Oliveira. Direito das Organizações Internacionais. 2ª ed. Vol. II. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, pp. 332-333.

Mais conhecido como o ‘artigo canadense’, este preceito seria incorporado ao texto do Tratado sob a forte relutância de países como o Reino Unido e os EUA, acabando por servir a propósitos menos nobres, tais como os de dissimular aspectos técnicos ou militares do Tratado e, ainda, facilitar sua recepção pelas opiniões públicas nacionais nos Estados signatários56. Os esforços empreendidos para a realização do preceito serão objeto de nossa análise ao longo das Partes I e II desta tese. Por hora, importa apenas ressaltar que os objetivos do artigo 2 seriam, ao longo dos anos, repetidamente invocados, sempre que estiveram em causa a harmonia transatlântica ou a utilidade militar de sua Aliança57.

O artigo 3 torna claro que, não obstante o disposto nos preceitos que o antecedem, a principal forma de cooperação no âmbito do Tratado do Atlântico Norte se verifica na esfera militar. De forma inteligível, sua letra dispõe:

In order more effectively to achieve the objectives of this Treaty, the Parties, separately and jointly, by means of continuous and effective self-help and mutual aid, will maintain and develop their individual and collective capacity to resist armed attack.

Infere-se daí a existência de uma obrigação jurídica clara pendente sobre as Partes signatárias: manter e desenvolver suas capacidades individuais e coletivas, de modo a capacitá-las a resistir a um ataque armado. As formas escolhidas para a realização de tal obrigação encontram-se elencadas no próprio artigo 3, traduzindo-se, especificamente, ou na realização de esforços individuais, voltados ao aperfeiçoamento de suas respectivas

56 JOCKEL, Joseph T.; SOKOLSKY, Joel J. Canada and NATO: Keeping Ottawa in, expenses down, criticism out... and the country secure. In International Journal. Vol. 64, nº 02 (2008-2009), p. 321. No mesmo sentido, MARTINS, Margarida Salema d’ Oliveira; MARTINS, Afonso d’ Oliveira. Direito das Organizações Internacionais. 2ª ed. Vol. II. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, pp. 332-333.

57 Antecipando de maneira quase profética os profundos obstáculos enfrentados pela Aliança Atlântica após a dissolução da URSS, Leaster B. Pearson – à época Secretário das Relações Exteriores no governo de Louis St. Laurent – faria durante as discussões, no parlamento canadense, acerca do conteúdo normativo do Tratado do Atlântico Norte, a seguinte declaração: “[i]n the past, alliances and leagues have always

been formed to meet emergencies and have dissolved as the emergencies vanished. It must not be so this time. Our Atlantic union must have a deeper meaning and deeper roots. It must create the conditions for a kind of co-operation which goes beyond the immediate emergency. Threats to peace may bring our Atlantic pact into existence. Its contribution to welfare and progress may determine how long it is to survive. The Canadian government, therefore, attaches great importance to the part which the pact may play in the encouragement of peacetime co-operation between the signatories in the economic, social and cultural fields”. CANADA. House of Commons: Official report of debates. 50th Session, 20th Parliament. Vol. I. Ottawa: Edmond Clautier, 1949, p. 239.

capacidades militares; e/ou na prestação de assistência ou auxílio mútuo58. Com a realização continuada de ambas as prestações, busca-se garantir que a Aliança disporá

dos meios necessários para impedir ou repelir qualquer ataque direcionado contra o território ou a independência política de seus membros.

Alguns esclarecimentos respeitantes ao dever de assistência ou auxílio mútuo se fazem necessários. Em primeiro lugar, importa salientar que ele não cria qualquer obrigação bilateral entre as Partes signatárias, embora estabeleça um compromisso multilateral de auxílio recíproco que, provavelmente, poderá vir a se manifestar, inclusive, no âmbito de acordos bilaterais posteriormente celebrados. Há, portanto, um compromisso flexível, assumido por cada signatário, e que consiste na contribuição mútua para o fortalecimento das capacidades militares individuais e coletivas. Contudo, inexiste no artigo 3 qualquer previsão normativa relativa à duração, cronograma ou intensidade da colaboração devida59. Seja como for, a prestação do auxílio mútuo deve ser realizada de boa-fé, tendo em conta a situação geográfica, os recursos e as possibilidades econômicas de cada uma das Partes60.

Corolário do princípio das consultas políticas constantes61, o artigo 4 estabelece

que as Potências norte-atlânticas consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer uma delas, “the territorial integrity, political independence or security of any of the Parties

is threatened”. Como bem observa a Professora Margarida Salema, este preceito se limita

58 HEINDEL, Richard H.; KALIJARVI, Thorsten V.; WILCOX, Francis O. The North Atlantic Treaty in the United States Senate. In The American Journal of International Law. Vol. 43, nº 04 (1949), p. 640.

59 HEINDEL, Richard H.; KALIJARVI, Thorsten V.; WILCOX, Francis O. The North Atlantic Treaty in the United States Senate. In The American Journal of International Law. Vol. 43, nº 04 (1949), p. 642. De fato, prestando esclarecimentos sobre o conteúdo do Pacto Atlântico perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, o então Secretário de Estado, Dean Acheson, se referiria a obrigação jurídica resultante do artigo 3 nos seguintes termos: “The judgment of the executive branch of this Government is that the United

States can and should provide military assistance to assist the other countries in the Pact to maintain their collective security. [Article 3] does not bind the Congress to reach that same conclusion, for it does not dictate the conclusion of honest judgement. It does preclude repudiation of the principle or of the obligation of making that honest judgement. Thus, if you ratify the Pact, it cannot be said that there is no obligation to help. There is an obligation to help, but the extent, the manner, and the timing is up to the honest judgment of the parties”. EUA. Senate Committee on Foreign Relations, Hearings on the North

Atlantic Treaty. Washington, D.C.: U.S. Government Printing Office, 1949, p. 13. O negrito é nosso. 60 O entendimento se infere do Agreed Interpretations of the Treaty, cujo conteúdo pode ser integralmente

consultado em EUA. Minutes of the Eighteenth Meeting of the Washington Exploratory Talks on Security.

In Foreign Relations of the United States. Vol. IV, 1949, pp. 222-223. Dentre as atividades a serem

desenvolvidas no âmbito do artigo 3, este documento cita, a título exemplificativo, “facilities, manpower,

productive capacity, or military equipment”.

61 Confira OTAN. The Evolution of NATO political consultation 1949-1962. May 1963, p. 03. Disponível em: <http://www.nato.int/ebookshop/video/declassified/doc_files/NHO(63)1.PDF>. Acesso em: 15 de Julho de 2015.

a estabelecer uma obrigação de consulta em tempos de crise, e desde que a audiência seja requisitada por qualquer das Partes signatárias. Ele não constitui, em absoluto, um obstáculo à consulta política em tempos de relativa normalidade62 ou às atividades consultivas realizadas regularmente no seio do Conselho do Atlântico Norte (NAC) e em seus órgãos subsidiários. Ao contrário, de modo complementar ao artigo 2, este dispositivo normativo fornece as diretrizes jurídicas para aquelas delegações que, tradicionalmente, procuram estabelecer, no seio da Aliança Atlântica, uma cultura de consulta em matéria de política externa, intercâmbio de informações e desenvolvimento de estratégias nacionais comuns63. Formalmente, todavia, o sistema de consultas emergenciais contido no artigo 4 foi invocado em raras ocasiões64.

Outro princípio que permeia o artigo 4 é o da não limitação geográfica das

consultas políticas, não podendo ser inferido de seu teor – ou de qualquer outra norma do

Tratado – a existência de alguma limitação geográfica à cooperação política entre as Potências signatárias65. Assim, o dever de consulta se impõe mesmo naquelas situações em que a ameaça à segurança, integridade territorial ou independência política de uma das Partes se verifique fora do ‘espaço norte-atlântico’ ou da ‘zona do tratado’66.

62 MARTINS, Margarida Salema d’ Oliveira; MARTINS, Afonso d’ Oliveira. Direito das Organizações Internacionais. 2ª ed. Vol. II. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 330.

63 Assim, por exemplo, em 1954 o Conselho do Atlântico Norte adotava uma resolução na qual reconhecia que “the security and unity of the atlantic community depend not only on collective defence measures but

also on co-ordinated diplomatic policies”. OTAN. Resolution on Political Consultation. April 1954.

Disponível em: <http://archives.nato.int/uploads/r/null/2/3/23229/C-M_54_38_ENG.pdf>. Acesso em: Agosto de 2015. Veja, ainda, OTAN. Political Consultation. In Long-Term Planning: Report by the Council in Permanent Session. April, 1961 (Reissued: April, 1967), Part I, pp. 8-11. Disponível em: <http://archives.nato.int/uploads/r/null/1/1/1114/03-V3.pdf>. Acesso em: Agosto de 2015; e OTAN. The Evolution of NATO political consultation 1949-1962. May, 1963, p. 03. Disponível em: <http://www.nato.int/ebookshop/video/declassified/doc_files/NHO(63)1.PDF>. Acesso em: 15 de Julho de 2015.

64 O artigo 4 foi invocado pelo governo turco em Julho de 2015, por conta de atentados sofridos naquele mês; em Junho e Outubro de 2012, em consequência da derrubada de incidentes de fronteira envolvendo forças sírias; e em Fevereiro de 2003, ocasião na qual foi solicitada assistência militar para garantir a defesa do seu território durante a condução das operações militares no Iraque. A Polônia, por sua vez, invocou o artigo 4 em Março de 2014, por força dos acontecimentos verificados na Ucrânia. Veja OTAN. The Consultation Process and Article 4. July 2015. Disponível em: <www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49187.htm>. Acesso em: Agosto de 2015.

65 OTAN. The Evolution of NATO political consultation 1949-1962. May, 1963, p. 03. Nota-se, neste documento, que a limitaçao geográfica constante no artigo 6 do Tratado condiciona o artigo 5, mas não exerce qualquer impacto sobre o objeto jurídico constante do artigo 4.

66 Agreed Interpretations of the Treaty, transcrito em EUA. Minutes of the Eighteenth Meeting of the Washington Exploratory Talks on Security. In Foreign Relations of the United States. Vol. IV, 1949, pp. 222-223.

O artigo 5 encerra aquele que é o núcleo duro do Tratado do Atlântico Norte e principal expressão do princípio de assistência ou auxílio mútuo: o compromisso de defesa coletiva assumido, reciprocamente, por cada um dos Estados signatários. Em sua primeira parte, ipsis litteris, estabelece:

The Parties agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be considered an attack against them all and consequently they agree that, if such an armed attack occurs, each of them, in exercise of the right of individual or collective self- defence recognised by Article 51 of the Charter of the United Nations, will assist the Party or Parties so attacked by taking forthwith, individually and in concert with the other Parties, such action as it deems necessary, including the use of armed force, to restore and maintain the security of the North Atlantic area.

Infere-se, a partir de uma leitura inicial, a concordância de cada uma das Partes contratantes em considerar a agressão armada contra qualquer uma delas, na Europa ou

na América do Norte, como um ataque ao seu próprio território ou independência política.

A aceitação de tal premissa constitui elemento fundamental para a obrigação jurídica estabelecida pelo artigo 5, contendo os elementos necessários à realização do casus

foederis do Pacto Atlântico, ou, por outras palavras, estabelecendo, de forma prévia, o

evento, ou conjunto de eventos, cuja ocorrência irá gerar à Parte atacada a prerrogativa de exigir dos demais signatários a prestação da assistência regulada na parte final do preceito ora analisado67. De forma mais específica, exige-se para a consolidação do direito de receber assistência e da sua obrigação correspondente: (i) que a Parte atacada seja vítima de um ataque armado; e (ii) que tal ato de agressão seja perpetrado na ‘América do Norte ou na Europa’.

Uma vez que o requisito geográfico mencionado no artigo 5 é aprofundado e delimitado pela norma subsequente, constituindo, portanto, objeto da nossa análise imediatamente posterior, importa, por hora, tecer breve comentário sobre a exigência de que a Parte atacada seja vítima de um ‘ataque armado’. A menção a esta específica forma de uso ilícito da força encontra-se em conformidade com o artigo 51 da CNU, que, tal como veremos oportunamente no andamento do nosso trabalho, limita o exercício do direito de

67 O Professor Lassa Oppenheim define casus foederis como: “[…] the event upon the occurrence of which it

becomes the duty of one of the allies to render the promised assistance to the other”. Ainda segundo esta

doutrina, no específico caso dos tratados de aliança defensiva, “the casus foederis occurs when war is

declared or commenced against one of the allies”. Veja OPPENHEIM, Lassa F. L. Important Groups of

Treaties. In International Law: A treatise. Edited by LAUTERPACHT, H. 8th ed. Vol. I. London: Longman, Dream & Company, 1955. Cap. III, pp. 963-964.

legítima defesa a responder atos de violência especialmente graves. Todavia, mais do que ressaltar a compatibilidade entre a Carta e o Pacto Atlântico, condicionar a obrigação contida no artigo 5 à verificação de um ataque armado, equivale a reconhecer sua não aplicação naqueles casos em que o ato ilícito de violência apresente reduzidas proporção e intensidade.

Verificados ambos os requisitos anteriormente mencionados, consolida-se o

dever de assistência, que deverá ser realizado pela prestação imediata das ações que as

demais Partes signatárias, individualmente ou de forma concertada, julgarem necessárias. A discricionariedade atribuída por esta norma a cada uma das Partes para adotar, ressalte-se, “a acção que considerar necessária” encerra uma “fórmula flexível”, pela qual aqueles Estados dispõem de toda a liberdade para prestar a ação devida pelas mais diversas formas, inclusive, observados seus respectivos procedimentos constitucionais, pelo emprego da força armada68.

Adotando posição diversa, o Professor Boutros-Ghali, em sua obra

Contribution a Une Théorie Générale des Alliances, reconhece no artigo 5 do Pacto Atlântico

a existência de um dever de assistência total e automático. Por outras palavras, realizado um ataque armado contra qualquer das Partes signatárias, a assistência a ser prestada traduzir-se-á, necessariamente, no emprego da força bélica contra o agressor, verificando-se, ademais, sem que sejam observados os requisitos constitucionais dos Estados que prestam tal assistência. Segundo douto entendimento, tais características devem-se, ao contrário do que possa sugerir a letra do artigo 5, a circunstâncias fáticas específicas ou, de forma mais precisa, à existência de uma força multinacional integrada, sujeita a um Comando Militar único. Tal força, quando estacionada no interior de determinado país signatário, seguramente responderia ao ataque armado, perpetrado contra o Estado territorial, de maneira imediata e por meio da aplicação de meios coercitivos69.

Em que pese o seu brilhantismo, divergimos, de maneira respeitosa, da opinião proferida pelo eminente Professor. Na situação hipotética por ele apresentada, existe,

68 SCHUMAN, Robert apud MARTINS, Margarida Salema d’ Oliveira; MARTINS, Afonso d’ Oliveira. Direito das Organizações Internacionais. 2ª ed. Vol. II. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 340.

69 BOUTROS-GHALI, B. Contribution a Une Théorie Générale des Alliances. Paris: Éditions A. Pedone, 1991, pp. 76-77.

obviamente, a possibilidade de que a agressão perpetrada afete diretamente à força