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PARTE II – RISCOS E AMEAÇAS DIFUSAS: DESAFIOS À VERTENTE POLÍTICA DA ALIANÇA ATLÂNTICA

3. Proliferação de Armas de Destruição em Massa

3.2.2. Potências Nucleares Emergentes e Conflitos Regionais

Outro risco geralmente associado à proliferação dessas armas é o aspecto desestabilizador que o fenômeno teria em uma perspectiva regional. De modo geral e em um plano teórico, receia-se que a emergência de novos Estados nuclearmente armados implicaria uma reação em cadeia, na qual países vizinhos, sentindo-se ameaçados pela nova potência nuclear, buscariam, também, equipar-se com tais dispositivos, aumentando as tensões regionais, fomentando novas corridas armamentistas, gerando possíveis confrontos426.

423 SHULTZ, George P; NUNN, Sam; KISSINGER, Henry. Toward a Nuclear-Free World. In The Wall Street Journal. January 15, 2008.

424 ASHFORD, Mary-Winne; DAUNCEY, Guy. Enough Blood Shed: 101 solutions to violence, terror and war. Gabriola Island: New Society Publishers, 2006, pp. 233-234.

425 BLAIR, Bruce et al. Smaller and Safer: a new plan for nuclear postures. In Foreign Affairs. Vol. 89, nº 05, (2010), pp. 9-11.

426 CIRINCIONE, Joseph et al. Deadly Arsenals: Nuclear, biological and chemical threats. 2nd ed. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, p. 17.

É inegável que o planeta estaria mais seguro na ausência de armas nucleares. Mais Estados nuclearmente armados implica maiores probabilidades de lançamento acidental ou não autorizado. Segundo Scott D. Sagan, limitações de ordem orçamentária, a natureza sigilosa de parte considerável dos programas nucleares e, em determinados casos, instabilidades políticas, tornam as novas Potências nucleares especialmente susceptíveis a uma gama de acidentes, na medida em que dificultam o desenvolvimento de dispositivos de segurança, impossibilitam o debate público acerca desses programas e geram apreensões sobre a capacidade do regime em manter o controle sobre suas ogivas427.

Embora os receios de Sagan sejam legítimos, algum excesso vem sendo cometido no que toca a recente análise do risco representado pela proliferação vertical em uma perspectiva regional.

Tais exageros são especialmente sentidos em parte da recente literatura produzida acerca das alegadas pretensões nucleares iranianas e suas implicações para o Oriente Médio. Por um lado, estabelecendo uma incorreta relação entre a emergência de

uma potência nuclear e proliferação428, tem ganhado força entre acadêmicos e

autoridades políticas a percepção sombria de que, caso o Irã venha a adquirir armas ou dispositivos nucleares, ocorreria um efeito em cascata na região onde “we could have half

a dozen countries [...] doing the same thing just in case429”.

427 Tais fatores podem acarretar falhas cujas implicações recaem, por exemplo, sobre a própria viabilidade do design da ogiva nuclear e, ainda, sobre a fiabilidade dos radares que irão compor seus sistemas de aviso precoce (early-warning systems), de modo a observar padrões mínimos de segurança. Para uma análise aprofundada acerca dos tipos de acidentes aos quais os novos Estados nuclearmente armados estarão sujeitos, confira SAGAN, Scott D. More will be worse. In SAGAN, Scott D.; WALTZ, Kenneth N. The Spread of Nuclear Weapons: A debate renewed. 2nd ed. New York: W. W. Norton & Company, 2002. Cap 02, pp. 77-82.

428 Waltz ensina que, por definição, proliferação significa “rapid and uncontrolled spread”. WALTZ, Kenneth N. Why Iran Should Get the Bomb: Nuclear balancing would mean stability. In Foreign Affairs. Vol. 91, nº 04 (2012), p. 5. Desta forma, nos parece lícito concluir que a aquisição de armas nucleares por um único país - ou por dois ou mais países, desde que verificada de forma ordenada, temporalmente espaçada e sem qualquer relação entre si - não pode ser tecnicamente designada proliferação.

429 SCOWCROFT, Brent. apud GRAHAM, Allison. Nuclear Disorder: surveying atomic threats. In Foreign Affairs. Vol. 89, nº 01 (2010), p. 77. De acordo com a lógica do ‘efeito em cascata’, países como a Arábia Saudita, o Egito, Turquia etc, sentindo-se ameaçados pelos recursos nucleares iranianos, viriam também, inevitavelmente, a desenvolver tais capacidades. Dentre as autoridades políticas norte-americanas convencidas de que a obtenção de capacidades nucleares pelo Irã promoverá um surto nuclear no Oriente Médio, incluem-se o ex-senador Sam Nunn e o vice-presidente americano, Joe Biden. Partilhando da mesma opinião, no campo doutrinário, destacam-se GRAHAM, Allison. Nuclear Disorder: surveying atomic threats. In Foreign Affairs. Vol. 89, nº 01 (2010), p. 77; SHERRILL, Clifton W. Why Iran Wants The Bomb and What It Means for US Policy. In The Nonproliferation Review. Vol 19, nº 01 (2012), p. 33;

Por outro, tem sido ainda afirmado que, em decorrência de fatores de ordem interna, um Irã nuclearmente armado comportar-se-ia de forma quase irracional, não podendo, portanto, ser racionalmente dissuadido por ameaças de retaliação nuclear, estando pronado a empregar suas novas armas e conhecimentos de forma agressiva – possivelmente transferindo-as para outros Estados e/ou organizações terroristas430.

Ambas as previsões são inverossímeis. Em primeiro lugar, um efeito em

cascata ou dominó no Oriente Médio estaria em clara contradição com o padrão verificado

em quase 70 anos de propagação nuclear e revelar-se-ia, sob uma perspectiva tecnológica, virtualmente impossível431. Além disso, se considerarmos que a obtenção de armas nucleares por Israel, em finais dos anos 60, não foi suficiente para que países como a Arábia Saudita, Turquia e o Egito – quatro vezes derrotado em confrontos armados contra o Estado judeu – seguissem o exemplo, torna-se difícil aceitar o argumento de que o fariam caso o Irã viesse a afirmar-se como Estado nuclearmente armado ou capaz432.

Em segundo lugar, apesar de uma retórica política agressiva, especialmente direcionada a Israel e aos EUA, “Iranian policy is made not by ‘mad mullahs’ but by perfectly

sane ayatollahs who want to survive just like any other leaders433”. Na hipótese de adquirir

armamento nuclear, o Irã será objeto da deterrence israelense e americana, provavelmente estendida a outros países no Oriente Médio. Embora crises e conflitos limitados possam vir a ocorrer, o uso de armas nucleares, assim como grandes confrontos

EDELMAN, Eric S. et al. The Dangers of a Nuclear Iran: The limits of containment. In Foreign Affairs. Vol. 90, nº 01 (2011), pp. 67, 69 e 70; entre outros.

430 Entre os que afirmam que o Iran, em decorrência de fatores religiosos ou ideológicos, dificilmente poderá ser objeto da deterrence nuclear americana ou israelense, confira: STEPHENS, Bret. Iran Cannot Be Contained. In Commentary. Jul/Aug 2010, pp. 61-70; RUBIN, Michael. Can a Nuclear Iran be Contained or Deterred? In American Enterprise Institute. Policy Outlook Paper nº 8 (2008), pp. 2 e ss.

431 Neste sentido, confira JONES, Peter. Learning to Live With a Nuclear Iran. In The Nonproliferation Review. Vol. 19, nº 02 (2012), p. 210. Veja também, BERGENAS, Johan. The Nuclear Domino Myth. In

Foreign Affairs. August 31, 2010. Disponível em: <http://www.foreignaffairs.com/articles/66738/johan-bergenas/the-nuclear-domino-myth>. Acesso

em: Setembro de 2014. Em cuja opinião, excetuando-se Israel e o Iran, todos os demais países no Oriente Médio levariam, pelo menos, 15 anos para desenvolver capacidades nucleares significativas. Ademais, especificamente no que concerne às limitações tecnológicas enfrentadas pelo Iran, embora não se apresentem de forma tão grave quanto às enfrentadas pela maior parte dos países da região, elas se revelam suficientes para afastar por completo a possibilidade de uma corrida nuclear armamentista entre iranianos e israelenses, seja nos moldes da verificada entre os EUA e a URSS durante a Guerra Fria, seja a exemplo da travada pela Índia e Paquistão no sudoeste asiático.

432 Confira, neste sentido, LINDSAY, James M; TAKEYH, Ray. After Iran Gets the Bomb: Containment and its complications. In Foreign Affairs. Vol. 89, nº 02 (2010), p. 39.

433 WALTZ, Kenneth N. Why Iran Should Get the Bomb: Nuclear balancing would mean stability. In Foreign Affairs. Vol. 91, nº 04 (2012), p. 4.

armados entre Potências regionais, passará a ser uma realidade improvável no Oriente Médio.

O Irã poderá, todavia, adotar uma retórica ainda mais inflamada, manifestando o seu apoio político a organizações como o Hamas ou Hezbollah, mas dificilmente o faria ao ponto de arriscar uma retaliação nuclear israelense, sendo, portanto, extremamente improvável que forneça materiais nucleares a estas ou outras organizações434. Ao fim e ao cabo, os benefícios decorrentes do estatuto nuclear limitar-se-iam à garantia da segurança externa do regime, sendo poucas as vantagens em matéria de projeção de poder que poderiam ser auferidas435.

Ainda que estas previsões reduzam-se a meras especulações, não possuindo, em sua maior parte, fundamento científico e contrariando uma experiência histórica de quase 70 anos, os seus efeitos são, por vezes, danosos, na medida em que servem de base para o desenvolvimento de políticas que, ao invés de contribuírem para a resolução da questão nuclear iraniana, acabam por agravá-la. A previsão do caos iminente acaba por fomentar um senso de urgência que favorece a adoção/consideração de medidas contraproducentes envolvendo, por exemplo, o uso da força – através do assassinato seletivo de cientistas nucleares436 e da elaboração de planos para a realização de ataques preemptivos às instalações nucleares437 – e a aplicação de sanções econômicas que,

434 Como bem salienta Peter Jones, “the field of nuclear forensics […] means that if any nuclear material

originating in Iran is ever used, it stands a good chance of being traced back to Iran, thereby inviting a devastating response”. Concluindo, desta forma, que “it therefore requires a very particular view of the Iranian regime to imagine that it would indulge in this kind of reckless behavior”. JONES, Peter. Learning

to Live With a Nuclear Iran… p. 206.

435 LINDSAY, James M; TAKEYH, Ray. After Iran Gets the Bomb: Containment and its complications. In Foreign Affairs. Vol. 89, nº 02 (2010), p. 37. Embora as armas nucleares sejam bastante eficazes para a proteção de interesses nacionais vitais, sua utilidade para a coerção diplomática e política é, em regra, limitada. Acerca das limitações inerentes à diplomacia nuclear, confira, de modo geral, WALTZ, Kenneth N. More may be better. In SAGAN, Scott D.; WALTZ, Kenneth N. The Spread of Nuclear Weapons: A debate renewed. 2nd ed. New York: W. W. Norton & Company, 2002. Cap 01, pp. 16-17; e ARON, Raymond. The Great Debate: Theories of nuclear strategy. Tradução para o Inglês de Ernst Pawel. Nova Iorque: United Press of America, 1965, pp. 18-25.

436 Em três anos (2009 – 2011), pelo menos quatro cientistas nucleares iranianos foram assassinados em atentados supostamente perpetrados pelos serviços de inteligência israelense. Confira, por exemplo, VAEZ, Ali; FERGUSON, Charles D. Killing Iranian Nuclear Scientist is Counterproductive and Wrong. In

The Atlantic. Jan 13, 2012. Disponível em: <http://www.theatlantic.com/international/archive/2012/01/killing-iranian-nuclear-scientists-is-

counterproductive-and-wrong/251340/>. Acesso em: Julho de 2013; e ENGEL, Richard; WINDREM, Robert. Israel teams with terror group to kill Iran’s nuclear scientist, U.S. officialls tells NBC News. In NBC News. Feb. 9, 2012. Disponível em: <http://rockcenter.nbcnews.com/_news/2012/02/08/10354553- israel-teams-with-terror-group-to-kill-irans-nuclear-scientists-us-officials-tell-nbc-news>. Acesso em: Julho de 2013.

437 Estabelecendo um paralelo com o ataque ao reator nuclear iraquiano Osirak, por Israel, em 1981, Richard K. Betts demonstra a inutilidade dos ataques aéreos seletivos para interromper ou atrasar um

ineficazes para interromper o programa nuclear, acabam por prejudicar, exclusivamente, o povo iraniano438.