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Uma educação ambiental crítica e emancipatória no meio rural

No documento V.0, N.0 - Edição Impressa (páginas 84-87)

A educação rural necessita ser reconhecida em suas multiplicidades, necessidades e regionalidades. Precisa de um empoderamento social que possibilite suas mudanças e evidencie seus compromissos. A formação de um grupo-pesquisador entre a equipe de uma universidade e as comunidades rurais pode ser o início de uma EA sociopoética. Isso implica dizer que esta EA respeita e valoriza os diversos saberes, reconhecendo que todos são iguais por direito. Neste cenário será preciso reivindicar uma educação capaz de romper com a lógica da autoritária racionalidade, permitindo que os conceitos possam ser construídos através dos afetos, da gratuidade, da emoção, da gestualidade e das emoções. Certamente o grande mestre Paulo Freire era sábio em nos dizer que era necessário temperar nossa racionalidade com boas doses de paixão. A utilização do corpo inteiro possibilitará, assim, novas buscas de significados, essências e imaginações criadoras num mundo que, muitas vezes massacrado pelas intolerâncias urbanas, busca desencadear o sentido educativo adormecido em cada sujeito.

Para além de valores taxiados pelo desenvolvimento, a EA no campo deve transcender a simples lógica marchetada pelo valor agrícola, mas deve ser comprometida com o empoderamento social. Isso possibilitará que diversas vozes expressem a sonoridade do grito da liberdade, buscando a responsabilidade ambiental na construção de um mundo que valorize a diversidade biológica e a diferença cultural. O círculo do conhecimento, popular e acadêmico, tecido na urdidura da trama de uma educação do campo, propõe uma rede interconectada entre elos, nós e sentidos sob um desenho democrático e descentralizado de um único poder. Ancorada nestes significados, a EA deve propor a existência de uma comunidade de aprendizagem, com abandono de um “eu-isolado-periférico” para um “nós- coletivo-cooperativo”. A liberação e a libertação no interior de um grupo pesquisador reativa as potencialidades e democratiza espaços de participação. É o sentido de compreender a memória coletiva da cotidianidade rural, marginalizada pelos desmontes econômicos e

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A EA do campo necessita, portanto, de uma força sinérgica maior – uma dimensão de relatividade de suas certezas, no sentido de aumentar sua responsabilidade e de explorar, com carinho, seus limites em toda a ambigüidade que se abriga: claro e escuro, amor e ódio, o singular e o universal, narcíseo e dionisíaco, notas musicais e pausas, luminoso e fenomênico, imanência e transcendência, presença e ausência, prazer (Eros) e também morte (Thanatos). Revestida das múltiplas vozes, inclusive daquelas jamais silenciadas, a EA rural necessita insurgir numa perspectiva revolucionária. Isso implica dizer que a formação ambiental pode ser realizada pelo próprio grupo pesquisador. A formação da consciência política e ambiental, portanto, deve ser interna, pertencida à própria cultura incorporada e desejada, e não ser pilotada sob a influência de verdades instituídas.

É um grande desafio à educação do campo estimular um processo de reflexão sobre modelos de desenvolvimento rural que sejam responsáveis, economicamente viáveis e socialmente aceitáveis, que colaborem para a redução da pobreza, para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, para a resolução dos problemas ambientais, fortalecendo as comunidades que vivem no campo, não dissociando a complexidade da sociedade e da natureza.

A escola rural necessita de uma EA diferenciada que, baseada em um contexto próprio, veicule um saber significativo, crítico, historicamente contextualizado, do qual se extraem indicadores para a ação, reforçando um projeto-político-pedagógico vinculado a uma cultura política libertária, baseada em valores como a solidariedade, a igualdade e a diversidade.

Não basta apenas a EA estar inserida nos documentos oficiais da escola, mas ela deve estar vinculada às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura dos povos que vivem no meio rural. Precisamos encontrar um lugar apropriado para a EA dentro do projeto educativo das escolas rurais, bem como evidenciar e fortalecer as relações entre a EA e outros aspectos da educação no campo. Precisamos ter cada vez mais claro qual é o papel político da EA no meio rural. Ela é um componente nodal e não apenas um acessório da educação, pois envolve a reconstrução do sistema de relações entre as pessoas, a sociedade e o ambiente natural (Sauvé, 1999). Portanto, a EA pode colaborar na construção de uma proposta educacional alternativa, contribuindo no desenvolvimento de sociedades mais responsáveis.

Uma EA crítica e emancipatória no meio rural pode contribuir para que os indivíduos que vivem neste meio se percebam como sujeitos ativos na apropriação e na elaboração do conhecimento, seja ele referente ao mundo natural ou ao cultural, e compreendam que são agentes de mudanças na realidade em que vivem, podendo contribuir para a sua transformação. Mas também é a expressão de afetos que são tecidos nas tramas da cotidianidade de uma população não-urbana, que sem temer a incerteza, busca a superação do caos nas texturas de confetos.

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Educação ambiental e

antropofagia – uma contribuição

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