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PARTE II – RISCOS E AMEAÇAS DIFUSAS: DESAFIOS À VERTENTE POLÍTICA DA ALIANÇA ATLÂNTICA

3. Proliferação de Armas de Destruição em Massa

3.1.3. Armas Nucleares

Dotadas de um poder único de destruição, as armas nucleares de médio e alto rendimento369 são, seguramente, as verdadeiras – e possivelmente as únicas – armas de destruição em massa370. Ao contrário do que acontece com os chamados explosivos químicos convencionais, especialmente com o trinitrotolueno (TNT), a energia liberada por uma explosão nuclear não decorre de reações químicas a nível molecular, mas sim da fissão ou fusão atômicas – capazes de liberar volumes de energia centenas de milhares de vezes superiores às decorrentes daqueles explosivos371.

As alterações quantitativas introduzidas pela energia nuclear mostrar-se-iam de ordem tão gigantesca que a própria compreensão do seu potencial militar não se revela de forma inteligível372. Contudo, poderemos ter uma melhor noção do poder daquela que

368 Nas últimas décadas, as armas biológicas foram por duas vezes empregadas em atentados terroristas. O primeiro, em 1984, ocorreu no estado do Oregon, EUA, quando um movimento religioso denominado

Rajneesh, disseminou salmonela em 10 restaurantes, infectando 750 pessoas. O segundo ataque

bioterrorista de que se tem notícia, também ocorreu nos EUA, em outubro de 2001, quando cartas contendo esporos do Bacillus anthracis foram enviadas para senadores e para os escritórios de algumas revistas e telejornais. Embora o meio de dispersão escolhido tenha sido bastante arcaico, foi suficiente para causar a morte de cinco pessoas e infectar, pelo menos, outras dezoito. Confira CIRINCIONE, Joseph

et al. Deadly Arsenals: Nuclear, biological and chemical threats. 2nd ed. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, p. 12.

369 O rendimento de uma arma nuclear é a quantidade de energia liberada por sua detonação, expressa pela massa de trinitrotolueno (TNT) equivalente. Assim, a energia liberada em uma explosão nuclear de 1 quiloton, equivale à energia liberada pela explosão de 1.000 toneladas de TNT. O rendimento das explosões nucleares está categorizado da seguinte forma: muito baixo (menos de um 1 quiloton); baixo (de 1 quiloton à 10 quilotons); médio (de 10 a 50 quilotons); alto (de 50 a 500 quilotons); e muito alto (mais de 500 quilotons). Confira The Oxford Essential Dictionary for the US Military apud LOUKA, Elli. Nuclear Weapons, Justice and the Law. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2011, p. 18.

370 Outras designações para as armas nucleares incluem “weapons of indiscriminate destruction and mass

slaughter” e “weapons of genocide” – na medida em que, quando utilizadas contra alvos estratégicos,

acabam por afetar, principalmente, a população civil do Estado atacado. SCHAFFER apud GIZEWSKI, Peter. From Winning Weapon to Destroyer of Worlds: The nuclear taboo in international politics. In International Journal. Vol. 51, nº 3 (1996), p. 404.

371 Confira OTAN. Handbook on the Medical Aspects of NBC Defensive Operations, "Part II - Biological". 1 February 1996, p. ‘2.2’.

372 Essa dificuldade em compreender as transformações quantitativas inerentes às armas nucleares é tratada com maestria pelo Professor Gregg Herken, em seu livro The Winning Weapon, no qual, citando o então subsecretário de imprensa do governo Truman, Eben Ayers, relata a dificuldade dos repórteres presentes na coletiva de imprensa que anunciava o lançamento de uma única bomba sobre a cidade de Hiroshima, para compreender o potencial destrutivo da nova arma. Segundo a obra citada, logo após de anunciada a explosão nuclear sobre a cidade japonesa, “‘the reporters seemed unable to grasp what it was

about’, Ayers noted in his diary. ‘They did not break for the door on a run or run to their phones. […] Some of them had difficulty in getting their news desks to grasp the import of it’. As comprehension dawned, Ayers chided the reporters to wait for the full story ‘so you won’t ball it up’. ‘It is a big story’, he promised. ‘It’s a

foi designada a ‘arma absoluta’, se compararmos a explosão ocorrida em Hiroshima com os bombardeios convencionais realizados na cidade de Tóquio, durante a II Guerra Mundial. Enquanto se utilizou 279 aviões para despejar 1.667 toneladas de explosivos convencionais sobre a capital japonesa, um único bombardeiro B-29, armado com um só artefato nuclear de 20 quilotons – isto é, equivalente a 20.000 toneladas de TNT – produziu, em Hiroshima, uma explosão pelo menos 12 vezes mais potente373.

As armas nucleares utilizadas durante a II Guerra Mundial eram, todavia, modelos ainda incipientes, inseridas numa primeira fase da era atômica – período marcado pela escassez de dispositivos nucleares e de meios de lançamento – e que, apesar de terem gerado resultados terríveis, não conseguiram demonstrar inequivocamente seu caráter absoluto.

O argumento de que o armamento atômico “não mudava as regras da

estratégia militar e de que os bombardeamentos estratégicos provar-se-iam ineficazes374

para alterar o resultado final de um determinado conflito armado, seria definitivamente posto em causa com o desenvolvimento da bomba termonuclear – ou de hidrogênio –, no início dos anos 50. De fato, se as explosões atômicas podiam ser medidas quilotons, isto é, em milhares de toneladas de TNT, os dispositivos termonucleares, que recorriam não à fissão, mas sim à fusão nuclear, elevavam essa ordem à escala de milhões de toneladas de TNT, sendo a energia liberada nessas explosões expressa em megatons.

A respeito, Raymond Aron, em sua influente obra The Great Debate – Theories

of nuclear strategy, salienta que a transição da bomba atômica para a bomba

termonuclear,

“was at least as radical as that from so-called conventional chemical explosives to atomic (or fission) bombs; some, in fact, date the qualitative revolution from the advent of the H-bomb rather than the A-bomb375”.

hell of a story!’ one journalist corrected”. Confira HERKEN, Gregg. The Winning Weapon: The atomic

bomb in the cold war 1945-1950. New York: Alfred A. Knopf, 1980, p. 11.

373 Embora os bombardeios realizados em Tóquio tenham resultado em um número de baixas superior ao decorrente da explosão atômica em Hiroshima (83.600 e, aproximadamente, de 70.000 à 80.000 pessoas, respectivamente), é importante salientar a gigantesca diferença populacional entre as duas cidades. Enquanto Tóquio tinha, à época, uma média de 52.000 habitantes por quilômetro quadrado, a população de Hiroshima girava entorno de 14.000 pessoas por quilômetro quadrado. Confira United States Strategic

Bomb Survey nº 5 apud ARON, Raymond. The Great Debate: Theories of nuclear strategy. Tradução

para o Inglês de Ernst Pawel. Nova Iorque: United Press of America, 1965, p. 2.

374 KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Tradução de: Ana Cecília Simões et al. 3ª ed. Lisboa: Gradiva, 2007, p. 383. Esta doutrina faz uma análise profunda sobre a linha argumentativa por nós citada.

375 ARON, Raymond. The Great Debate: Theories of nuclear strategy. Tradução para o Inglês de Ernst Pawel. Nova Iorque: United Press of America, 1965, p. 7.

Ademais, as implicações tecnológicas da revolução nuclear não se limitaram ao desenvolvimento de dispositivos explosivos, mas tiveram ainda importante repercussão no que concerne às suas plataformas de lançamento, merecendo especial destaque os mísseis balísticos intercontinentais. De fato, “se a bomba-H revolucionou a energia, os

mísseis balísticos revolucionaram o tempo/espaço”, na medida em que possibilitaram a

travessia de distâncias de até 8.000 km, “do local de lançamento ao alvo, em apenas 30

minutos376”.

Nas últimas seis décadas as armas nucleares foram ainda adaptadas para desenvolverem uma variada gama de missões, passíveis de emprego não apenas a nível estratégico – para, potencialmente, obliterar a população e as capacidades industriais e econômicas de um determinado país – mas também a nível tático, isto é, por soldados no campo de batalha377.

Ainda sobre a capacidade destrutiva das armas nucleares, é importante considerar que um único dispositivo termonuclear moderno é suficiente para dizimar dezenas ou centenas de milhares de pessoas, possuindo ainda a energia necessária para destruir completamente toda a infraestrutura de uma grande cidade378.

Para além de efeitos mecânicos, resultado de ondas de choque capazes de destruir estruturas de concreto e vigas de aço em uma área bastante extensa, uma explosão nuclear é ainda capaz de gerar efeitos térmicos – decorrentes da emissão de um

376 ARON, Raymond. The Great Debate: Theories of nuclear strategy. Tradução para o Inglês de Ernst Pawel. Nova Iorque: United Press of America, 1965, p. 9. A tradução é nossa.

377 Armas nucleares táticas são, em tese, especialmente efetivas se utilizadas contra armadas, portos, aeroportos e outras concentrações de tropas, comboios ou equipamentos militares. U.S. CONGRESS, Office of Technology Assessment. Proliferation of Weapons of Mass Destruction: Assessing the Risks (OTA-ISC-559). Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1993, p. 8.

378 Confira PANOFSKY, Wolfgang. Dismantling the Concept of ‘Weapons of Mass Destruction’. In Arms Control Today. Vol. 28, nº 03 (1998). Do mesmo modo, U.S. CONGRESS, Office of Technology Assessment. Proliferation of Weapons of Mass Destruction: Assessing the Risks (OTA-ISC-559). Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1993, pp. 7 e 8. Embora os mísseis balísticos intercontinentais modernos, tais como o Minuteman III, transportem uma única ogiva nuclear com rendimento aproximado de 300 quilotons, durante a Guerra Fria ambas as superpotências equiparam os seus mísseis com ogivas de até 25 megatons. Confira QUACKENBUSH, Stephen L. Understanding General Deterrence: Theory and application. New York: Pallgrave Macmillan, 2011, p. 1.

variado espectro eletromagnético – e radioativos, que se manifestam imediatamente após a explosão e, de modo residual e posterior, em forma de precipitação radioativa379.

Embora os dispositivos nucleares constituam as mais eficientes armas de destruição em massa, elas são, também, as que demandam os mais elevados investimentos econômicos e científicos para o seu desenvolvimento e produção380. Este custo poderá ser muito superior se o programa é desenvolvido secretamente381.

Ainda que tenham sido empreendidos esforços para o desenvolvimento de defesas passivas ou ativas382 contra ataques nucleares, nenhum deles se revelou propriamente eficiente ou viável. Por um lado, a força destrutiva destas armas torna inútil qualquer tentativa de minimizar os efeitos de uma explosão nuclear, pois, uma vez que venha a ocorrer, pouco ou nada restará para ser reaproveitado ou salvo. Por outro, não existe defesa antiaérea ou sistema antimíssil383 suficientemente eficientes para interceptar todos os bombardeiros ou mísseis armados com ogivas em um ataque dessa natureza384.

379 Para informações detalhadas sobre os efeitos mecânicos, térmicos e radioativos de uma explosão nuclear, confira OTAN. Handbook on the Medical Aspects of NBC Defensive Operations, "Part II - Biological". 1 February 1996, pp. ‘3.1’-‘3.17’.

380 CIRINCIONE, Joseph et al. Deadly Arsenals: Nuclear, biological and chemical threats. 2nd ed. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, p. 5.

381 U.S. CONGRESS, Office of Technology Assessment. Proliferation of Weapons of Mass Destruction: Assessing the Risks (OTA-ISC-559). Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1993, pp. 9 e 10. 382 As chamadas Defesas Ativas traduzem-se numa variedade de recursos militares desenvolvidos para

impedir que um ataque em andamento se concretize, enquanto as Defesas Passivas são aquelas cujo propósito é o de minimizar os efeitos de um ataque já ocorrido, independentemente de sua natureza convencional, nuclear, biológica ou química. Assim, a instalação de baterias antiaéreas com o intuito de abater aviões bombardeiros seria um exemplo de Defesa Ativa, enquanto a produção de máscaras de gás ou roupas de proteção contra agentes biológicos, assim como campanhas de vacinação contra estes mesmos agentes, seriam exemplos de Defesa Passiva.

383 Na década de 80, durante o governo Reagan, propôs-se o desenvolvimento de um sistema de defesa estratégico infalível, capaz de proteger os EUA de todo e qualquer míssil disparado contra o seu território. Tal sistema, denominado Strategic Defense Initiative (SDI), pretendia, ao proporcionar uma completa defesa contra os mísseis intercontinentais, tornar obsoletas as armas nucleares. Contudo, o SDI não chegou a ser operacionalizado, o que se explica tanto pelos exorbitantes recursos que demandava, como pelas nefastas implicações que teria sobre a deterrence nuclear e o frágil equilíbrio da Guerra Fria. Um sistema de tal envergadura em plena operacionalidade fomentaria ainda mais a corrida armamentista, gerando competição no que toca ao desenvolvimento de equipamentos ofensivos e defensivos, de modo a restaurar a balança de poder entre as superpotências. Neste sentido, Kenneth Waltz explana que: “a

country enjoying a momentary defensive advantage would be tempted to strike in the forlorn hope that its defenses would be able to handle a ragged and reduced response to its first strike. Both countries would prepare to launch on warning while obsessively weighing the balance between offensive and defensive forces”. WALTZ, Kenneth N. Nuclear Myths and Political Realities. In The American Political Science

Review. Vol. 84, nº 03 (1990), p. 742.

384 PANOFSKY, Wolfgang. Dismantling the Concept of ‘Weapons of Mass Destruction’. In Arms Control Today. Vol. 28, nº 03 (1998).

Tais esforços no sentido de desenvolver defesas contra um possível ataque nuclear decorrem das reminiscências – tantas vezes denunciadas por Kenneth Waltz em sua vasta obra – de uma lógica convencional cuja essência relativa permite e incentiva a comparação de armas que se anulam mutuamente e na qual o domínio da tecnologia é fundamental para o resultado do conflito entre as grandes potências. Em uma realidade com tais características, veículos blindados e rifles de assalto substituem cavalos e mosquetes, que perdem, definitivamente, a utilidade militar.

Contudo, tal lógica não opera em um universo nuclear. O caráter absoluto das superarmas faz com que, uma vez que potências antagônicas alcancem uma second-strike

capability, comparações numéricas e pequenas vantagens tecnológicas percam o sentido.

É por este motivo que as armas nucleares são normalmente percebidas como um “grande

equalizador militar”, significativamente mitigando as tradicionais distinções

convencionais entre Estados militarmente debilitados e grandes Potências385.

Por elevarem o custo da guerra total a escalas e proporções tão elevadas, torna-se claro que o único caminho para a sobrevivência dos povos em um mundo nuclear é aquele que afaste por completo a utilização dessas armas e dispositivos.

Diante desta trágica realidade, dois métodos se consagraram como as principais formas de constrição no que concerne ao desenvolvimento e emprego das armas nucleares. O primeiro deles, visando limitar a propagação da tecnologia nuclear para fins militares, traduz-se em um regime jurídico-internacional erigido em finais dos anos 60, cujo cerne encontra-se no Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares386, que será, oportunamente, objeto de nossa análise.

O segundo, de natureza teórico-estratégica, consiste em uma formulação que ganhou proeminência ao impedir, com sucesso, o confronto nuclear entre as duas

385 BAHGAT, Gawdat. Nuclear Proliferation in the Middle East: Iran and Israel. In Contemporary Security Policy. Vol 26, nº 01 (2005), p. 25.

386 AGNU. Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares. Celebrado em 1 de Julho de 1968 (em vigor a partir de 5 de Março de 1970). Doravante designado ‘Tratado de Não Proliferação Nuclear’ (TNP). Disponível em: <http://www.abacc.org.br/wp-content/uploads/1968/07/tnp_portugues.pdf> [pt-br]; <http://www.gddc.pt/siii/docs/dec588-1976.pdf> [pt-pt];

<http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/NPTtext.shtml> [ing]

<http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/pdf/NPTFrench_Text.pdf> [fr]; <http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/pdf/NPTRussian_Text.pdf> [ru]; <http://www.un.org/disarmament/WMD/Nuclear/pdf/NPTSpanish_Text.pdf> [es]; e

<http://www.isprambiente.gov.it/files/temi/trattato-non-proliferazione.pdf> [it]. Acesso em: Setembro de 2014.

superpotências da Guerra Fria. A tal método, denominado Deterrence ou, em sua faceta teorética, Teoria da Dissuasão Racional, atribui-se o mérito de ter mantido um delicado equilíbrio de poder, revelando-se como o principal elemento estabilizador naquele período que Gaddis designou por “a longa paz”.

3.1.3.1. Armas nucleares e Teoria da Dissuasão Racional

De modo geral, a deterrence constitui uma prática ou método amórfico, não limitado temporalmente e não restrito, sequer, às relações entre Estados, permeando diversos ramos das ciências econômicas, jurídicas, militares e outras áreas do conhecimento científico em geral. Em suas mais simples e arcaicas manifestações, aquele método dissuasório traduz-se no “emprego de ameaça por uma parte com o objetivo de convencer outrem a se abster da prática de uma determinada ação” 387.

Em que pese o caráter multidisciplinar e até transcendental da deterrence, seria no âmbito das relações internacionais que ela se destacaria, consagrando-se como o mais proeminente instrumento de política internacional a regular as relações entre grandes potências. Mas se em um primeiro momento ela se revelava como mera tática, uma simples técnica de diplomacia coercitiva sem grande relevância, com o estabelecimento do paradigma bipolar e o surgimento das armas nucleares, ela evoluiria, passando de tática a estratégia, e de estratégia a uma teoria prescritiva cujo mais proeminente objetivo é o de auxiliar governos a garantir a sobrevivência estatal em um mundo nuclear388.

De fato, até finais do século XIX, as grandes potências mundiais encaravam a guerra com um tradicional otimismo, um ‘jogo’ no qual as possíveis vantagens geralmente compensavam os eventuais prejuízos que dele pudessem advir389. Como vimos, tal percepção seria completamente ultrapassada com o advento das armas nucleares, que

387 QUACKENBUSH Stephen L. Understanding General Deterrence: Theory and application. New York: Pallgrave Macmillan, 2011, p. 2. A tradução é nossa.

388 MORGAN, Patrick M. Deterrence Now. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2003, pp. 3 e 4. 389 GADDIS, John Lewis. The Long Peace: Elements of stability in the Postwar International System. In

International Security. Vol. 10, nº 04 (1986), pp. 120-122. A noção de que do conflito entre grandes Potências seria possível extrair mais vantagens do que desvantagens já estava abalada desde a I Guerra Mundial, em razão dos grandes prejuízos que advieram para os principais beligerantes e que resultaram, de certo modo, das inovações técnicas introduzidas pela Revolução Industrial no esforço de guerra. No entanto, seria somente com as explosões nucleares ocorridas, em 1945, no Japão, que tal percepção otimista seria definitivamente extinta.

elevaram os custos das guerras a escalas nunca antes imagináveis e tornaram “the

implications even of victory too horrible to contemplate”390.

Neste sentido, é interessante observar que o ponto crítico da revolução nuclear não residia, propriamente, no incomparável poderio das superarmas, mas na percepção de que tais capacidades traziam uma destruição que recaía indistintamente sobre derrotados e vencedores e parecia virtualmente inevitável sob qualquer perspectiva

estratégica existente à época391.

De modo a responder a esta necessidade de ordem prática, a deterrence desenvolveu-se e consolidou-se, por um lado, como estratégia e, por outro, como teoria392. Enquanto estratégia compreende toda e qualquer demonstração de poderio militar que, sob a forma de ameaças, são comunicadas a uma potência rival que se pretenda dissuadir. Podem existir, portanto, diferentes estratégias de dissuasão, que apresentam contornos distintos conforme as circunstâncias inerentes ao momento de sua adoção393.

Enquanto formulação teórica, a deterrence ou Teoria da Dissuasão Racional394 (TDR) situa-se sobre a premissa de que, de modo a dissuadir a perpetração de uma ação

390 WALTZ, Kenneth N. The Origins of War in Neorealist Theory. In The Journal of Interdisciplinary History. Vol. 18, nº 04 (1988), p. 625.

391 JERVIS apud MORGAN, Patrick M. Deterrence Now. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2003, p. 08. Assim, os enormes custos associados aos conflitos armados após 1945 impuseram-se como condição

sine qua non ao desenvolvimento de uma teoria de dissuasão. Confira ZAGARE, Frank C. Classical

Deterrence Theory: a critical assessment. In International Interactions. Vol. 21, nº 04, pp. 365-366. 392 MORGAN, Patrick M. Deterrence Now. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2003, pp. 1 e 8. 393 Na perspectiva do desenvolvimento da estratégia americana durante a Guerra Fria, a deterrence definia-

se, em finais da década de 40, pela exclusividade/superioridade do arsenal nuclear dos EUA. Mais tarde, quando os soviéticos alcançaram a paridade nuclear, o fundamento da deterrence passaria a ser a

reciprocidade, expressa na doutrina MAD e na certeza de que um ataque nuclear acarretaria a destruição

mútua de ambos os beligerantes. Posteriormente, durante os anos 70 e 80, buscando distanciar-se das implicações inerentes à paridade nuclear, os americanos viriam a transformar a definição de deterrence – pelo menos em uma perspectiva prática – em “escalation dominance”. Confira MCDONOUGH, David S. Nuclear Superiority or Mutually Assured Deterrence: The development of the US nuclear deterrent. In International Journal. Vol. 60, nº 03 (2005), p. 812.

394 A Teoria da Dissuasão Racional (TDR) é uma teoria extremamente complexa para ser abordada de forma exaustiva neste trabalho. De fato, ela se manifesta tanto no âmbito da chamada immediate deterrence – cujo objetivo é orientar líderes políticos a lidar com crises já em andamento –; como no da general

deterrence – tendo por finalidade regular as relações ordinárias entre potências rivais. É discutível se a

TDR possui, apenas, uma utilidade prescritiva (isto é, fornece os elementos necessários para a concretização de uma força dissuasora credível) ou se ela pode ser utilizada de forma a prever a atuação das unidades em um sistema internacional. Ademais, é importante mencionar que a deterrence sequer está restrita à deterrence nuclear, embora seja esta a sua mais proeminente expressão. Para maiores