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PARTE I – A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE

S. Longhand Draft Letter from President Harry Truman to Secretary of State James Byrnes President’s Secretary’s Files, Truman Papers January 5, 1946 Disponível em:

5. Novos Caminhos Após a Guerra-Fria

5.3.2. Operation Allied Force

A Operation Allied Force (OAF) foi uma campanha aérea conduzida pela OTAN contra alvos militares e infraestruturas civis – de duvidosa relevância estratégica – no território da ex-Iugoslávia212. Realizada sem qualquer autorização do CSNU e tendo sido inicialmente justificada por um suposto propósito humanitário, a OAF se coloca no centro de um debate jurídico profundo, cujos impactos são, ainda hoje, sentidos. Uma vez que suas implicações jurídicas integram o objeto da análise a ser desenvolvida na Parte III desta tese, importa, por hora, contextualizar aquela operação à luz dos seus antecedentes fáticos, de suas mais proeminentes características e seu significativo impacto sobre a Aliança Atlântica.

A OAF insere-se no âmbito da crise kosovar que, embora agravada em inícios de 1998, tem suas raízes imediatas nos conflitos secessionistas que irromperam por todo território iugoslavo em inicios dos anos 90. Tendo, à época, uma população aproximada de dois milhões de habitantes – composta, em 90%, por kosovares de etnia albanesa –, o Kosovo, tal como as demais unidades federativas da ex-Iugoslávia, também buscaria a independência face à República Federal da Iugoslávia. Todavia, de forma distinta ao sucedido na Eslovênia, Croácia e Bósnia-Herzegovina, as lideranças kosovares-albanesas optariam, pelo menos no período inicial e sem prejuízo da ocorrência de alguns casos esporádicos de violência, por uma linha de resistência fundamentalmente pacífica213. Tal estratégia, no entanto, não sobreviveria ao Acordo de Daitona, de 1995, que, ao pôr fim ao conflito na Bósnia, não fez qualquer menção a situação política kosovar e ainda implicou,

General reformado Wesley Clark, no período compreendido entre Junho de 1997 e Dezembro de 2004, a SFOR capturou 27 pessoas indiciadas por crimes de guerra, sendo que outras três foram mortas por terem resistido à ordem de prisão.

212 Sobre os alegados propósitos humanitários da OAF, veja, p. ex., WEBBER, Mark. The Kosovo War: A recapitulation. In International Affairs. Vol. 85, nº 03 (2009), p. 450.

213 Em 1992, após ter sido confrontado pela proposta bósnio-croata para a abertura de uma terceira frente de combate às forças sérvias, o futuro presidente kosovar Ibrahim Rugova, teria respondido da seguinte forma: “[_T]he Serbs only wait for a pretext to attack the Albanian population and wipe it out. We believe

that it is better to do nothing and stay alive than be massacred”. RUGOVA, Ibrahim apud VICKERS, Miranda.

na prática, o reconhecimento internacional da República Federal da Iugoslávia, cujo território compunha-se pela Sérvia, Montenegro e pelo Kosovo214.

O conflito ganharia contornos definidos em inícios de 1998, quando a organização conhecida como Exército de Libertação do Kosovo (KLA) intensificaria suas – até então esporádicas – ações armadas contra as forças de segurança iugoslavas. De forma a suprimir a insurreição no Kosovo, o governo iugoslavo destacaria contingentes militares para a região, iniciando, assim, um conflito de caráter interno. Ambas as partes utilizariam a força armada de maneira indiscriminada, gerando baixas civis e um elevado número de refugiados internos e internacionais215.

Fatores como o histórico de violência na região e a existência de indícios que sugeriam a realização, pelas forças sérvias, de práticas genocidas na Bósnia, levariam a comunidade internacional a responder rapidamente à crise no Kosovo216. Após o reestabelecimento do Grupo de Contato, composto pela Rússia, EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Itália, o CSNU aprovaria, em Março de 1998, a Resolução 1160. De modo geral, esta Resolução condenava a natureza desproporcional das ações levadas a cabo pela República Federal da Iugoslávia contra segmentos pacíficos do movimento secessionista e, por outro lado, repudiava as práticas terroristas adotadas pelo KLA. Além disso, em explícita referência ao Capítulo VII da CNU, a resolução exortava as partes ao diálogo para, com o auxílio dos países que compunham o Grupo de Contato, encontrar uma solução política para o conflito, estabelecendo, ainda, um abrangente embargo de armas e outros materiais bélicos217.

A aprovação da Resolução 1160 acabaria por mitigar a intensidade das operações militares iugoslavas, mas o KLA continuaria a perpetrar atos terroristas no Kosovo. Entre suas vítimas incluíam-se não apenas indivíduos de origem sérvia, mas, também, kosovares-albaneses que, alegadamente, colaboravam com o governo central. Tal quadro levaria à retomada das atividades militares pelas forças armadas da República

214 JUDAH, Tim. Kosovo’s Road to War. In Survival. Vol. 41, nº 02 (1999), p. 05.

215 Veja, de forma detalhada, BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O uso da força pelas Nações Unidas em especial. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 474 e ss.

216 BREAU, Susan. Humanitarian Intervention: The United Nations and collective responsibility. London: Cameron May, 2005, p. 118.

217 CSNU. Resolution 1160. 31 March 1998. Considerandos 1 a 8. Disponível em: <http://daccess-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N98/090/23/PDF/N9809023.pdf?OpenElement>. Acesso em: Outubro de 2015.

Federal da Iugoslávia, dando azo a uma ofensiva especialmente violenta que, prologando- se quase que ininterruptamente pelos meses compreendidos entre Junho e Setembro, seria responsável por causar a morte de aproximadamente 600 civis e por gerar um total de 230.000 refugiados218.

Os esforços diplomáticos empreendidos para a resolução da crise em andamento não gerariam os resultados esperados. Em Agosto 1998, o Grupo de Contato apresentaria uma proposta de paz que, embora aceita pela República Federal da Iugoslávia, seria rechaçada pelas lideranças kosovares – visto que, apesar de garantir uma maior autonomia à sua província, cerceava suas pretensões de independência219. Em face deste impasse e, principalmente, da escalada de violência ocorrida no período supramencionado, o CSNU aprovaria, em Setembro daquele ano, a Resolução 1199, pela qual classificava o conflito no Kosovo, pela primeira vez, como ‘uma ameaça à paz e a

segurança na região’ e exigia dos beligerantes não apenas um cessar-fogo imediato, mas a

adoção de medidas concretas para a melhoria das condições humanitárias no teatro de operações220. Seus efeitos seriam, contudo, limitados, tendo vindo posteriormente a público, indícios de que as partes atuavam de forma indiscriminada no campo de batalha.

Neste contexto, a OTAN daria um ultimato coagindo o governo iugoslavo a adotar uma conduta compatível com o conteúdo das Resoluções 1160 e 1199 do CSNU, ou a enfrentar bombardeamentos estratégicos a serem perpetrados pela força aérea aliada221. A ameaça de uso da força levaria a República Federal da Iugoslávia a celebrar, com os EUA, importantes acordos diplomáticos, cujos respectivos conteúdos versavam não apenas sobre o estabelecimento de um novo cessar-fogo ou sobre a retirada de parte das forças sérvias do Kosovo, mas criavam, também, as condições para o envio, ao terreno de operações, de uma missão da OSCE com o objetivo de viabilizar a implementação das

218 Confira BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O uso da força pelas Nações Unidas em especial. Coimbra: Almedina, 2003, p. 474; e ONU. Report of the Secretary- General Prepared Pursuant to Resolution 1160 (1998) of the Security Council. S/1998/834. 04 September 1998. Considerandos 6 e 7. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/1998/834>. Acesso em: Outubro de 2015. 219 BREAU, Susan. Humanitarian Intervention: The United Nations and collective responsibility.

London: Cameron May, 2005, p. 128.

220 CSNU. Resolution 1199. 23 September 1998. Preâmbulo e considerandos 1, 2, 4 (c) e 5 (d). Disponível

em: <http://daccess-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N98/279/96/PDF/N9827996.pdf?OpenElement>. Acesso em: Outubro de 2015.

221 SIMMA, Bruno. NATO, the UN and the Use of Force: Legal aspects. In European Journal of International Law. Vol. 10, nº 01 (1999), p. 7.

Resoluções 1160 e 1199222. Em Outubro daquele ano, o CSNU adotaria a Resolução 1203, pela qual endossava os acordos realizados, chancelando, aparentemente, a ameaça bélica previamente realizada pela OTAN223.

Verificar-se-ia, nos meses subsequentes, significativa melhora das condições humanitárias na região, tendo a República Federal da Iugoslávia respeitado, de modo geral, o cessar-fogo estabelecido nos acordos de Outubro. O KLA, por seu turno, não cessaria suas operações militares e daria continuidade tanto aos ataques perpetrados contra as forças governamentais reminiscentes, quanto intensificaria as atividades terroristas, direcionadas, indiscriminadamente, contra segmentos étnicos sérvios e albaneses. A vantagem tática que a contenção das forças armadas iugoslavas lhe proporcionava era tão significativa, que o KLA logo recuperaria todas as posições perdidas durante a ofensiva sérvia realizada de Maio a Setembro224.

Em resposta às provocações do KLA, o governo iugoslavo faria retornar, em Janeiro de 1999, grandes contingentes militares ao Kosovo. Embora o cessar-fogo iniciado em Outubro ainda fosse formalmente respeitado, ocorreriam confrontos limitados entre as partes beligerantes. Mais preocupante, contudo, seria a intensificação das ações de violência perpetradas contra a população civil de ambos os lados, que passava a constituir o alvo de eleição do KLA e, de certa forma, das forças militares e paramilitares sérvias. Dentre os mais notórios crimes cometidos naquele primeiro mês de 1999, destaca-se o massacre de, pelo menos, 45 civis de etnia albanesa na cidade de Racak, no Kosovo225.

222 ROBERTS, Adam. NATO’s ‘Humanitarian War’ over Kosovo. In Survival. Vol. 41, nº 03 (1999), pp. 112- 113.

223 SIMMA, Bruno. NATO, the UN and the Use of Force: Legal Aspects. In European Journal of International Law. Vol. 10, nº 01, 1999, pp. 7 e 8. Veja, ainda, UNSC. Resolution 1203. 24 October 1998. Disponível

em: <http://daccess-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N98/321/21/PDF/N9832121.pdf?OpenElement>. Acesso em: Outubro de 2015.

224 LAYNE, Christopher. Blunder in the Balkans: The Clinton administration’s blunder war against Serbia. Policy Analysis, nº 345. Washington: CATO Institute, 1999, p. 05. Neste mesmo sentido, DAALDER, Ivo H.; O’HANLON, Michael E. Winning Ugly: NATO’s war to save Kosovo. Washington: Brookings Institution Press, 2000, pp. 57 e 61.

225 Em sentido próximo, BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O uso da força pelas Nações Unidas em especial. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 480-481. É importante notar que os atos de violência bélica dirigidos contra a população civil não eram, por regra, reivindicados por nenhuma das partes beligerantes. Em sua análise sobre o tema, o Professor James G. Jatras afirma que o KLA fez largo uso de práticas terroristas, tendo, inclusive, promovido atos de limpeza étnica em diversas vilas ocupadas pela população sérvia no Kosovo após o cessar-fogo de Outubro. Por outro lado, o douto Professor afirma que atrocidades também foram praticadas pelas forças armadas iugoslavas. Destaca, todavia, que muitas das denúncias oferecidas contra as forças iugoslavas eram originárias de relatórios fornecidos pelo próprio KLA, e que apesar de não terem sido, em sua maior parte, confirmados, tais relatórios eram tratados como precisos pelos governos da OTAN. De forma exemplificativa, Jatras faz

O agravamento da crise humanitária levaria a OTAN a retomar as ameaças de recurso à força, levando os dois lados a participar da conferência de paz realizada na comuna de Rambouillet, França, iniciada em 06 de Fevereiro de 1999226. Ali, os Estados que compunham o Grupo de Contato, apresentariam aos litigantes o Acordo Interino a que deveriam aderir227. Uma vez que as partes consideravam que tal acordo não atendia plenamente aos seus interesses, sua viabilidade dependeria, portanto, da coesão e da capacidade diplomática do Grupo de Contato. Todavia, a decisão dos Estados membros da OTAN de incluir no acordo um anexo militar apesar dos protestos russos, daria azo a profundos atritos no seio do Grupo, prejudicando, consideravelmente, o processo diplomático.

Mas, para além de cercear a atuação da delegação russa nas negociações em andamento, o anexo militar seria o principal motivo da oposição iugoslava ao Acordo Interino. O anexo estabelecia uma força de paz multinacional sob o comando e autoridade da OTAN, habilitada a atuar não apenas nos limites geográficos restritos à província do Kosovo, mas em qualquer parte do território iugoslavo228. Por considerar, corretamente, que tal discricionariedade constituía uma violação injustificável à soberania do seu país, a delegação iugoslava não assinaria o acordo apresentado229. De forma similar, por não

referência ao “report peddled by State Department spokesman James Rubin, […] that some 100,000

Albanian men had been herded into the Pristina sports stadium-until a reporter actually went to the stadium and found it empty”. JATRAS, James George. NATO’s Myths and Bogus Justifications for Intervention. In

CARPENTER, Ted Galen (edt). NATO’s Empty Victory: A postmortem in the Balkans. Washington: Cato Institute, 2000. Cap. 02, pp. 24-25.

226 Embora as ameaças de uso da força fossem direcionadas ao governo iugoslavo, sua concretização estava também condicionada a um melhor comportamento do KLA no campo de batalha e, ainda, à aceitação, pelas lideranças kosovares-albanesas, do Acordo Interino apresentado em Rambouillet. Esta iniciativa tinha por finalidade impedir que o KLA provocasse, deliberadamente, uma reação iugoslava com o propósito de se beneficiar de qualquer operação militar conduzida pela OTAN contra a República Federal da Iugoslávia. DAALDER, Ivo H.; O’HANLON, Michael E. Winning Ugly: NATO’s war to save Kosovo. Washington: Brookings Institution Press, 2000, p. 73.

227 KOSOVO. Interim Agreement for Peace and Self-Government in Kosovo. 18 March 1999. Também

designado ‘Acordo Interino’. Disponível em: <http://peacemaker.un.org/sites/peacemaker.un.org/files/990123_RambouilletAccord.pdf>. Acesso

em: Outubro de 2015.

228 De fato, o considerando 8 do Appendix B: Status of Multi-National Military Implementation Force, versão final do Acordo Interino, preceituava: “NATO personnel shall enjoy, together with their vehicles, vessels,

aircraft, and equipment, free and unrestricted passage and unimpeded access throughout the FRY including associated airspace and territorial waters. This shall include, but not be limited to, the right of bivouac, maneuver, billet, and utilization of any areas or facilities as required for support, training, and operations”. Confira KOSOVO. Interim Agreement for Peace and Self-Government in Kosovo. 18 March 1999. Appendix B. Considerando 8.

229 LAYNE, Christopher. Miscalculations and Blunders Lead to War. In CARPENTER, Ted Galen (edt). NATO’s Empty Victory: A postmortem in the Balkans. Washington: Cato Institute, 2000. Cap. 01, p. 16. Esta doutrina também afirma que a delegação iugoslava via nos preceitos do Acordo Interino um claro – e, em sua opinião, inegável – favorecimento às lideranças kosovares-albanesas. Em suas palavras, “[a]lthough

terem suas pretensões secessionistas atendidas, as lideranças kosovares-albanesas também se oporiam, em um primeiro momento, àquele instrumento jurídico- internacional. Contudo, seriam persuadidas ao tomar conhecimento de que tal oposição constituiria um obstáculo à concretização das ameaças realizadas contra a República Federal da Iugoslávia230.

Após o completo comprometimento do processo de paz em 05 de Março de 1999, o governo iugoslavo retomaria as operações militares no Kosovo. No dia 21, o enviado especial dos EUA à Belgrado, Richard Holbrooke, levaria um derradeiro ultimato ao presidente iugoslavo Slobodam Milosovic: ou o Acordo Interino era imediatamente assinado, ou as forças da OTAN realizariam uma série de ações coercitivas contra a República Federal da Iugoslávia. Três dias depois, invocando a irresistível necessidade de prevenir uma catástrofe humanitária, as Potências aliadas dariam início à Operation Allied

Force (OAF), operação militar que empregava, exclusivamente, elementos da força aérea

e que se caracterizava pelo bombardeamento de alvos militares e civis de alegada relevância estratégica231.

A OAF é significativa por que constitui expressão máxima da linha diplomática desenvolvida por Richard Holbrooke e pela então Secretária de Estado, Madeleine Albright, segundo a qual a efetiva resolução das crises nos Balcãs dependia de uma abordagem diplomática “backed by a credible use of force232”. A percepção de que a paz na

Bósnia resultava diretamente das ações bélicas perpetradas no âmbito da Operation

Deliberate Force, somada ao relativo sucesso que as ameaças de uso da força tiveram ao

the Rambouillet plan provided that Kosovo would nominally remain part of Yugoslavia for three years, Belgrade’s actual control over the province would have been reduced to a nullity. Notwithstanding that the United States and NATO did not explicitly specify Kosovo’s status at the end of the plan’s three-year transition period, the KLA made it quite clear what would happen: either Kosovo would become independent or the KLA would resume the war. Indeed, even as they agreed to sign the Rambouillet accord, KLA leaders expressed their intent to ignore its disarmament provisions and to keep the KLA’s military capabilities intact”.

230 JATRAS, James George. NATO’s Myths and Bogus Justifications for Intervention. In CARPENTER, Ted Galen (edt). NATO’s Empty Victory: A postmortem in the Balkans. Washington: Cato Institute, 2000. Cap. 02, p. 24.

231 Confira WEBBER, Mark. The Kosovo War: A recapitulation. In International Affairs. Vol. 85, nº 03 (2009), p. 450. Em razão do negativo histórico estadunidense com o envio de forças terrestres para o Vietnã, em 1965, e para a Somália, em 1992, o então Presidente dos EUA, Bill Clinton, foi orientado por seus assistentes militares a limitar suas ações na República Federal da Iugoslávia à realização de ataques aéreos. DUNN, David H. Innovation and Precedent in the Kosovo war: The impact of Operation Allied Force on US foreign policy. In International Affairs. Vol. 85, nº 03 (2009), pp. 537-538.

232 KERTON-JOHNSON, Nicholas. Justifying America’s Wars: The conduct and practice of US military intervention. New York: Routledge, 2011, p. 59.

forçar negociações ou impor restrições comportamentais à, pelo menos, uma das partes beligerantes, convenceria as lideranças políticas aliadas de que uma rápida campanha aérea perpetrada contra os iugoslavos seria suficiente para forçá-los a assinar o acordo interino apresentado em Rambouillet233. Esta prematura e equivocada premissa explica, por exemplo, a decisão de incluir um anexo militar, apesar dos reiterados protestos russos nesta matéria. No fim, seria esta “arrogância cega dos Estados da OTAN” que acabaria por isolar a Rússia e comprometer o processo diplomático, inviabilizando a resolução política da crise kosovar234.

Ao contrário do que era inicialmente esperado por aqueles que planejaram a OAF, a República Federal a Iugoslávia resistiria aos ataques aéreos da OTAN, prolongando, por quase três meses, uma operação militar que deveria durar não mais do que poucas semanas. A determinação e resiliência demonstradas pelos sérvios puseram em causa não apenas a credibilidade do poder aéreo aliado, mas a própria utilidade da Aliança Atlântica no ambiente estratégico consolidado com o fim da Guerra Fria235. Enfrentando sua potencial perda de credibilidade enquanto organização regional de segurança, a OTAN levaria seus bombardeios estratégicos para além dos alvos militares no Kosovo, passando a atingir, também, pontes, estações elétricas, prédios governamentais e infraestruturas civis por todo território iugoslavo. Destacam-se, neste sentido, os ataques perpetrados contra uma retransmissora de rádio e televisão e, de forma alegadamente acidental, à embaixada chinesa em Belgrado236. A decisão teria um elevado custo político para a Aliança Atlântica, gerando profundos desgastes em suas relações internas e externas237.

Outras críticas à OAF resultam das contradições existentes entre sua justificativa humanitária, por um lado, e suas características e resultados operacionais, por outro. O recurso à força armada pela Aliança Atlântica não preveniria uma catástrofe humanitária no Kosovo, mas a impulsionaria, vez que seria o pretexto para que as

233 DAALDER, Ivo H.; O’HANLON, Michael E. Winning Ugly: NATO’s war to save Kosovo. Washington: Brookings Institution Press, 2000, p. 101.

234 BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O uso da força pelas Nações Unidas em especial. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 489-490.

235 WEBBER, Mark. The Kosovo War: A recapitulation. In International Affairs. Vol. 85, nº 3 (2009), p. 458. 236 Veja, p. ex., MANDELBAUM, Michael. The Failure of Intervention. In Foreign Affairs. Sept/Oct, 1995. Disponível em: <https://www.foreignaffairs.com/articles/china/1999-09-01/archives-failure- intervention>. Acesso em: Outubro de 2015.

237 Confira, respectivamente, HALLAMS, Ellen. The United States and NATO Since 9/11: The transatlantic alliance renewed. New York: Routledge, 2010, p. 44; e MANDELBAUM, Michael. The Failure of Intervention. In Foreign Affairs. Sept/Oct. 1995.

lideranças sérvias levassem a cabo “a sort of ‘final solution’ to the Kosovo Albanian

problem238”. De fato, entre Fevereiro de 1998 e Março de 1999, aproximadamente mil civis

haviam sido mortos no conflito em andamento. Contudo, de 29 de Março a 19 de Junho de 1999, período no qual a OAF seria realizada, estima-se que 10.000 pessoas tenham perdido a vida em decorrência de ações militares perpetradas pelas forças iugoslavas. Neste mesmo período, o caos instalado no Kosovo geraria um número de 863.000