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Comentários finais

No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 54-59)

Podemos até admitir que existe um predomínio da racionalidade instrumental e técnica, estabelecida como padrão, mas a vivência com o cotidiano das escolas revela que a produção e a reprodução de racionalidades não acontecem apenas de forma unilateral, pois nos deparamos com situações e exemplos de táticas e saídas encontradas por alunos e professores, como argumenta Certeau (1994), que transgridem, subvertem essa lógica.

Isso só vem confirmar a necessidade e a importância de se reconhecer que, nos espaços/tempos escolares, ocorrem produção de saberes, táticas, artimanhas, representações, sentidos, pedagogias e racionalidades para além da limitada compreensão reprodutivista das relações sociais ou da racionalidade técnica. A mera reprodução das relações sociais é uma racionalidade em crise, que tem um conhecimento do mundo sustentado na construção de um mundo insustentável.

Se quisermos a emancipação dos sujeitos pela apropriação do conhecimento, teremos de pensar de uma outra forma, de reconhecer, como nos lembra Boaventura (2000), que a razão que critica não pode ser a mesma que pensa, constrói e legitima aquilo que é criticável.

Assim, mesmo que o raciocínio que corresponde a uma racionalidade técnica e instrumental esteja correto em busca do desenvolvimento de sociedades mais sustentáveis, no contexto da educação ambiental ele é impróprio, não se adequa, o que às vezes torna-se uma condição impeditiva da realização de uma atuação profissional mais reflexiva e problematizadora.

Assim, não se trata de aprender uma quantidade enorme de coisas e, sim, “pensar de outra maneira” sobre os problemas que se apresentam no cotidiano, estabelecer vínculos e conexões para tornar significativo o processo de aprendizagem.

Nas contradições e incoerências percebidas parece existir um acordo tácito quanto à abordagem interdisciplinar da educação ambiental. Ela emerge como possibilidade de fazer a articulação entre as disciplinas. Sendo assim, a interdisciplinaridade torna-se referência para o desenvolvimento de uma prática que pode corrigir as falhas apontadas na formação de professores.

Com efeito, as experiências realizadas nas escolas revestem-se de um começo para se exercer a interdisciplinaridade, pois são trabalhos de busca. Ainda que mantenham as especificidade das disciplinas envolvidas e as fronteiras entre elas, permitem um exercício do trabalho em equipe, o que modifica um pouco a relação entre as pessoas envolvidas.

Romper as fronteiras entre e dentro das disciplinas fica difícil diante de uma educação formatada nos moldes das disciplinas convencionais. Por outro lado, é possível abrir espaço para o trânsito permanente, para a troca criativa, que não é só conceitual, de um conhecimento já produzido. Essa atitude promove a inserção de novas metodologias e, mais do que isso, de um novo exercício de compreensão da realidade.

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desvencilhar das amarras e entraves, criando espaços coletivos de aprendizagem, trazendo e mostrando a sua experiência. Mais do que isso, deixar de compactuar com os contravalores predominantes, de desperdício, de consumo, de má formação, de incompetência e de desrespeito, fazer com que o professor se integre a uma rede criativa, que é real, global e que vem realizando trabalhos muito interessantes no cotidiano das escolas.

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educação ambiental de revista brasileira Aline Viégas1 Mauro Guimarães2

Introdução

Crianças e educação

ambiental na escola:

associação necessária

para um mundo melhor?

Iniciamos este artigo interrogando algo que talvez possa parecer absurdo de ser questionado, principalmente vindo de dois educadores, mas questionamentos são decorrências de inquietações e provoca reflexões. Sendo assim, buscamos refletir algo que nos inquieta: a associação entre crianças e educação ambiental na escola já vem ocorrendo, no entanto não vemos o mundo melhorar. Será que estamos impacientes? Será que precisamos de mais tempo para essas crianças virarem adultas ambientalmente educadas? Será que temos esse tempo? Será que estamos educando ambientalmente estas crianças?

Certamente a informação sobre a gravidade dos problemas ambientais, o conhecimento dos malefícios da poluição, do desmatamento, do lixo, entre tantas outras, vem sendo trabalhada por muitos professores junto aos seus alunos. Aliás, o professor talvez seja uma das categorias profissionais mais sensibilizadas e empenhadas de inserir essa problemática em seu trabalho. Em nossas andanças, percebemos que os professores vêm procurando trabalhar muito isso, inclusive contando com uma grande ajuda da mídia. A idéia é transmitir, da melhor forma, esses conhecimentos e diríamos mesmo que, de certa forma, têm conseguido. Dificilmente encontramos uma criança em idade escolar que não manifeste o entendimento de que preservar a natureza é importante. Ou seja, o trabalho com os aspectos cognitivos na aprendizagem vêm sendo realizados; as crianças entendem pelo uso da razão essa importância. Já possuem o conhecimento sobre a importância da preservação da natureza, mas apesar disso, o mundo não melhora.

Poderíamos dizer, então: é verdade, o processo educativo está incompleto. No entanto, a maior parte das atividades reconhecidas pelos professores como sendo educação ambiental, foca o seu processo pedagógico na transmissão de conhecimentos “ecologicamente corretos”: são as palestras, as aulas expositivas apresentando esses conhecimentos, as pesquisas, os livros didáticos com suas informações, etc. Mas já temos muitos que manifestam

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a preocupação de incluir o processo de sensibilização em suas práticas pedagógicas junto a seus alunos. Percebem que o ser humano não é só razão, cérebro, mas também emoção, coração, e, de diversas formas, procuram sensibilizar e emocionar seus alunos para a beleza, a paz, a harmonia do natural: as vivências e visitas aos lugares com beleza natural, os trabalhos com artes, etc. Realmente, vemos muitos trabalhos de EA buscando cada vez mais essa sensibilização, trabalhando os aspectos afetivos, e acredito também, com relativo sucesso (relativo porque tem que vencer todo um apelo artificial, virtual da modernidade). Mas, e o mundo que não melhora? Temos um mundo hoje mais degradado do que há 30 anos e, apesar da difusão da EA, as projeções futuras não são animadoras.

De fato, percebemos que muitas das ações reconhecidas como educação ambiental nas escolas não passam deste patamar, centram o processo na transmissão de conhecimentos ecologicamente corretos e procuram sensibilizar os alunos para essa “causa”. Poderíamos questionar que os resultados não aparecem porque o processo educativo ainda está muito teórico. Poderíamos especular que estes conhecimentos já podem até estar na consciência dos alunos, mas que eles não os colocam em ação – consciência + ação = conscientização. Diante desta percepção alguns professores e escolas avançam na proposta dos projetos de EA, com a perspectiva de que assim o aluno teria a oportunidade de colocar em prática seus conhecimentos e sua “causa”. Mas na maior parte das vezes, mesmo aqueles que chegam até aqui, baseiam sua prática pedagógica numa perspectiva de educação individualista e comportamentalista. Ou seja, entendem que a educação do indivíduo (seu aluno) se dá através do ensinamento e que, ele estando sensibilizado, além de conhecedor do problema, irá mudar o seu comportamento, transformando a sua forma incorreta de agir em relação ao meio.

Uma situação ilustra muito bem o que estamos citando acima. Uma professora da primeira série do ensino fundamental se mostrava muito preocupada em desenvolver atividades que envolvessem temas ambientais com seus alunos. Após o desenvolvimento de várias atividades, ela pediu que os alunos escrevessem um pequeno texto sobre como eles poderiam contribuir para a construção de um mundo melhor. A maior parte das citações dos alunos envolvia aspectos conceituais e comportamentais, como por exemplo: “não matar os animais”, “não cortar árvores”, “não jogar lixo no rio”, “não poluir o ar”, “não maltratar os bichos”, etc. Poderíamos enumerar uma série de “nãos” que os alunos citaram em relação ao comportamento esperado diante do conhecimento sobre os elementos do meio ambiente que eles já haviam construído.

Analisando estes dados, parece-nos que se tivermos eficientemente a educação ambiental nas escolas e esse processo se difundir, somando os alunos transformados dentro de um tempo, teremos a maioria das pessoas na sociedade com comportamentos ecologicamente corretos. Isso poderá nos levar a concluir que o resultado será uma sociedade ecologicamente sustentável. Será? Se isso for, justifica-se a crença de que as crianças são a principal esperança da resolução de nossos problemas, pois quando crescerem, transformadas, teremos também uma sociedade transformada.

Uma criança conhecedora dos problemas e sensibilizada para a questão é muito melhor do que uma ignorante e insensível, que, quando adulta, se tiver crianças para sustentar, será capaz de derrubar a floresta amazônica para grarantir-lhes a sobrevivência. Quando a sociedade não lhe apresenta outros caminhos/opções, fazendo com que sua ação se dê pelos valores e comportamentos dominantes, percebe-se que esse indivíduo não é autônomo em relação à sociedade. A transformação da sociedade não é apenas o resultado da soma de

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indivíduos transformados, mas é também o resultado da transformação da sociedade por esses indivíduos; ou seja, é o resultado da transformação recíproca e simultânea de indivíduos e sociedade, de indivíduos em sociedade e de sociedade de indivíduos. Pensar em uma transformação da realidade socioambiental causada pela transformação da prática de um indivíduo isoladamente (o que não significa dizer que sua ação não possa fazer parte de um processo de transformação de uma realidade), como se fosse um ser autônomo em relação à sociedade, é uma ilusão. Se uma pessoa, sensibilizada pela causa ambiental e conhecedora dos problemas causados pela embalagem PET ao meio ambiente, procurasse transformar a sua prática e deixasse de consumir PET ele teria essa sua opção cerceada, pois a sociedade cada vez mais lhe oferece como opção produtos com embalagem PET. Mesmo que utilizássemos a lógica da soma de indivíduos com práticas transformadas, necessitaríamos de um longo tempo (que talvez não tenhamos) e, ainda, acreditando na autonomia desses indivíduos que não se acomodariam, ao longo do caminho, diante das poderosas forças que procuram manter as condições que atendem aos interesses dominantes.

A perspectiva da educação tradicional que vem se refletindo nas práticas de educação ambiental, centrada no indivíduo e na transformação de seu comportamento (individualista e comportamentalista), não tem sido capaz de causar transformações significativas na realidade socioambiental. Essa perspectiva foca a realização da ação educativa no resultado, compreendendo ser o indivíduo transformado, e espera que a conseqüência, pela lógica descrita, seja a transformação da sociedade. Essa é uma perspectiva simplista e reduzida de perceber uma realidade que é complexa. Que não contempla a perspectiva da educação se realizar no movimento de transformação do indivíduo inserido num processo coletivo de transformação da realidade socioambiental. Que é nessa relação que se realiza o processo educacional e que se propicia a formação para a cidadania; uma cidadania também não individualizada (exercício dos direitos e deveres do cidadão, no singular), mas aquela que se exerce, como aprendizagem, num movimento coletivo conjunto3 (não apenas como soma

de ações individuais, 1+1 = 2, mas como resultado de uma ação conjunta, 1 com 1 > 2). Para essa perspectiva mais crítica que contempla uma realidade mais complexa, pois a percebe como um conjunto em inter-relações, o resultado da ação educativa se dará na promoção de um movimento que potencialize a transformação simultânea dos indivíduos e da realidade socioambiental e não, como dissemos antes, uma ação educativa focada apenas na mudança do comportamento do indivíduo, esperando que “automaticamente” a sociedade virá a se transformar. É por isso que, apesar da difusão da EA na escola, como também na sociedade em geral, não podemos afirmar que a relação dessa sociedade com o meio ambiente esteja melhorando. Portanto, uma ação educativa que não seja capaz de contribuir significativamente na transformação de uma realidade, através da formação de cidadãos ativos, só permitirá a conservação da realidade tal qual como está. Se é esta a ação educativa que vem sendo realizada na maior parte das vezes na escola, temos a predominância de uma educação ambiental conservadora que pouco contribui na superação da grave crise ambiental e na construção de um mundo melhor.

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Educação ambiental para além da limitação e da incapacidade

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