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As contendas parlamentares e públicas sobre reforma agrária e colonização

Capítulo 5 – Alternativas de organização agrária, povoamento e agricultura no

5.2. As contendas parlamentares e públicas sobre reforma agrária e colonização

Uma vez colocado à vista o veredicto caiopradiano sobre povoamento e organização agrária, não é difícil imaginar o seu abalroamento naqueles idos de restauração da democracia no país. Com efeito, para os estudiosos da história política brasileira, o quadro de mudanças políticas no qual ele talhou suas opiniões é interpretado sob a aceitação difundida de que a expressão “democratização controlada” contenha a conotação exata do que se pretendeu com a consolidação da nova estrutura agrária na Carta Magna de 1946.

Na verdade, se assegurava a liberdade de expressão e a representação popular em geral, a nova Constituição sustentava, sem ambigüidades, exceção no tocante aos aspectos que pudessem intimidar a propriedade privada e a acumulação de capital, ou, em outros termos, abria trânsito livre para qualquer medida “salvo no que diz respeito às relações fundamentais do sistema entre o capital e o trabalho” (BIELSCHOWSKY, 2000:263). Como tradução dessa ressalva rija, vários epítetos desse célebre ordenamento legislativo mantiveram-se oriundos do arcabouço corporativista herdado do regime anterior, dentre os quais cabe destacar, apenas em caráter ilustrativo, a ossatura de regulamentação da organização dos sindicatos e aquela respeitante à Consolidação das Leis do Trabalho de 1940. Ainda abastecida desse continuísmo, embora recomendasse a reforma agrária, a Constituição de 1946 praticamente a impedia com a salvaguarda da “justa indenização em dinheiro ao proprietário”.

Não obstante a firmeza desses lastros nitidamente revessos às expectativas caiopradianas daquele momento, o governo Dutra alvoreceu e conduziu seus primeiros anos dando a conhecer suas promessas de ruptura com o passado. Porém, a exemplo das frustrações apontadas, outras igualmente aviltaram suas esperanças de teor reformador propiciadas pelas possibilidades abertas pela democratização do país.

Nesse compasso, embora na Constituição de 1946 estivesse prevista a garantia ao registro e funcionamento de todos os partidos, em março de 1947 surgiu a base legal da cassação do Partido Comunista Brasileiro. Introduzida no parágrafo 13 do artigo 141, essa emenda consistiu em vedar a criação de partidos cujo programa ou ação contrariasse o aventado regime democrático. O processo de cassação do registro do PCB e de seus deputados tomou praticamente todo o decorrer desse ano, seguido de uma significativa repressão ao movimento operário, do rompimento das relações diplomáticas brasileiras com a União Soviética e do alinhamento incondicional do país com os Estados Unidos10. Em maio, finalmente, o Supremo Tribunal Eleitoral arremessou o PCB na ilegalidade e, em janeiro de 1948, os mandatos dos deputados comunistas foram cassados (BRANDÃO, 1992).

Nas raias de consumação desses atos, em abril de 1947, uma proposta de reforma agrária foi apresentada ao Congresso pelo deputado Nestor Duarte (UDN-BA). Segundo seu propositor, essa tinha como objetivo resgatar o “espírito do reformismo constituinte”, cujo privilégio consistia no combate à grande propriedade e nas atenções

voltadas para o desenvolvimento da policultura. Essa reforma agrária deveria abrir caminho para combater o latifúndio monocultor, propiciando o surgimento da pequena propriedade voltada à produção de alimentos e ampliar as oportunidades de acesso à terra para camponeses não-proprietários (TAPIA, 1986:108). Marcando a cena política brasileira do período com uma das primeiras iniciativas legislativas propondo a reforma agrária no país11, o congressista baiano não somente contemplou nitidamente a defesa da pequena propriedade familiar como também frisou a importância de se levar na devida conta o argumento de que as melhores terras ao redor das cidades deveriam ser reservadas para a pecuária leiteira e para a lavoura de subsistência. Nesse sentido, seu projeto previa a possibilidade de desapropriação das propriedades próximas às vilas e cidades, visando destinar os produtos dessas duas atividades para o consumo das populações desses centros. No entanto, essa iniciativa não encontrou águas calmas e, decerto, também suscitou contendas que não passaram despercebidas para muitos de seus contemporâneos interessados nas discussões a respeito das vias de desenvolvimento capitalista da nação.

Um de seus principais críticos foi o ex-secretário da Agricultura da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, o então deputado Lauro Montenegro (PSD-AL). Detentor de raciocínio simples, ele colocou aos brados sua oposição à proposta tornada notória naquele momento na cena política do país. A seu ver, os princípios e idéias contidos na proposta de Duarte destoavam das tarefas imediatas a serem realizadas para se imprimir um melhor rumo à organização da agricultura brasileira, quais sejam as de combate aos problemas que esta apresentava: uso de técnicas rudimentares; cultivo predatório (que provocava a erosão dos solos); falta de vias de transporte e de crédito; a falta de incentivo ao cooperativismo; mecanização insuficiente; baixa utilização de adubos e fertilizantes; falta de insumos para o combate às pragas; e carência de uma política e de medidas mais fortes para assegurar o estabelecimento de uma rede nacional de silos e armazéns. Para esse homem de grande influência no Nordeste, todas essas medidas visavam recuperar a agricultura e diminuir o desajuste entre esta e a indústria. Sem perder o prumo de suas premissas, acatou que somente após essa “etapa”, em condições de desenvolvimento equilibrado, é que se tornaria possível examinar a necessidade de uma profunda transformação no campo. Ao contrário do alvo de suas críticas, amparado por esse parecer, Montenegro bramiu que o fundamental no país não era a divisão das terras, mas antes a implantação da indústria pesada da qual carecia. Nesse formato

avaliativo, projetou um desenvolvimento lento para a industrialização sem assumir entrementes uma posição antiindustrializante. Ao mesmo tempo, não deixou de preconizar transformações morosas e graduais na estrutura agrária brasileira, baseadas, largamente, no reforço da grande propriedade (TAPIA, 1986:113-114).

Além dessas divergências, abastecendo-se de argumentos ecológicos a respeito da diversidade dos solos, para Montenegro carecia de fundamento a proposta do deputado baiano, de divisão de terras visando ao aproveitamento daquelas localizadas nos arredores das grandes cidades para incentivo da agricultura de alimentos e a destinação de um quarto das propriedades em geral para a policultura. Formando coro com Costa Porto (UDN-PE) e mesmo com José Jofilly (PSD-PA), um parlamentar mais sensível à reforma agrária, o ferrenho opositor ao projeto de Nestor Duarte afirmou repetidas vezes que este se equivocara ao conceituar latifúndio apenas em função da extensão rural, confundindo-o com a grande propriedade. A partir dessas nuanças, derivou imperativas objeções à desapropriação das grandes propriedades convenientemente trabalhadas, defendendo-as, antes, como o verdadeiro fundamento para a organização agrária do país. Ainda com relação ao problema fundiário, intercedeu a favor da ocupação dos “vazios” territoriais (zonas de fronteira) por meio de planos de colonização e de imigração (TAPIA, 1986:114).

Reações à eloqüência de Montenegro não tardaram. Rebelando-se contra os dualismos ácidos de seu raciocínio, que denegava à pequena propriedade qualquer papel importante na organização agrária brasileira, os integrantes da bancada comunista trataram de verter os seus em sentido inverso. Estes assumiram a defesa da pequena propriedade, mas sem acatar em suas intervenções o projeto Nestor Duarte, considerando-o demasiadamente tímido e moderado diante da gravidade dos problemas agrários no país. Nesse tom, asseveraram ser a pequena propriedade economicamente superior e socialmente mais justa comparativamente à grande propriedade. Em contraponto às insinuações de Montenegro, vários congressistas dessa linhagem política patentearam ser ela sinônimo de fartura, e não a responsável pela miséria no campo; nas atividades agrícolas a responsabilidade pela pobreza e a baixa produtividade descendia do predomínio do latifúndio (TAPIA, 1986:114).

Em maio de 1947, sob o surto dos espasmos causados por essa querela, transposta avidamente à sociedade pela imprensa, Teixeira Leite, o então influente líder ruralista e

2.º vice-presidente da SNA (Sociedade Nacional da Agricultura)12, fora da lapa parlamentar, defendeu com afinco a grande propriedade exportadora no artigo intitulado “Reforma agrária e reorganização agrícola”, publicado no Correio da Manhã. Aproveitou o ensejo e alegou as contrariedades que, a seu ver, figuravam na proposta de desapropriação das propriedades próximas às vilas e cidades, considerando que tal medida acarretaria o aumento do êxodo de capitais e braços para as indústrias e as cidades (TAPIA, 1986:131-132). Ao lado disso, fixando alvo nas críticas de Nestor Duarte ao latifúndio, trouxe à cena das contendas o argumento de que o caso brasileiro diferia da experiência dos países europeus, onde havia “muita gente para pouca terra”. Tratou de inverter o lugar dos substantivos nessa expressão, ressoando o mote antigo. Para o articulista, em síntese, o país carecia de uma política agrícola que realmente amparasse os produtores e o estímulo à produção adviria não do combate às grandes propriedades, mas de medidas que as auxiliassem (TAPIA, 1986:133-134). Advertiu, ainda, que o aumento da produção da agricultura deveria ter por meta o mercado interno e que essa expansão lograria êxito caso estivesse baseada tanto na ocupação das terras virgens (exploração extensiva) quanto na tecnificação das grandes propriedades (exploração intensiva).

Em junho do mesmo ano, dando maior relevo ao debate concernente à questão agrária no período Dutra, o deputado Apolônio Sales, ex-ministro da Agricultura de Vargas e membro da diretoria da SNA durante o Estado Novo, fez coro com os opositores à proteção da pequena propriedade pelo Estado. Em seu artigo “A subdivisão das terras”, vindo a lume numa publicação da entidade que dirigia, entendeu que uma política voltada para a subdivisão das grandes propriedades representava orientação arriscada, pois obrigaria o Estado a voltar-se decisivamente para proteger a pequena propriedade, cujas condições naquela ocasião tratou de colocar em dúvida (TAPIA, 1986:134).

No mesmo período em que posicionamentos semelhantes se avolumavam e continuavam a afluir às páginas dos jornais, o governo Dutra remeteu ao Congresso um projeto de reforma agrária no qual procurou obrigar as grandes propriedades a produzirem de forma mais racional. Estribando-se na propositura de meios preferencialmente indiretos, tais como tributação e medidas de conservação do solo, o governo adotou uma posição de respeito à grande propriedade, na qual, contudo, para

certos casos, assentiu sobre a possibilidade de desapropriação por interesse social. Tal encaminhamento, a seu turno, animou forte reação de repúdio da parte dos setores agrários (TAPIA, 1986:96-97) a esse que ficou conhecido como Projeto Afrânio de Carvalho. Elaborado sob inspiração do Ministério da Agricultura, o início de sua circulação nas ante-salas do Congresso se deu em 30 de junho de 1947.

Sem tardar, o projeto governamental insuflou novo ânimo nos debates públicos sobre a questão agrária naquele período, arregimentando igualmente oposições acaloradas dos setores agrários que travavam combate contra a proposta reformista que tramitava no Congresso. Assim, a SRB (Sociedade Rural Brasileira)13, importante entidade da burguesia agrária, notadamente da cafeicultura paulista, a partir dele espicaçou os membros de seu Instituto de Economia Rural para elaborarem pareceres sobre os projetos Nestor Duarte e Afrânio de Carvalho. Esses, sob a intensa movimentação de críticas cunhadas nessa furna conservadora, passaram a figurar como alvos de mira de vários de seus analistas ainda em 1947.

Nessa vaga, em outubro, na publicação A Rural, da SRB, Luiz Amaral trouxe ao conhecimento do público seu artigo “A reforma agrária (aspecto econômico do Projeto de Reforma Agrária de Nestor Duarte)”. Nele repeliu o favorecimento da pequena propriedade e a reserva das melhores terras a ela nos arredores das cidades, tal como previsto enfaticamente no projeto alvejado. Segundo o analista, a solução para os problemas de estrutura agrária não estaria em sua disseminação, pois, conforme fez questão de acautelar, cada vez mais a organização econômica da agricultura se assemelhava à da indústria. Guiando-se nesse contexto presumido, Amaral defendia que a pequena propriedade teria chances diminutas de sobrevida, isto é, não seria apta o bastante para enfrentar com êxito os desafios antepostos por uma agricultura em vias de industrialização. No tocante à reserva das melhores terras circunvizinhas das cidades para a pecuária leiteira e a lavoura, como peças-chaves para o sustento urbano, o articulista manifestou sua oposição em virtude de considerar fracassadas as tentativas nesse sentido. Amaral pugnou contra a essencialidade das idéias do deputado baiano, pois, a seu ver, elas eram afeitas em demasia ao que chamou de “igualitarismo romântico”. Ademais, exacerbou sua distância em relação a essas idéias mesmas quando, no mesmo texto, afirmou que a solução para a questão da produção estaria num adequado aparelhamento do sistema de transportes e na valorização do homem. Passo

adiante, em nítida reiteração da tese fundamental das correntes conservadoras, golpeou o argumento de Duarte com o de que o desenvolvimento da policultura implicaria a divisão da terra, sustentando que tal feito ocorreria gradualmente ao longo do tempo sem desobedecer ao processo econômico-social. Arguto em seus propósitos, finalmente enlaçou essas considerações opondo-se à afirmação de que havia falta de terras para os trabalhadores rurais (TAPIA, 1986:136-138).

Ainda em outubro do mesmo ano, procedente da mesma cepa opinativa, José Ignácio Benevides de Rezende ofertou um parecer à SRB cuja publicação ocorreu na Revista Rural Brasileira. Em “Apreciação sob o ponto de vista social do Projeto Nestor Duarte”, desfechou que a aplicação das medidas do proponente reformista acarretaria queda na produção agrícola e um agravamento das precárias condições de vida dos trabalhadores (TAPIA, 1986:138-139). No rastro dessa sentença, Virgílio dos Santos Mangane, outro proponente da entidade, tornou mais áspera a oposição da entidade ao mesmo foco de críticas. Ele registrou a desafeição dos setores agrários à proposta de subdivisão da terra, içando como primordial a defesa do parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição de 1946. Sublinhou que o mesmo não admitia o confisco ou a subdivisão da terra de modo violento, de feição marxista, preconizado pelo projeto Nestor Duarte.

Dilatando o fio dessas contendas, contudo sem esgarçar a qualidade de suas fibras ideológicas, entre novembro e dezembro do mesmo ano, Luiz Vicente Figueira de Mello analisou os aspectos políticos do projeto de Nestor Duarte. Em seu artigo “A reforma agrária (aspecto político do Projeto Nestor Duarte)”, imiscuído nas páginas da mesma Revista Rural Brasileira, aderindo a um clichê tão comum à época, esse crítico classificou o projeto de comunista e aprumado no sentido de subverter a organização política do país. Tal como nos “vários discursos de ilustres homens da lavoura” e nas posições oficiais das entidades agrárias, Figueira repeliu a tese da necessidade da reforma agrária, assumindo a disjuntiva reforma agrária/código rural (TAPIA, 1986:140)14. Apoiado na exclusividade da segunda proposição, asseverou que a correção das distorções sociais existentes no campo dependia da adoção de um código rural, instrumento jurídico-legal que seria capaz de regulamentar as relações entre proprietários e as diversas categorias de trabalhadores rurais (assalariados, parceiros, meeiros e arrendatários). Contornando dessa maneira os traços inquietantes das propostas de Nestor Duarte e de Afrânio de Carvalho, que apontavam para a

necessidade de alteração no uso e posse da terra, o emissário sublinhou a exigência da delimitação de direitos e deveres.

Transpostas as barreiras do ano de 1947, no mês de janeiro do seguinte seria a vez de Malta Cardozo expressar-se contra o projeto de Afrânio de Carvalho. Presidente do Instituto de Economia Rural da SRB e principal ideólogo do pensamento conservador sobre a reforma agrária no período, Cardozo pôs seus argumentos à vista de todos num artigo intitulado “Direito rural, reforma agrária e código rural”, cuja análise mais detida desenvolveu-se no livro Democracia ou servidão rural (1949). Em seu preâmbulo, detido nos moldes sugeridos pelo projeto, analisou as alegações do ministro da Agricultura em prol da realização da reforma agrária. De passagem, lembrou que este último, no anteprojeto da referida proposta, havia argüido sobre o combate à crise alimentar no país como justificativa para a reforma agrária, apontando a necessidade de correção de algumas distorções existentes na estrutura agrária por intermédio do incentivo à melhor utilização das terras e à prática de atividades de conservação dos solos. Descartando essas premissas, Cardozo tratou de identificar outras causas econômicas e políticas para o empobrecimento da agricultura. A seu ver, realmente indispensáveis para o aumento da produção agrícola eram o incremento de capitais, a elevação da disponibilidade de braços, as máquinas, os adubos, os transportes organizados, a estruturação bancária, o armazenamento, os horizontes de preços compensadores e os mercados internacionais. Somente por meio do franco atendimento a essas condições seria viável elevar o nível de vida no campo e promover a desproletarização dos trabalhadores e, por fim, o acesso à propriedade da terra.

Apenas dois meses depois, uma locução deveras peculiar sobre a questão agrária surgiu na arena das discussões da SRB. Em março de 1948, representando uma alternativa tanto aos projetos de reforma agrária como à intransigência dos setores agrários, Álvaro Machado teceu alguns comentários a respeito na Revista Rural Brasileira, num artigo intitulado “A política agrária (Subdivisão de terras e colonização)”. Ao contrário de seus pares, desviou-se das reiterativas hostilidades endereçadas por eles às propostas de reforma agrária. Mais regrado ao realizar o exame do problema, Machado não endossou a visão largamente divulgada pela entidade, constituindo por isso mesmo uma exceção que merece atenção. Ele sondou a questão agrária amparado na visão de que a ação colonizadora do Estado representava a diretriz

básica de uma política agrária voltada para propiciar um número maior de oportunidades de acesso à terra. Em moldes diversos daquele tantas vezes propugnado por expressivos setores agrários, defendeu um amplo programa de colonização dirigido pelo poder público sem limitar seu alcance ao aproveitamento das terras públicas de fronteira. Contemplou sua extensão para o “estoque de terras potencialmente colonizáveis” localizadas nas zonas de ocupação antiga (TAPIA, 1986:150). Alinhavou e desdobrou os efeitos dessa opinião tomando atalho no que tange à polêmica, tão corriqueira no período, da grande propriedade versus pequena propriedade, isto é, sem acolher a tese da burguesia agrária acerca da superioridade da primeira e sem adotar a reformista, que imputava o mesmo qualificativo à segunda.

Nesse registro discursivo, as premissas de Álvaro Machado não comungaram da opinião de que seria justificável a subdivisão necessária de toda e qualquer propriedade, pois, de um lado, existiam terras suficientes para o programa de colonização e, de outro, não se atribuía à grande propriedade uma negatividade intrínseca. Ele complementou que a existência das grandes propriedades, em muitas circunstâncias, resultava da baixa densidade demográfica do país e, moderado, advogou a validade de as desapropriar em zonas densamente povoadas, caso não fossem apropriadamente exploradas. Para tanto, entendia que o Estado poderia utilizar os dispositivos de desapropriação por interesse social quando se deparasse com proprietários portadores de práticas anti-sociais, tais como ausência da aplicação de métodos modernos e parco nível de produtividade.

No que diz respeito à pequena propriedade, essa distinta vocalização oriunda da SRB observou que sua existência era não somente viável como também desejável, e afiançou que seu aproveitamento dependia das condições econômicas regionais. Considerou indispensável sua alocação nas zonas próximas de um mercado consumidor, pois tal medida proporcionaria produtos de qualidade na dependência de trabalho intensivo. Mantendo-se fiel às suas proposições, Machado afirmou que a utilidade da pequena propriedade subordinava-se, portanto, à disponibilidade de terras em zonas outrora povoadas e providas de alguma infra-estrutura (TAPIA, 1986:151). A seu ver, essas terras próximas aos centros urbanos eram as melhores para dar início ao programa de colonização, cujo maior benefício consistiria na elevação do contingente de proprietários rurais. De acordo com esse encadeamento reflexivo, também sugeriu o apoio à pequena propriedade em substituição às fazendas das zonas velhas, detentoras

de terras cansadas e de benfeitorias abandonadas em função do processo de involução surgido com o pastoreio. Arrematando a trama de seu raciocínio, Álvaro Machado apontou que o baixo preço das terras nas zonas antigas de povoamento também era uma vantagem adicional para a proposta de recolonização por ele aventada. O governo deveria contar com preferência na compra das mesmas, a fim de resguardar seu aproveitamento no plano de colonização15.

Quanto às terras devolutas nas zonas de fronteira, Machado considerou que cabia ao Estado a formulação de um plano dedicado a seu aproveitamento futuro. As terras