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PARTE II – RISCOS E AMEAÇAS DIFUSAS: DESAFIOS À VERTENTE POLÍTICA DA ALIANÇA ATLÂNTICA

3. Proliferação de Armas de Destruição em Massa

3.2.3. Terrorismo Nuclear

Ainda a respeito dos perigos inerentes à proliferação nuclear, destaca-se, dentre eles, a possibilidade de que grupos ou organizações terroristas adquiram armas ou materiais nucleares e as empreguem para coagir governos e alcançar objetivos políticos ou, pior, para perpetrar terríveis atentados. Esta última possibilidade constitui a “catástrofe suprema”, conjugando, por um lado, as características únicas das ações terroristas modernas – geralmente envolvendo ações extremas, imprevisíveis e irrestritas – e, por outro, o poder único de destruição das armas nucleares439.

Acredita-se, de modo geral, que atores não estatais decididos a praticar atos de terrorismo nuclear dificilmente poderão ser dissuadidos através de ameaças de retaliação440, uma vez que não dispõem de instituições, território ou população que possam ser objeto do ataque retaliatório. Por um lado, a deterrence não pode operar sem

determinado programa nuclear. Segundo Betts, o programa nuclear do Irã se encontra num estágio tão avançado que a única forma de interrompê-lo militarmente seria através da ocupação indeterminada do seu território, o que constitui, em sua opinião, opção inviável. Confira BETTS, Richard K. The Osirak Falacy. In The National Interest. Vol. 83 (2006), pp. 22-25.

438 Confira VAEZ, Ali. Why Sanctions Won’t Work. In CNN – Global Public Square Blog. Feb. 29, 2012. Disponível em: <globalpublicsquare.blogs.cnn.com/2012/02/29/why-iran-sanctions-wont-work/>. Acesso em: Julho de 2013. Ao contrário do que é afirmado, o tempo para lidar com a questão nuclear iraniana não está acabando. Países que chegaram a desenvolver armas nucleares foram, posteriormente, persuadidos pela comunidade internacional a abdicar delas. Todavia, a efetiva resolução da questão nuclear iraniana depende, fundamentalmente, da prévia superação de questões regionais existentes no Oriente Médio. Não fosse por estes seculares atritos, enraizados na região, uma solução poderia ser facilmente encontrada, por exemplo, por meio da criação de uma Área Livre de Armas Nucleares, facilitada pela adesão israelense ao TNP ou, em tese, até pelo estabelecimento de uma agência binacional de contabilidade e controle de materiais nucleares.

439 A expressão “catástrofe suprema” foi retirada da obra escrita por Graham Allison. Confira ALLISON, Graham. Nuclear Terrorism: The risks and consequences of the ultimate disaster. London: Constable, 2006, p. 15.

440 Organizações apocalípticas, assim como os principais grupos terroristas de caráter político-religioso, são exemplos de atores em relação aos quais a deterrence é inútil. Todavia, é importante mencionar que autores como Kenneth N. Waltz, Charles D. Ferguson e William C. Poter, reconhecem que alguns atores ou grupos não estatais, em razão de características organizacionais próprias, poderão sofrer constrições na prática de atos de terror nuclear ou radiológico. Este é, possivelmente, o caso de grupos nacionalistas/separatistas e, ainda, de algumas organizações que tenham objetivos políticos que, porventura, limitem os meios a serem utilizados. Confira WALTZ, Kenneth N. Waltz Responds to Sagan.

In SAGAN, Scott D.; WALTZ, Kenneth N. The Spread of Nuclear Weapons: A debate renewed. 2nd ed. New York: W. W. Norton & Company, 2002. Cap 04, pp. 127 e ss; e FERGUSON, Charles D.; POTTER, William C. The Four Faces of Nuclear Terrorism. New York: Routledge, 2005, pp. 18-26.

alvos claros e definidos. Por outro, indivíduos genuinamente dispostos a sacrificar a própria vida “for its own sake cannot be deterred441”.

Segundo Charles D. Ferguson e William C. Potter, ações terroristas de caráter nuclear se manifestariam, necessariamente, sob quatro formas distintas e envolveriam (i) a subtração e possível detonação de uma ogiva nuclear operacional; (ii) o desvio ou aquisição de materiais físseis que pudessem ser utilizados na confecção de um dispositivo nuclear bruto; (iii) a perpetração de ataques ou sabotagens a usinas e outras instalações nucleares, causando dispersão de material radioativo e; (iv) por último, a construção e detonação de uma ‘bomba suja’, isto é, de um dispositivo que, empregando explosivos convencionais e materiais radioativos, seja capaz de dispersar materiais radiológicos ou emitir radiação442.

Mas nem todo grupamento terrorista pode ou quer trilhar o caminho nuclear. Elementos de ordem prática e técnica fazem com que a obtenção de uma ogiva nuclear operacional, assim como a construção de um dispositivo nuclear bruto, seja uma empreitada virtualmente impossível para a maioria, ou, talvez, a totalidade desses grupos e organizações. Mesmo as opções mais viáveis de terror nuclear – como a realização de ataques a instalações nucleares ou a construção de bombas sujas – podem ser frustradas por aspectos políticos e morais específicos da própria organização, assim como o medo de represálias armadas e pela existência de inúmeras possibilidades convencionais menos custosas – e, possivelmente, mais eficientes – para a realização de atentados terroristas em larga escala.

Embora improvável, o risco de terrorismo nuclear é real443. Organizações terroristas dispostas a obter e utilizar materiais nucleares poderiam estar próximas de

441 WALTZ, Kenneth N. Waltz Responds to Sagan. In SAGAN, Scott D.; WALTZ, Kenneth N. The Spread of Nuclear Weapons: A debate renewed. 2nd ed. New York: W. W. Norton & Company, 2002. Cap 04, pp. 129-130.

442 FERGUSON, Charles D.; POTTER, William C. The Four Faces of Nuclear Terrorism. New York: Routledge, 2005. p. 3.

443 Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, foram reportados, nos últimos 20 anos, 419 ocorrências de ‘posse não autorizada’ de materiais nucleares ou radioativos e ‘outras atividades criminosas relacionadas’, entre as quais se incluem “attempts to sell or traffic [...] accross international

borders”. Em pelo menos 16 destes incidentes, o material nuclear em questão era urânio altamente

enriquecido e plutônio. Além disso, naquele mesmo período, houveram 615 incidentes envolvendo a perda ou subtração de materiais (predominantemente) radioativos. Confira AIEA. IAEA Incident and

Trafficking Database. Incidents of nuclear and other radioactive material out of regulatory control. 2013 Fact Sheet. Disponível em: <http://www-ns.iaea.org/downloads/security/itdb-fact-sheet.pdf>. Acesso em: Agosto de 2013.

adquirir o conhecimento técnico necessário. A Al-Qaeda se enquadraria neste perfil, na medida em que, segundo alguns analistas, tem empreendido, ao longo da última década, esforços no sentido de obter conhecimentos e capacidades de natureza nuclear444. Nesta perspectiva, as boas relações que esta organização parece manter com alguns membros das forças armadas e serviços de inteligência paquistaneses são, sem dúvida, especialmente perigosas445.

Mas tão preocupante quanto às mencionadas relações, são as falhas de segurança verificadas em alguns componentes dos principais arsenais nucleares mundiais, assim como no armazenamento de materiais críticos fundamentais para a produção de armas nucleares.

De acordo com um relatório interno da Força Aérea Americana, tornado público em fevereiro de 2008, instalações militares na Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda e Turquia, nas quais os EUA mantêm, ainda hoje, armamento nuclear, apresentam falhas que incluem “inconsistencies in personnel, facilities and equipment provided to the security

mission by the host nation”, carecendo de “significant additional resources to meet DoD

[Department of Defense] security requirements”446.

De forma semelhante, a Rússia, que durante os anos 90 enfrentou inúmeras dificuldades decorrentes do legado nuclear soviético447, de modo a equilibrar a presença

444 Confira, por exemplo, ALLISON, Graham. Who Could be Planning a Nuclear Terrorist Attack? In Nuclear Terrorism: The risks and consequences of the ultimate disaster. London: Constable, 2006. Cap 02, pp. 19 e ss.; e, ainda, CURTIS, Charles B. Preventing Nuclear Terrorism: Our highest priority – Isn’t. Discurso proferido no ‘National Defense University Foundation-sponsored national security seminar,

Washington, DC’, em 18 de Maio de 2008. Disponível em:

<http://www.nti.org/analysis/speeches/nuclear-terrorism-priority-isnt/>. Acesso em: Julho de 2013. 445 ALLISSON, Graham. How to Stop Nuclear Terror. In Foreign Affairs. Vol. 83, nº 01 (2004), p. 67. 446 Dentre as armas nucleares que os EUA mantêm na Europa, incluem-se dispositivos termonucleares B-

61, cujo rendimento ultrapassa em dez vezes a explosão atômica realizada em Hiroshima. Confira HARREL, Eben. Are US Nukes in Europe Secure? In Time. June 19, 2008. Disponível em: <http://www.time.com/time/world/article/0,8599,1816035,00.html>. Acesso em: Maio de 2015. O relatório ‘Air Force Blue Ribbon Review of Nuclear Weapons Policies and Procedures’ pode ser integralmente consultado em: <http://www.fas.org/nuke/guide/usa/doctrine/usaf/BRR-2008.pdf>. Acesso em: Agosto de 2013.

447 Nenhum episódio é mais revelador destes desafios do que a entrevista concedida, em Setembro de 1997, pelo General Alexander Lebed, à época assessor para assuntos de segurança nacional do presidente Boris Yeltsin, na qual afirmou publicamente que pelo menos uma centena de dispositivos nucleares em miniatura, capazes de gerar explosões de até um quiloton e construídas no formato de valises, encontravam-se em lugar incerto. Em suas palavras, “more than 100 weapons out of the supposed number

of 250 are not under the control of the armed forces in Russia. I don’t know their location. I don’t know whether they have been destroyed or whether they are stored or whether they’ve been sold or stolen. I don’t know”. LEBED, Alexander apud ALLISON, Graham. Nuclear Terrorism: The risks and consequences of

nuclear americana na Europa, mantêm centenas de armas nucleares táticas em constante deslocamento por seu vasto território, tornando-as especialmente vulneráveis à atuação por parte de terroristas chechenos ou de outras organizações448.

Ademais, existem, aproximadamente, 130 instalações nucleares dispersas por 40 países utilizando urânio altamente enriquecido como combustível449, sendo que boa parte do material – apto para a construção de armas nucleares – encontra-se armazenada em condições que as deixam susceptíveis ao roubo e a subtração450.

De modo geral, a possibilidade de ocorrência dos atos de terrorismo nuclear relaciona-se, essencialmente, com o controle precário de materiais nucleares críticos e com a existência de vulnerabilidades relativas à segurança da armazenagem das armas nucleares existentes, e pode, portanto, ser consideravelmente reduzida com a melhoria significativa dos sistemas de controle. A sua resolução reside, exclusivamente, no campo da cooperação política internacional451, sendo subsidiária a contribuição que as medidas contraproliferativas podem aqui oferecer.

3.3. Armas de Destruição em Massa e Direito Internacional

Tal como acontece com o terrorismo internacional, as respostas apresentadas à proliferação de ADMs reconduzem-se, de modo geral, a iniciativas de natureza pacífica ou coercitiva.

448 O transporte de armas nucleares táticas é considerado pelo Professor Bruce Blair como o “calcanhar de

Aquiles” da segurança nuclear. BLAIR, Bruce apud CHOMSKY, Noam. Failed States: The abuse of power

and the assault on democracy. Londres: Hamish Hamilton, 2006, p. 15.

449 CURTIS, Charles B. Preventing Nuclear Terrorism: Our highest priority – Isn’t. Discurso proferido no

‘National Defense University Foundation-sponsored national security seminar, Washington, DC’, em 18 de

Maio de 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/analysis/speeches/nuclear-terrorism-priority- isnt/>. Acesso em: Julho de 2013.

450 ALLISSON, Graham. How to Stop Nuclear Terror. In Foreign Affairs. Vol. 83, nº 01 (2004), pp. 67 e 69. 451 Merece destaque, nesse âmbito, o Global Threat Reduction Initiative, criado em 2004, mas cujas origens

remontam ao Cooperative Threat Reduction Program, desenvolvido no início dos anos 90 pelos senadores americanos Richard Lugar e Sam Nunn. Tendo como principal objetivo a promoção da segurança de materiais nucleares ou radiológicos situados em instalações civis ao redor do mundo, o Global Threat

Reduction Initiative, através da cooperação política bilateral ou regional, realiza atividades que incluem

a adaptação de reatores nucleares (para que passem a operar com urânio empobrecido), a remoção de materiais nucleares ou radiológicos excedentes daquelas instalações e a proteção de materiais nucleares críticos.

Em uma operação conjunta realizada com a Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica, em Dezembro de 2010, o Global Threat Reduction Initiative removeu cerca de duas toneladas e meia de materiais radioativos; e 13 kg de urânio altamente enriquecido de uma usina nuclear em Vinca, na Sérvia. Confira CORERA, Gordon. A Secret Journey to Take Serbian Nuclear Fuel to Safety. In BBC News. 22 December, 2010. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-12049784>. Acesso em: Agosto de 2013.

As iniciativas de caráter pacífico, embora também possam ser desenvolvidas em nível unilateral ou bilateral, revelam-se, precipuamente, de maneira multilateral, regional ou universal e traduzem-se, de modo geral, em um regime jurídico-internacional de não proliferação, que proíbe ou limita o desenvolvimento e o uso de armas químicas, biológicas e nucleares tanto a nível global, como regional.

As respostas coercitivas, também designadas contraproliferativas, manifestam-se através da “elaboração de uma série de planos e atividades militares que visam proteger contra, e minimizar, a ameaça decorrente das armas químicas, biológicas e nucleares e de seus vetores ou plataformas de lançamento452”. Atualmente, tais planos materializam-se, por um lado, através de uma política de preempção que esteve na base da justificativa americana para invadir o Iraque e depor Saddam Hussein em 2003; e, por outro, no desenvolvimento do Proliferation Security Initiative, que consiste na realização de ações militares em alto mar, de forma a promover a interdição de navios que possam estar transportando materiais relacionados à proliferação de ADMs.

A partir daí, analisaremos o regime jurídico-internacional de não proliferação e demais iniciativas políticas a ele relacionadas.