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Que educação ambiental queremos na escola rural?

No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 81-84)

A EA é uma complexa dimensão da educação. Caracterizada por uma grande diversidade de teorias e práticas, não pode ser entendida no singular. As diferentes percepções de EA carregam valores subjetivos profundos, pois se inscrevem em processos históricos, espirituais, culturais ou informacionais, que se somam e se divorciam, na mestiçagem de matizes caleidoscópicas capazes de ousar a transformação educativa desejada.

Ao longo da história, a EA esteve associada a “diferentes matrizes de valores e interesses, gerando um quadro bastante complexo de educações ambientais com orientações metodológicas e políticas bastante variadas” (Carvalho, 1998, p. 124). A EA tem sido abordada de diferentes modos: como um conteúdo, como um processo, como uma orientação curricular, como uma matéria, como um enfoque holístico (Gough, 1997 apud Orellana, 2001), e também tem apresentado objetivos diversos: a conservação da natureza, o gerenciamento de recursos, a resolução de problemas ambientais, a compreensão do ecossistema, a melhoria dos espaços habitados pelo ser humano, a discussão das questões ambientais globais, e, ultimamente, foi negligenciada e substituída pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2002), que decretou o período de 2005-2014 como o decênio da educação para o desenvolvimento sustentável.

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De fato, a EA contemporânea caracteriza-se por uma problemática conceitual extremamente associada aos numerosos problemas estabelecidos por sua prática. Certamente não existe nenhum problema com a existência de um grande número de concepções sobre EA. O problema reside no fato de que muitas concepções de EA conduzem à sua prática reduzida. Segundo Sauvé (1999), quando os fundamentos da prática não estão claros, ocorre uma ruptura entre o discurso e a prática, que conduz a uma perda da efetividade.

Lukas (1980-1981) foi um dos primeiros pesquisadores em EA a apresentar uma tipologia sobre os modos de fazer EA, que se tornou clássica internacionalmente: EA sobre o ambiente, EA no ambiente e EA para o ambiente. Segundo ele, a EA sobre o ambiente está preocupada em produzir compreensões cognitivas, incluindo o desenvolvimento de habilidades necessárias para obter esta compreensão, reconhecendo que o conhecimento sobre o ambiente é condição para a ação. A EA para o ambiente é dirigida à preservação ambiental e tem relação com o desenvolvimento de atitudes e a EA no ambiente pode ser considerada como uma técnica de instrução, para o estudo do ambiente fora da sala de aula (contexto biofísico e social). Para Lukas (idem) é possível existir combinações entre estas formas de EA: EA sobre e no ambiente; EA para e no ambiente; EA sobre e para o ambiente; EA sobre, para e no ambiente.

Tilbury (1995) defende a idéia de que a EA deve ser “sobre”, “no” e “para” o ambiente, ou seja, deve incorporar dialeticamente os domínios cognitivos, afetivos e técnicos (participativos), pois deste modo poderá promover oportunidades para que a comunidade esteja envolvida na construção de uma sociedade mais responsável.

Robottom & Hart (1993), consideram que o conhecimento “sobre o ambiente” está relacionado com o positivismo, as “atividades no ambiente”, relacionadas com o construtivismo e as “ações para o ambiente”, relacionadas com a teoria crítica da educação. Segundo eles, os domínios (“sobre” e “no”) são aspectos a priori necessários, mas não os objetivos finais da EA, já que a EA deve, além de colaborar na construção de conhecimentos, favorecer mecanismos de participação das comunidades, com o intuito de possibilitar um diálogo reconstrutivista no processo educativo “para o ambiente.”

No emaranhado tecido de fios, nós, elos e controvérsias conceituais, muitas vezes em polêmica, caos e disputas políticas, Sato (1997) alerta que as formas de fazer educação “sobre”, “no” e “para” o ambiente podem encerrar distintos campos onto-epistemológicos dificilmente factíveis de unificação. Assim, na década de 1990 vimos surgir novas denominações para conceituar a EA: alfabetização ecológica (ORR, 1992; Capra, 2003); educação para o desenvolvimento sustentável (IUCN, 1993); ecopedagogia (Gadotti, 1997; Gutiérrez & Prado, 1999), educação no processo de gestão ambiental (Quintas, 2000).

Focalizando a “Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EpDS)”, consideramos que esta nova orientação, em plena consonância com a ordem econômica neoliberal, representa um instrumento somente ao desenvolvimento e “não implica uma mudança de paradigma epistemológico, ético e estratégico, mas representa uma forma progressiva de modernidade que propõe a preservação de seus valores e práticas, e privilegia a racionalidade instrumental mediante o saber científico e tecnológico” (Sauvé, 1999, p. 14). Em outras palavras, a EpDS orienta uma educação para um determinado fim: um

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irrealizáveis, já que os custos seriam tão elevados que toda tentativa de generificação mundial acarretaria o esgotamento planetário, tanto em termos de responsabilidades e identidades culturais quanto em prejuízos e perdas ecológicas.

O conceito de desenvolvimento sustentável apresenta muitos problemas, especialmente de natureza conceitual, ética e cultural. Também não se refere a uma fundamentação educativa, mas a uma opção contextual adotada por alguns autores sociais em um momento histórico. A educação dirigida para algo específico retira o vôo da liberdade crítica, desde que determina uma finalidade através de orientações preestabelecidas. Especificamente no campo da EpDS, isso supõe que o desenvolvimento seja uma verdade única instituída e incontestável e que a educação seja apenas um mero instrumento para se alcançar o desenvolvimento doutrinário.

Rejeitamos qualquer educação que, ao invés de possibilitar a liberdade e o empoderamento social, exclui e contamina a globalização com valores meramente mercadológicos. Em objeção à orientação da EpDS, várias vozes reivindicam as diferenças e escolhas políticas, como é o caso do Projeto “Brasil Sustentável e Democrático” (Sato et al., 2003), e que propõem o termo “sociedades sustentáveis” em oposição clara ao afastamento do “nosso futuro em comum” para um “futuro ameaçado”. Não é possível, assim, considerar a EA sem nos posicionarmos sob as esteiras da dívida externa, maior causadora da degradação social e natural dos desfavorecidos economicamente, como é o caso da América Latina. E neste cenário político favorecemos a EA como forma também de assumirmos posicionamentos que recapitule nossas escolhas históricas do devir, que não se posicione somente na somatória genérica dos diversos ‘eus’, mas que transcenda a necessidade de uma síntese homogênea e se insira na construção da alteridade cívica.

A compreensão da EA a partir de sua função social propiciou o surgimento de tipologias dualísticas (Layrargues, 2002), não complementares. Foladori (2000) distingue duas grandes posturas de EA que condensam concepções ideológicas distintas sobre a relação entre a sociedade humana e a natureza externa. De um lado, uma postura que considera a EA apresentando objetivos em si mesma e inclusive possuindo um conteúdo próprio – o ecológico – que é capaz de tornar o ambiente menos contaminado e depredado. Esta postura equipara a EA com o ensino de ecologia e assume que a crise ambiental é gerada por falta de conhecimento ecológico e que, portanto, a EA é um instrumento para a solução da crise ambiental. De outro lado, outra postura considera que os problemas ambientais são gerados por uma estrutura socioeconômica determinada e que a EA deve colaborar com mudanças estruturais na sociedade.

Para Orellana (2001), a EA tem sido caracterizada a partir de uma visão instrumentalista e de uma visão integral, sistêmica e holística. A primeira é centrada principalmente na resolução de problemas, no uso mais racional dos recursos naturais e na proteção dos mesmos, utilizando para isto estratégias de promoção do civismo e de gestão do meio ambiente. Já a segunda visão quer estabelecer a construção de um novo tipo de relação com o ambiente, onde a sociedade, como mediadora, desempenha um papel fundamental. Ao enfatizar o desenvolvimento de capacidades de análise crítica da realidade e de valores (individuais e coletivos) que gerem atitudes responsáveis com o meio ambiente, a EA integral, sistêmica e holística colabora para pensar e construir uma nova realidade, buscando uma melhor qualidade de vida.

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Carvalho (2001) fala das diferenças entre a EA popular e uma EA comportamental. Quintas (2000), Guimarães (2000) e Lima (2000) contrapõem, respectivamente, a educação no processo de gestão ambiental, EA crítica e EA emancipatória à EA convencional, tradicional. Uma outra EA sociopoética é reivindicada por Sato et al.(2003), que clamam pelo uso do corpo inteiro para construção de CONFETOS – um espaço híbrido entre CONceitos e aFETOS, que se inscreve na formação de um grupo-pesquisador que respeita e acolhe os múltiplos saberes (multirreferencialidade), sem buscar a síntese autoritária, mas acatando a dialética do conflito estabelecida na interreferencialidade e na posição de uma educação mais critica e emancipatória.

Defendemos que o meio rural precisa de uma EA específica, diferenciada, isto é, alternativa, voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que moram e trabalham no campo. Ela deve ser uma educação que atenda às diferenças históricas e culturais, contribuindo para que o povo viva com dignidade e para que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação.

Uma educação ambiental crítica e emancipatória

No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 81-84)

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