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PARTE I – A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE

S. Longhand Draft Letter from President Harry Truman to Secretary of State James Byrnes President’s Secretary’s Files, Truman Papers January 5, 1946 Disponível em:

6. Em direção ao Novo Milênio

Em Abril de 1999, ainda durante a execução da OAF, as Potências aliadas reunir-se-iam em Washington para promulgar o Conceito Estratégico que deveria nortear a Aliança Atlântica pela década que se anunciava. Este documento preservava a

abordagem ampla dos temas concernentes à segurança aliada que, estabelecida no

Conceito Estratégico de 1991, tinha por subjacente o entendimento segundo o qual determinados fatores políticos, econômicos e sociais, poderiam, também, interferir com a paz e a estabilidade no espaço norte-Atlântico245. Atribuía, desta forma, especial destaque aos chamados riscos de amplo espectro (risks of a wider nature) que – abrangendo a proliferação de armas de destruição em massa, a interrupção do fluxo de recursos vitais e atos de terrorismo ou sabotagem – deveriam ser enfrentados pelo emprego coordenado de recursos políticos e militares246.

Na esfera operacional, o Conceito Estratégico de Washington ressaltava, de forma quase protocolar, o compromisso das forças aliadas com a defesa coletiva dos Estados membros e expressava, de forma mais significativa, a decisão de continuar empregando-as em missões de paz similares às operadas na Bósnia e no Kosovo247. Possivelmente por influência dos negativos efeitos políticos causados pela OAF, era ressaltado que a atuação da OTAN no âmbito destas missões estaria sujeita a autoridade da OSCE ou se manifestaria sob a égide da ONU248.

Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 não invalidaram as diretrizes básicas estabelecidas naquele Conceito Estratégico, mas introduziriam novos vetores e, consequentemente, novas perspectivas. Pela primeira vez na história da Aliança Atlântica, cinco décadas após a sua criação, uma nação aliada seria vítima de um ataque

armado, indicando que as regulares declarações sobre a centralidade da defesa coletiva

245 OTAN. The Alliance's Strategic Concept. 24 Apr. 1999. Considerandos 5 e 25. 246 OTAN. The Alliance's Strategic Concept. 24 Apr. 1999. Considerando 24.

247 OTAN. The Alliance's Strategic Concept. 24 Apr. 1999. Considerandos 28, 29, 31, 47 e ss.

248 Idem. Considerando 31. Para além dos anteriormente abordados impactos resultantes da OAF, a experiência de uso coercitivo da força armada no quadro político da Aliança Atlântica, desagradaria às autoridades militares nos EUA. Na opinião estadunidense, o sistema de comando e controle a que estão sujeitas as operações militares da OTAN, geralmente bloqueado por longas discussões políticas decorrentes das preocupações europeias, p. ex., com a produção de danos colaterais, criava determinadas restrições operacionais desnecessárias e susceptíveis de comprometer o sucesso da ação militar. Em suma, na perspectiva estadunidense, a OAF expunha um modelo de “war by committee” que as lideranças políticas estadunidenses, em suas operações militares posteriores, procurariam evitar. Veja HALLAMS, Ellen. The United States and NATO Since 9/11: The transatlantic alliance renewed. New York: Routledge, 2010, pp. 44, 45 e 52.

para a segurança das Potências aliadas deveriam ser acompanhadas das capacidades e recursos necessários à sua efetiva concretização. Este entendimento seria reforçado quando – após a invocação do artigo 5 do Pacto Atlântico249 – os EUA optariam por atribuir à OTAN funções marginais na estratégia antiterrorista inicialmente delineada250.

A decisão estadunidense de preterir a OTAN em favor de coalizões ad hoc geraria apreensão entre as Potências europeias, prenunciando mais uma crise que punha em causa a existência da Aliança Atlântica. Ou a OTAN se adaptava e garantia, desta forma, sua relevância para a segurança do seu principal Estado membro, ou seria, por ele, ostracizada.

Desta forma, a mentalidade e os planos estratégicos consagrados nos EUA pós- 11 de Setembro logo seriam incorporados pelos documentos oficiais da Aliança. Riscos difusos ou assimétricos como o terrorismo internacional e a proliferação de armas de destruição em massa, já constantes dos documentos estratégicos promulgados durante os anos 90, adquiririam uma renovada importância na agenda norte-Atlântica251. Para combatê-los, a OTAN ultrapassaria um novo e profundo processo de transformação, de significativas repercussões sobre sua estrutura organizativa e operacional. De modo

249 Em 12 de Setembro de 2001, o NAC viria a declarar que: “[…] if it is determined that this attack was

directed from abroad against the United States, it shall be regarded as an action covered by Article 5 of the Washington Treaty, which states that an armed attack against one or more of the Allies in Europe or North America shall be considered an attack against them all”. Confira OTAN. Statement by the North Atlantic

Council. Press Release (2001)124. 12 Sept. 2001. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/pr/2001/p01-124e.htm>. Acesso em: Outubro de 2014. No dia 02 de Outubro de 2001 o NAC determinaria que os atentados de 11 de Setembro haviam sido perpetrados a partir do estrangeiro, abrindo caminho para a adoção, quatro dias depois, de um conjunto de medidas para a implementação do ‘dever de assistência’ devido por força do artigo 5 do Pacto Atlântico. Voltadas à facilitação das atividades militares estadunidenses no Afeganistão, tais medidas previam, também, a possibilidade do emprego de meios navais para a realização de missão de patrulhamento no Mar Mediterrâneo e que, uma vez implementada, passaria a ser designada Operation Active Endeavour. Confira, respectivamente, OTAN. Invocation of Article 5 Confirmed. 02 Oct. 2001. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/update/2001/1001/e1002a.htm#FN1>. Acesso em: Novembro de 2015; OTAN. Statement to the Press by NATO Secretary General, Lord Robertson […]. 04 Oct. 2001. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/speech/2001/s011004b.htm>. Acesso em: Novembro de 2015; e LINDLEY-FRENCH, Julian. The North Atlantic Treaty Organization: The enduring alliance. New York: Routledge, 2007, p. 18.

250 LINDLEY-FRENCH, Julian. The North Atlantic Treaty Organization: The enduring alliance. New York: Routledge, 2007, p. 08. Todavia, como bem observa Richard E. Rupp, a decisão de marginalização da Aliança Atlântica no período imediatamente posterior aos atentados de 11 de Setembro, deve ser compreendida à luz das significativas reservas manifestadas – de forma pública ou em privado, após a invocação do artigo 5 do Tratado – por alguns dos mais importantes aliados na Europa. Confira RUPP, Richard E. NATO After 9/11: An Alliance in continuous decline. New York: Palgrave Macmillan, 2006, p. 97.

251 A esta categoria seriam posteriormente incluídos, como veremos na Parte II desta tese, riscos provenientes dos chamados Estados Párias e em vias de colapsamento, assim como outros fatores relacionados à segurança energética, segurança e defesa cibernética, entre outros.

muito peculiar, a Aliança Atlântica se arrogaria um âmbito de atuação global, revelando disposição para enfrentar aqueles desafios independentemente do seu local de proveniência252. Destacam-se, neste sentido, as funções de comando exercidas no âmbito da International Security Assistance Force (ISAF), no Afeganistão, entre os anos de 2003 e 2013253.

Uma vez que as declarações conjuntas da Aliança Atlântica não possuem aplicabilidade direta – e não são, por regra, juridicamente vinculantes –, é improvável que a referida decisão de atuar preemptivamente implicasse a produção, pela Aliança Atlântica, de opinio iuris favorável à chamada legítima defesa preemptiva254. Por outro lado, em conformidade com a supramencionada estratégia de abordagem ampla dos temas

concernentes à segurança norte-Atlântica, ela certamente preservava o desenvolvimento

da coordenação política aliada – a ser realizada tanto pelo aprofundamento das

consultas a que se refere o artigo 4 do Tratado, quanto pela condução de ações políticas concertadas com o propósito de mitigar aspectos daqueles riscos que não podem ser atingidos pelo emprego de meios coercitivos. Enquanto o primeiro conjunto

de iniciativas abrange, p. ex., a harmonização das políticas externas nacionais, o intercâmbio de informações e o desenvolvimento de estratégias comuns no seio do NAC, o segundo compreende a adoção coordenada de medidas mais ou menos complexas, susceptíveis de desenvolver, difundir ou fortalecer iniciativas jurídicas, políticas ou diplomáticas.

Apesar de referenciado pelo Conceito Estratégico de 1999, o desenvolvimento de esforços para o aperfeiçoamento das consultas políticas no seio do NAC é um projeto antigo da Aliança Atlântica, cuja realização encontra, tradicionalmente, resistência na

252 INFANTIS, Kostas. NATO’s Strategic Direction After Riga: NATO’s post-Cold War adaptation. In International Law Journal. Vol. 62, nº 03 (2007), p. 579. Veja, ainda, OTAN. Prague Summit Declaration. 21 November 2002. Considerandos 3 e 4. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/pr/2002/p02-127e.htm>. Acesso em: Novembro de 2015.

253 Embora chancelada por uma série de Resoluções do CSNU, a ISAF não é, propriamente, uma missão militar conduzida sob a autoridade do CSNU. Sua base jurídica resulta, ao contrário, de acordo celebrado entre as lideranças afegãs que emergiram após a intervenção estadunidense, em 2001, estando fundada, portanto, no consentimento do Estado territorial. De modo geral, confira OTAN. ISAF’s Mission in

Afghanistan (2001-2014). Sep. 2015. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_69366.htm>. Acesso em: Novembro de 2015. Veja

também ONU. Agreement on Provisional Arrangements in Afghanistan Pending the Re- establishment of Permanent Government Institutions. 5 December 2001. Disponível em: <http://www.un.org/News/dh/latest/afghan/afghan-agree.htm>. Acesso em: Novembro de 2015. 254 A esta questão voltaremos na Parte III da presente tese, onde será analisado o argumento de que a

prática desenvolvida pelas principais Potências aliadas. De fato, embora ratifiquem os estudos e declarações sobre a necessidade de tal convergência estratégica, estes Estados acabam por conduzir suas políticas externas nacionais sem submetê-la a qualquer apreciação pelo órgão político máximo da Aliança Atlântica.

Assim, uma vez que a decisão anglo-americana de intervenção no Iraque, em 2003, foi adotada sem qualquer consulta às demais Potências aliadas – diluindo, portanto, os planos de fortalecimento do artigo 4 do Tratado255 – importa, na Parte II a seguir, verificar em que medida a Aliança Atlântica desenvolve e faz uso de recursos não coercitivos para o combate dos chamados riscos difusos ou de amplo espectro.

255 É vital para a unidade norte-Atlântica que os EUA e as principais potências aliadas, consultem-se, genuinamente, com os demais Estados membros sobre a condução de suas políticas externas, quando elas possam repercutir sobre as obrigações assumidas no âmbito do Tratado do Atlântico Norte. Neste sentido, BELL, Robert G. NATO’s Transformation Scorecard. 01 January 2005. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natohq/opinions_21939.htm?selectedLocale=en>. Acesso em: Novembro de 2015.

PARTE II – RISCOS E AMEAÇAS DIFUSAS: DESAFIOS À VERTENTE