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Articulação de saberes – a idéia de redes

No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 49-52)

Para superar a fragmentação do conhecimento que na ciência e na escola recebeu o nome de divisão disciplinar, surge a abordagem interdisciplinar defendida não só na educação ambiental, mas também por aqueles que se propõem a uma integração dos saberes na educação, de um modo geral. Entretanto alguns autores como Morin (2000), por exemplo, argumentam que a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas quanto a ONU controla as nações, reafirmando as divisões e as fronteiras.

Nesse caso, surge a transdisciplinaridade como um estágio mais avançado e como possibilidade de abrir mais o diálogo entre as disciplinas. No entanto, não são concepções contrárias, e nem a primeira representa um estágio mais avançado, apenas possuem conotações diferentes. Assim: se a transdisciplinaridade for um estágio mais avançado da inter, como alguns autores defendem, como podemos defendê-la se ainda não demos conta de exercer a interdisciplinaridade?

A abordagem interdisciplinar da educação ambiental dificilmente se efetiva nas ações pedagógicas do espaço escolar, haja vista que para a sua realização, além de suscitar uma descentralização do poder, a escola tem que ter autonomia, o que é extremamente complicado pois essas unidades estão sempre submetidas às políticas públicas das esferas

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a que pertencem, apesar da existência de inúmeros projetos e tentativas de ações pedagógicas interdisciplinares.

Mesmo nas instituições privadas, embora argumentem que estão exercendo a interdisciplinaridade, suas ações não passam de mera justaposição de conteúdos entre disciplinas diferentes ou integração de conteúdos numa mesma disciplina, ou seja, estão trabalhando nas perspectivas multi ou pluridisciplinares. Portanto, há uma confusão conceitual entre esses termos que são utilizados de forma indiscriminada como sinalizadores de avanços e inovações nas práticas educativas.1

Sem dúvida podemos estar convivendo com ambas as abordagens, mas se pelo menos as práticas da educação ambiental conseguissem um significado interdisciplinar, a dialogia estaria sendo exercida como princípio do seu pensamento. Pensando a escola como processos auto-organizativos de um contexto que se relaciona com outros contextos, que emergem espontaneamente das situações que ocorrem no dia-a-dia da escola. Com essa metáfora de rede de saberes e de fazeres conseguimos compreender melhor como a educação ambiental vem se inserindo no cotidiano das escolas.

Essa maneira de compreender os conceitos, sentimentos e ações nos permite ampliar nosso leque de possibilidades sobre a idéia da transversalidade da educação ambiental. Na sala de aula as articulações entre saberes e fazeres ocorrem freqüentemente. Os alunos participam de relações das mais diversas e trazem demandas que, às vezes, soam deslocadas para o professor. Assim, muitas vezes, ele aproveita a oportunidade para fazer a conexão entre palavras e frases, remetendo sentidos de uns para outros, articulando saberes e estabelecendo relações na tessitura das redes. Essa prática é muito comum nas escolas.

Essa é uma maneira diferente de pensar da educação tradicional. A educação ambiental trabalha com noções, conceitos, princípios das mais diferentes áreas, embora sua metodologia tenha a marca da participação, da interação e da emancipação. Quer dizer, a idéia de redes está mesmo relacionada com a educação ambiental que se caracteriza como uma verdadeira trama de conhecimentos. O conhecimento, então, está em movimento, em constante processo de transformação e sem territórios previamente marcados. Em função dessa mobilidade, a transversalidade também está associada à produção do conhecimento em rede.

Gallo (1999) argumenta que a transversalidade aboliu a verticalidade e a horizontalidade da metáfora de árvore do conhecimento; é um devir em todas as direções. Assim, embora seja uma novidade, o meio ambiente e outros temas de tendências ético- humanistas, aparecem como temas transversais na proposta curricular do Ministério da

1 Para Japiassú (1976), há realmente uma gradação entre esses termos, entre os níveis de cooperação e coordenação entre as disciplinas que os diferencia. As perspectivas multi e pluridisciplinares são justaposição de conteúdos. Quando muito, ocorre a integração de métodos, teorias e conhecimentos. No caso da multidisciplinaridade, para a solução de um problema são articuladas duas especialidades, porém as disciplinas mantêm-se em seus territórios, sem abertura para modificações. O objeto de

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Educação e Cultura (MEC) para o ensino fundamental, concluída em 1998. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (PCNs) diferem dessa noção de transversalidade.

A inserção do meio ambiente com a ética, pluralidade cultural, saúde e orientação sexual, como temas transversais, possuem abordagens distintas. Inicia-se, aqui, uma compartimentalização. Ora, a educação ambiental abrange tanto a dimensão ética quanto a dimensão da pluralidade cultural que é balizadora dos princípios da educação ambiental, aliás, emerge como fundamentos dessa demanda de diversidade biológica, cultural e social. Nesse caso, concordo com Gallo (2000) que essa é mais uma tentativa de viabilizar a interdisciplinaridade do que a transversalidade. Mesmo assim, não é só pelos PCNs mas esses são assuntos vividos e debatidos na escola.

Desse modo, essas palavras são cada vez mais freqüentes em propostas educativas, mas não sugerem uma mudança efetiva das velhas práticas. Portanto, não se trata de aprender mais coisas, mas sim de pensar de outra maneira, como nos alerta Morin. E, para isso, a análise dos repertórios interpretativos abre um leque de possibilidades no entendimento da complexidade do cotidiano, pois a linguagem não é neutra, está atravessada por sentidos e ideologias.

Muitas vezes, os repertórios que usamos para falar sobre educação, meio ambiente e escola legitimam a racionalidade técnica e instrumental. Usamos “grade” para nos referir ao currículo; “disciplina” para o conteúdo cujos significados estão fortemente relacionados com a idéia de prisão e de controle; “dar aulas” como se o conhecimento fosse doado e o outro o recebesse passivamente.

Sabemos que essa racionalidade técnica é compartilhada no cotidiano das escolas, pois seus repertórios estão impregnados com sua linguagem. Um outro exemplo é a explicação encontrada por uma professora para o fato de a interdisciplinaridade “não acontecer na prática”, reflexo da dicotomia entre a complexa relação da teoria com a prática. Ora, a teoria não está descolada da prática e vice-versa; há um movimento entre teoria-prática-teoria. O que a educação ambiental propõe é uma teoria comprometida com a emancipação dos sujeitos, com a transformação da realidade socioambiental. A teoria é importante porque nos ajuda a compreender a prática, não porque seja superior, como durante muito tempo nos fez acreditar a ciência moderna, mas, também, porque nos ajuda a ver o que antes não víamos.

O saber cotidiano se constrói no desenvolvimento do conhecimento e da informação em redes. Alves (1998) nos lembra que o saber cotidiano nunca se construiu linearmente. Por conta disso, a ciência sempre o destituiu, colocando-o em uma posição inferior, sem valor, senso comum. Pensar dessa maneira exige um esforço teórico para além das amarras e fronteiras estabelecidas entre as disciplinas.

Nessa concepção de redes não são demarcadas diferenças entre sujeitos e objetos, teoria e prática, sistemas vivos e não-vivos. Todos os sistemas são considerados, nessa rede de relações, uma linha que se remete a outra continuamente. Qualquer coisa que produza diferença produz sentidos, ressignifica as redes de relações. Desse modo, compreendo que, como professores, podemos fazer opções para o que seja mais significativo.

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No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 49-52)

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