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Experiência de trabalho: conceito, finalidades e qualidade

2.3. As finalidades das experiências de trabalho

Percorrendo a literatura, constatamos que são diversas, e nem sempre explícitas, as finalidades atribuídas às experiências de trabalho (e.g., Caires & Almeida, 2000; Griffiths, 2003; Griffiths & Guile, 2004; Ryan, Toohey & Hughes, 1996; Smith & Harris, 2000; Shilling, 1991; Watts, 1991, 1996). Depois de uma exaustiva revisão da literatura, Watts (1991; 1996) considera que as finalidades das experiências de trabalho podem ser agrupadas nas dez categorias que passamos a apresentar:

a) Permitir aos alunos uma maior compreensão dos conceitos aprendidos em contexto de sala de aula;

b) Motivar os alunos para as aprendizagem escolares, tornando o currículo escolar mais importante e significativo;

c) Promover o desenvolvimento pessoal e social dos alunos;

d) Permitir aos alunos o desenvolvimento de conhecimentos e de uma maior compreensão das características do mundo do trabalho;

e) Promover o alargamento das alternativas profissionais que os alunos têm vindo a colocar a si próprios, em termos de planeamento de carreira;

f) Proporcionar aos alunos a oportunidade de testar a sua preferência vocacional antes de estabelecerem um maior nível de compromisso com a mesma;

g) Proporcionar a experiência de alguns dos constrangimentos do trabalho, de modo a que quando iniciarem uma actividade profissional os alunos sejam capazes de lidar de forma mais adequada com a transição para o mundo do trabalho;

h) Ajudar os alunos na aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de competências específicas dum determinado domínio profissional, as quais poderão aplicar se desejarem empregar-se nessa área;

i) Ajudar os alunos no estabelecimento de relações directas com os empregadores, de forma a facilitar a contratação para o emprego a tempo inteiro (não constava na proposta de Watts de 1991);

j) Transferir para outros, que não os professores, a responsabilidade de orientar a actividade dos estudantes.

Tomando em consideração o conjunto de finalidades acima exposto, facilmente se depreende que o potencial das experiências de trabalho é muito elevado e abrangente, pois para além dos aspectos associados à preparação técnica dos alunos, estas actividades também têm implicações no seu desenvolvimento pessoal e vocacional. Ahier e colaboradores (2000), no âmbito de uma investigação levada a cabo na área de Cambridgeshire, com uma amostra de professores, alunos e empresários, verificaram que as finalidades das experiências de trabalho podem ser organizadas num leque de categorias muito semelhante ao que foi apresentado por Watts (1991, 1996). Porém, ao contrário do que aconteceu com a sistematização deste autor (1991, 1996), estiveram ausentes do discurso dos entrevistados finalidades como: a) valorizar o currículo escolar; b) aumentar os conhecimentos sobre a realidade económica; e c) facilitar a transição para o mundo do trabalho (Ahier et al., 2000).

Numa categorização dicotómica, Billett (2005) organiza as experiências de trabalho em torno das seguintes finalidades: a) o desenvolvimento de competências para uma determinada área profissional; e b) a promoção de um conhecimento alargado sobre o mundo do trabalho. Ainda segundo este autor (2005), no âmbito da primeira categoria são organizadas experiências de trabalho extremamente estruturadas que, assentando no pressuposto de que os alunos já precisaram as suas escolhas, têm como objectivo principal desenvolver um leque de competências específicas relativas a um determinado domínio profissional. Na segunda categoria, por seu turno, inscrevem-se as actividades que, contrariamente à primeira, procuram apenas proporcionar o contacto dos alunos com a vida profissional. Neste caso, mais do que preparar os estudantes para uma transição particular, é valorizado o contacto com a diversidade dos contextos profissionais, privilegiando-se o desenvolvimento das competências necessárias a uma abordagem crítica ao mundo do trabalho (Billett, 2005).

Para Petherbridge (1997), as finalidades das experiências de trabalho podem também ser agrupadas em duas grandes categorias: as funcionais e as ideológicas. Nas funcionais estariam atribuições como: facilitar a transição para o mundo do trabalho, desenvolver competências técnicas, e alargar conhecimentos sobre a realidade ocupacional; enquanto na categoria ideológicas poderão ser incluídas finalidades associadas ao maior ou menor funcionalismo da escola relativamente ao mercado de trabalho e ao papel da certificação nos processos de acesso ao emprego. A categorização proposta por Petherbridge, não sendo a mais completa, tem, do nosso ponto de vista, o mérito de salientar o papel das finalidades menos óbvias, ou latentes (e.g. Watts, 1991), no modo como se pensam e organizam as experiências de trabalho. No campo das finalidades ideológicas, importa ainda referir que têm sido vários os contributos da Sociologia da Educação na sinalização, problematização e clarificação desta temática

De entre as finalidades apresentadas ao longo desta secção do presente capítulo, podemos afirmar que as mais associadas ao domínio vocacional são aquelas que se prendem com o alargamento das alternativas profissionais que o indivíduo coloca a si mesmo, com a testagem da preferência vocacional antes de um verdadeiro compromisso, e também as que apontam para a necessidade de proporcionar aos jovens alguns dos constrangimentos inerentes ao mundo do trabalho. Watts (1991,1996) designa as primeiras de “extensão”, por pretenderem gerar mais alternativas; e as segundas de “vocacionais”, pela possibilidade que oferecem de testar “ao vivo” determinada preferência. Uma vez que as experiências de trabalho também podem proporcionar uma antevisão do que poderá ser a vida profissional, o autor designa as últimas de “antecipatórias”.

Ainda que Watts (1991, 1996) nos tenha oferecido uma boa sistematização das finalidades atribuídas às experiências de trabalho, alguns trabalhos de revisão apontam para o facto de estarmos a entrar num território de fraca convergência (Griffiths, 2003; Griffiths & Guile, 2004; Ryan et al., 1996; Smith & Harris, 2000; Shilling, 1991; Watts, 1991, 1996). De facto, se começarmos por tomar os pontos de vista dos principais intervenientes nas experiências de trabalho (a escola, as empresas e os estudantes), não é expectável que o envolvimento de cada um deles se faça pelas mesmas razões e que estas sejam sempre convergentes (Ahier et al., 2000; Mulcahy, 1999; Smith & Harris, 2000; Shilling, 1991). Por exemplo, o aluno pode estar interessado na aprendizagem, no desenvolvimento de competências ou apenas na certificação; enquanto o professor, pelo seu lado, pode centrar a sua preocupação na definição de objectivos e na construção do dispositivo de avaliação, esquecendo o seu papel de suporte ao processo de estágio. O empregador, por seu turno, pode oferecer oportunidades de estágio por considerar que as empresas devem participar no esforço de qualificação das novas gerações ou,

simplesmente, por pretender assegurar alguns postos de trabalho com mão-de-obra gratuita, no período em que o mesmo decorre.

No contexto do desenho curricular dos cursos, Smith e Harris (2000) referem ainda que as finalidades subjacentes às experiências de trabalho dependem muito do

timing das mesmas, isto é, se têm lugar no início ou no fim do processo de formação.

Com efeito, enquanto numa experiência tida no início do processo de formação, a principal finalidade será familiarizar os alunos com o mundo do trabalho, no final do curso, o mais importante poderá ser o desenvolvimento de competências técnico- profissionais relativas ao domínio profissional em que se estão a preparar. No âmbito das políticas educativas, as finalidades atribuídas às experiências de trabalho também podem ser diversas (Griffiths & Guile, 2004; Ryan, 2002; Shilling, 1991). Em certos casos, as escolas são “pressionadas” para usar critérios de pendor essencialmente educativo na organização das experiências de trabalho, enquanto noutros as finalidades desta actividade surgem muito alinhadas com as lógicas do mercado de emprego.

Em síntese, as experiências de trabalho (ET) podem concretizar-se em várias modalidades (estágios, trabalho a tempo parcial, trabalho a tempo inteiro, voluntariado, trabalho doméstico) e orientar-se por diversos objectivos ou finalidades. Para os alunos que frequentam cursos Tecnológicos e Profissionais, os estágios (designação usada no âmbito dos cursos Tecnológicos) ou a formação em contexto de trabalho (designação usada no âmbito dos cursos profissionais), surgem com uma organização muito próxima daquela que está prevista na definição de Watts (1991, 1996). Trata-se de experiências formais (e.g., Anakwe & Greenhaus, 2000), organizadas de acordo com as orientações previstas no currículo dos respectivos cursos e que visam a certificação profissional. Com uma duração que vai das 240 horas (cursos Tecnológicos) às 400 horas (cursos

a entidade de acolhimento e o aluno, e desenvolvem-se segundo um plano previamente elaborado. Por sua vez, o suporte legislativo destes cursos assegura o carácter formal do estágio e estabelece os direitos e deveres das partes envolvidas.

No âmbito dos cursos Tecnológicos e Profissionais, as experiências de trabalho surgem no percurso dos alunos quando estes, de certa forma, já especificaram a sua área profissional, pelo que têm como grande finalidade o desenvolvimento de competências numa determinada área ou família de profissões (e.g., Billett, 2005). De acordo com as portarias que definem os regimes de organização, funcionamento e avaliação destas vias profissionalizantes do secundário, os estágios, ou a formação em contexto de trabalho, visam desenvolver e consolidar os conhecimentos e as competências profissionais (técnicas, relacionais e organizacionais) inerentes (ou relevantes) a determinado curso e, ainda, proporcionar experiências de carácter sócio-profissional que facilitem a futura integração dos jovens no mundo do trabalho. Neste sentido, as experiências de trabalho proporcionadas no âmbito destes cursos têm finalidades muito próximas daquelas que foram sistematizadas por Watts (1991, 1996), nomeadamente as presentes nas alíneas a)

enhancing – instrumentalidade das aprendizagens desenvolvidas em sala, g) preparatory – desenvolvimento de competências relacionadas com determinada

profissão, e h) placing – facilitar a futura inserção profissional. Assim sendo, podemos concluir que o estágio e a formação em contexto de trabalho, porque são modalidades integradas num programa de formação/qualificação profissional, visam, acima de tudo, o desenvolvimento de competências específicas (técnicas e relacionais) facilitadoras do futuro desempenho profissional.