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As audiências públicas e a gestão do conhecimento 1 As audiências públicas

1 INTRODUÇÃO 31 1.1 O PROBLEMA DE PESQUISA

1.1 O PROBLEMA DE PESQUISA

1.1.2 As audiências públicas e a gestão do conhecimento 1 As audiências públicas

A democracia participativa apresenta-se como antídoto às mazelas do sistema político representativo – muitas vezes informado por interesses subliminares sediados inclusive além- fronteiras –, em condições de formar no povo a consciência constitucional de suas liberdades e de seus direitos fundamentais (BONAVIDES, 2005). Mas, a participação política cobra uma preparação adequada dos cidadãos, já que, conforme BAGGIO (2009, p.89):

Para que os problemas das sociedades políticas contemporâneas possam obter uma solução coerente com a cultura democrática, é necessária uma participação de caráter “forte” dos cidadãos, o que exige a redefinição dos objetivos da vida em comum, de forma que recuperem e atualizem a ideia de “bem comum” [...]

Supõe, também, uma dimensão “intersubjetiva”, ou seja, a partilha de uma visão de mundo interior e a busca da construção de consensos através de coordenações de coordenações de ações (MATURANA, 2009; HABERMAS, 2001). Por conta dessas dificuldades, a democracia parece conviver com taxas muito baixas de participação, como evidencia Ropelato (2008:90):

Inúmeras pesquisas sobre o comportamento político individual têm destacado que as pessoas que se envolvem são essencialmente as que ocupam as posições centrais da estratificação social, os círculos mais internos e estáveis, propensos à conservação do status quo.

[...]

Se, para funcionar, uma democracia precisa teoricamente de cidadãos informados e ativamente engajados, esse modelo racional não resiste à comprovação dos fatos. A participação mostra-se um processo seletivo (COTTA et al., 2001).

Nesse sentido, relevante é o papel da administração pública quando incumbida de ensejar a participação popular, como, por exemplo, nas audiências públicas, devendo adotar uma postura de transparência, renunciando ao oportunismo de tirar proveito das limitações existentes e, ao revés, buscando suprir as deficiências com adequada atmosfera ao encontro.

Assim, os processos participativos para elaboração dos Planos Diretores surgidos com o Estatuto da Cidade, que instituiu a gestão democrática, apresentam-se como palcos por excelência para que a participação popular experimente níveis cada vez mais elevados e qualificados. Com efeito, o artigo 40, § 4°, inciso I, da Lei n°. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que regulamenta a Política Urbana e estabelece:

Art. 40 - O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 4°. - No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; [...]

Já a Resolução n°. 25/2005, do Conselho das Cidades, dispõe:

Art. 8º - As audiências públicas determinadas pelo art. 40, § 4º, inciso I, do Estatuto da Cidade, no processo de elaboração de plano diretor, têm por finalidade informar, colher subsídios, debater, rever e analisar o conteúdo do Plano Diretor Participativo, e deve atender aos seguintes requisitos: I – ser convocada por edital, anunciada pela imprensa local ou, na sua falta, utilizar os meios de comunicação de massa ao alcance da população local;

II – ocorrer em locais e horários acessíveis à maioria da população;

III – serem dirigidas pelo Poder Público Municipal, que após a exposição de todo o conteúdo, abrirá as discussões aos presentes;

IV – garantir a presença de todos os cidadãos e cidadãs, independente de comprovação de residência ou qualquer outra condição, que assinarão lista de presença;

V – serem gravadas e, ao final de cada uma, lavrada a respectiva ata, cujos conteúdos deverão ser apensados ao Projeto de Lei, compondo memorial do processo, inclusive na sua tramitação legislativa.

Como se observa, são amplas as finalidades das audiências públicas: “informar, colher subsídios, debater, rever e analisar o conteúdo do Plano Diretor Participativo”. Carlos Henrique Dantas da Silva, na obra Plano Diretor Teoria e Prática, assevera:

Audiências públicas são reuniões coletivas que devem preferencialmente contar com grande número de pessoas, por isso devem ser feitas em locais onde possa caber tal monte. Por serem numerosas as participações, as reuniões devem ter caráter expositivo e consultivo, evitando as deliberações. Chamo de exposições as explicações breves e simplificadas do que seja um plano diretor e para que serve tal instrumento, das vantagens advindas de

fazer o planejamento urbano e da interferência que tal programa terá na vida da população, além da apresentação do andamento e da evolução dos trabalhos realizados até o momento. O caráter consultivo é dado quando se pergunta abertamente aos presentes, mediante a conclusão de temas determinados, quais são as suas sugestões, reivindicações, necessidades, etc., devendo ser gravadas e anotadas todas as falas, que serão verificadas e posteriormente incorporadas à proposta do plano diretor. (SILVA, 2008, p.158)

A audiência pública pode ser considerada também como um instrumento que leva a uma decisão política ou legal com legitimidade e transparência. Trata-se de uma instância no processo de tomada da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo. Ou, como salienta Evanna Soares, Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho (SOARES, s/d):

Através dela (audiência pública) que o responsável pela decisão tem acesso, simultaneamente e em condições de igualdade, às mais variadas opiniões sobre a matéria debatida, em contato direto com os interessados. Tais opiniões não vinculam a decisão, visto que têm caráter consultivo, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as. Indubitavelmente, é no âmbito das audiências públicas que os conflitos são explicitados, via de regra, através da manifestação dos indivíduos e dos lideres comunitários, que expõem seus argumentos no breve espaço de tempo que lhes é destinado. O debate, na atual sistemática, não é estimulado, nem recebe qualquer encaminhamento. O Poder Público, responsável pela solenidade, para melhor desempenhar seu mister, precisa estar aparelhado com programas de gerenciamento de conflitos.

1.2.2.2 A gestão do conhecimento

Grosso modo, a Gestão do Conhecimento é um conjunto de técnicas e ferramentas para identificar e utilizar os ativos de informação e de conhecimento. Trata-se, na definição da empresa KPMG, de “[...] uma abordagem sistemática e organizada para melhorar a capacidade da organização de mobilizar conhecimento para aumentar o desempenho” (KPMG, 2003).

A maioria dos estudiosos da área trata da gestão do conhecimento no âmbito das organizações privadas, como bem intangível dotado de valor estratégico. No campo da administração pública, Szeremeta (2005, p. 109) afirma que a consulta política, que se realiza por intermédio das audiências públicas, pode ser descrita como uma oportunidade de extração e criação de conhecimento politicamente vantajoso:

Para enfrentar o desafio da complexidade, do caos e do fluxo, é necessário reunir a maior quantidade possível de conhecimento, cuja importância aumenta proporcionalmente à incerteza dos objetivos, das causas e dos efeitos no processo político. Ela parece ser o veículo ideal para a criação do conhecimento politicamente útil, pois promove fóruns e mecanismos para a expressão de opinião e deliberação e para a sua internalização por intermédio de administradores e decisores públicos, em instituições e organizações públicas.

Capra (2002) diz que apesar do conhecimento ser gerado pelo indivíduo, existe, por meio de interações sociais, uma transformação do conhecimento tácito em explícito. E, Nonaka e Takeuchi (1997) aduzem que a hipótese do conhecimento ser criado por meio da interação entre o conhecimento tácito (experiências e insights) e o conhecimento explícito (registrados em documentos, disponibilizados em mídias ou em manuais) permite assentar quatro modos diferentes de conversão do conhecimento.

Tais modos implicam a socialização (de conhecimento tácito em conhecimento tácito); externalização (de conhecimento tácito em conhecimento explícito); combinação (de conhecimento

explícito em conhecimento explícito); e a internalização (de conhecimento explícito em conhecimento tácito). Sendo que, a socialização dá origem ao ‘conhecimento compartilhado’; a externalização gera o ‘conhecimento conceitual’; a combinação origina o ‘conhecimento sistêmico’ e a internalização produz ‘conhecimento operacional’.

Desta forma, nas audiências públicas do processo participativo para elaboração de planos diretores, não apenas o conhecimento técnico é transmitido para a população (internalização), como dela advém um conhecimento comunitário de fundamental relevância, que deveria ser recolhido pela administração pública (externalização).

Trata-se da cultura oral, que é o conhecimento transmitido do mestre para o discípulo e acumulado pelas populações locais. Quando, por exemplo, um pescador informa que o local escolhido para a instalação de um emissário submarino não é o mais apropriado em razão da ocorrência de marés e correntes não detectadas pelos estudos científicos, está-se diante de um conhecimento tácito por vezes superior ao explícito, mas certamente complementar e, raramente, antagônico.

Assim, a apropriação do conhecimento comunitário no âmbito das audiências públicas mostra-se relevante e, para tanto, não apenas as técnicas da gestão, mas os artefatos da engenharia do conhecimento16 desempenham papel

fundamental. Adequadamente gerenciado, o conhecimento pode tornar-se um elemento decisivo no esforço de prevenção de conflitos e construção de consensos. Identificadas as lacunas e elencadas as questões pertinentes ao tema, emerge a questão de pesquisa.