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Experiências de trabalho e desenvolvimento vocacional

3.2. Contributos das teorias psicológicas do desenvolvimento vocacional

3.2.1. Teorias do ajustamento indivíduo-contexto

Neste agrupamento, podem ser incluídos os modelos teóricos que, de uma maneira ou de outra, descendem da fórmula proposta por Frank Parsons, em 1909. De facto, o trabalho deste autor deu origem ao que veio a ser conhecido como a teoria Traço-Factor, a qual, posteriormente, inspirou as mais actuais teorias do ajustamento (Patton & McMahon, 2006). Escolhemos como representantes desta categoria duas teorias muito bem consolidadas na literatura vocacional, a Teoria dos Tipos de Personalidade, de Holland (1997), e a Teoria do Ajustamento ao Trabalho, de Dawis e Lofquist (1984) e Dawis (1996, 2002, 2005), por nos parecerem apresentar uma definição clara e articulada dos seus principais construtos, a par de um conjunto de proposições perfeitamente testáveis do ponto de vista empírico (Brown, 1996; Brown, 2003). Com efeito, cada um destes modelos, ainda que à sua maneira, procura explicar as complexas relações que têm lugar entre o indivíduo e o contexto de trabalho. Para a Teoria de John Holland, uma das mais estudadas entre os modelos da Psicologia Vocacional (Brown, 2003; Swanson & Gore, 2000; Spokane, 1996) e a que maior influência tem tido nas práticas de intervenção na carreira (Gottfredson, 1999; Spokane, 1996; Spokane, Luchetta & Richwine, 2002; Spokane & Cruza-Guet, 2005; Zunker, 2006), as escolhas vocacionais são função do emparelhamento, ou da congruência, entre a personalidade do indivíduo e o meio ambiente psicológico (Guichard & Huteau, 2002). Em traços gerais, o modelo de Holland (1997) sugere que as pessoas e os ambientes profissionais podem ser categorizados em seis tipos (Realista, Investigador, Artístico, Social, Empreendedor, e Convencional) e que a interacção entre estes dois

desempenho profissional, as escolhas educativas, a competência pessoal e a susceptibilidade à influência, sendo que todos estes resultados podem ser previstos a partir do conhecimento dos tipos de personalidade e dos tipos de ambientes de trabalho. Ao considerar que as escolhas vocacionais são, de certa forma, uma expressão da personalidade, Holland sustenta que as preferências por certas actividades resultam da interacção entre uma grande variedade de factores culturais e pessoais, nos quais podemos incluir as relações com os pares, com os pais, com o meio físico e a herança genética (Holland, 1997). Neste sentido, cada tipo de personalidade é visto como uma entidade tendencialmente estável, portadora de um repertório de competências e com uma certa propensão para actuar de determinada forma, que vai interagir com os diferentes contextos de trabalho na procura de um ajustamento o mais optimizado possível (Spokane, 1996; Spokane et al., 2002). Os ambientes profissionais, por sua vez, organizam-se numa tipologia4 idêntica aos tipos de personalidade (Guichard & Huteau, 2002; Spokane et al., 2002) e são descritos a partir da distribuição dos tipos de personalidade dos indivíduos que os constituem. Daí que, segundo Holland (1997), o que melhor caracteriza os ambientes profissionais são as características psicológicas5 dos seus membros, e não tanto as suas qualidades objectivas. No que diz respeito à interacção pessoa-ambiente, este autor (1997) apresenta um conjunto de proposições que reflectem a natureza interaccionista6 do seu modelo e ilustram, segundo Patton e McMahon (2006), porque razão o mesmo deve ser incluído no agrupamento das teorias do ajustamento pessoa-ambiente: “a) People find environments reinforcing and

4 Segundo Spokane (1996, p. 40) os seis Tipos (RIASEC) são “theoretical organizers for understanding how individuals differ in their personality, interests and behaviours”.

5 Apesar de se tratar de um modelo do ajustamento pessoa-ambiente, Holland (1997) refere que o investimento feito na caracterização dos tipos de personalidade não foi acompanhado por igual investimento na caracterização dos ambientes profissionais.

6 A este propósito, Spokane, Meir e Catalano (2000, p. 142), afirmam que “several propositions in Holland’s (1997) restatement of his theory address the fluid nature of congruence and the social psychology of person-environment fit.

satisfying when environmental patterns resemble their personality patterns. This situation makes for stability of behavior because persons receive a good deal of selective reinforcement of their behavior; b) Incongruent interactions stimulate change in human behavior; conversely, congruent interactions encourage stability behavior. Persons tend to change or become like the dominant persons in the environment. This tendency is greater, the greater the degree of congruence is between the person and the environment. Those persons who are most incongruous will be changed least; c) A person resolves incongruence by seeking a new and congruent environment or by changing personal behavior and perceptions; d) The reciprocal interactions of person and successive jobs usually lead to a series of success and satisfaction cycles” (Holland, 1997, p. 53-54). Atendendo ao exposto, podemos, em jeito de síntese, sustentar que para Holland (1997) as relações pessoa-ambiente são dinâmicas, pois resultam da diversidade de estratégias que o indivíduo pode adoptar, e têm lugar ao longo de todo o ciclo da vida7, no sentido em que o ajustamento é um processo em constante actualização, desde o nascimento até à morte. Todavia, do nosso ponto de vista, no conjunto das proposições relativas à interacção pessoa-ambiente, fica por explicar, explicitamente, de que forma o indivíduo pode influenciar os ambientes em que está inserido, sejam eles educativos, profissionais ou de lazer.

No âmbito das relações pessoa-ambiente, Holland (1997) dá particular importância ao construto congruência8, o qual diz respeito à ocorrência de correspondência, ou compatibilidade, entre o tipo de personalidade do indivíduo e o tipo de ambiente onde está inserido. A hipótese relativa aos efeitos da congruência no

7 A perspectiva desenvolvimentista da carreira surge mais claramente na obra de 1997, na qual Holland refere: “In the theory, development over the entire life course can be understood as a long series of person-environment interactions in which people are modified and stabilized as the select, pass through, or avoid behavior situations that reject, select, and encourage some behavioral or personality repertoires more than others” (Holland, 1997, p. 61).

modo geral, demonstram que a congruência está relacionada com o desempenho, a satisfação, a persistência na resolução de tarefas e a estabilidade na escolha (Spokane et al., 2000; Zunker, 2006), sobretudo quando se consideram os ambientes mais proximais (Spokane et al., 2000), embora Tinsley (2000) defenda que, no âmbito do modelo Hexagonal de Holland, ainda está por demonstrar o valor da congruência enquanto preditor da satisfação e de outros comportamentos vocacionais. Neste mesmo sentido, Swanson e Gore (2000) referem que devido à falta de resultados mais conclusivos, os conselheiros devem ter alguns cuidados quando usam o conceito de congruência no âmbito das suas actividades de aconselhamento vocacional.

Todavia, um aspecto indiscutível do trabalho de Holland é a sua forte influência nas práticas de intervenção de carreira9 (Gottfredson10, 1999; Spokane, 1996; Spokane & Cruza-Guet, 2005; Spokane et al., 2002; Zunker, 2006), tal como se pode constatar pelos inúmeros instrumentos de avaliação psicológica e pela proliferação de programas de informação e de orientação que se inspiram no modelo RIASEC (ex. Vocational Preference Inventory-VPI, Holland, 1985; Escolha de Cartões Ocupacionais-ECO, Leitão, 2000; A Minha Situação Vocacional-AMV, Silva, 1997). Em síntese, e retomando aspectos referidos anteriormente, o modelo do Holland postula que as escolhas de carreira resultam da congruência entre o ambiente profissional e a personalidade do indivíduo (Holland, 1997), razão pela qual a intervenção vocacional

9 Guichard e Huteau (2002) defendem que o sucesso do trabalho do Holland se deve, acima de tudo, à facilidade com que se pode operacionalizar o modelo, quer na avaliação psicológica, quer na estruturação de programas de orientação escolar e profissional.

10 Gottfredson (1999), num trabalho de revisão intitulado - John Holland’s contribution to Vocational Psychology, refere-se ao impacto do trabalho deste autor na prática vocacional nos seguintes termos: “Holland’s contribution have revolutionized the provision of vocational assistance worldwide. It is an understatement to say that he has had a major influence on counseling practice. The popularity of counseling tools using his typologies, the size of the groups attending his presentations at national meetings of counselors and psychologists, the incorporation of his typology in the O*NET system, the translation of his tests into many languages, (…), the use of his ideas in career education in the schools, all attest that the influence on practice has been overwhelming” (p. 24).

deverá ter como principal finalidade o apoio ao cliente na exploração de uma alternativa profissional que lhe permita um ajustamento razoável, por via da expressão das suas capacidades, interesses e valores (Spokane et al., 2000; Zunker, 2006).

O segundo modelo conceptual integrado nesta análise é a Teoria do Ajustamento ao Trabalho (TWA), de Dawis e Lofquist (1984) e Dawis (1996, 2002, 2005). Utilizaremos como referências para este exercício analítico as últimas versões desta teoria, nomeadamente as publicadas por Rene Dawis nas terceira e quarta edições do livro – Career Choice and Development (Brown, Brooks & Associates, 1996; Brown & Associates, 2002), uma vez que as mesmas nos parecem representar melhor a actual natureza interaccionista da teoria (Dawis, 2005). O primeiro objectivo deste modelo foi abordar a questão da adaptação dos adultos ao trabalho, sendo que o seu campo de aplicação é hoje em dia muito mais amplo, pois abrange um conjunto muito diversificado de aspectos do desenvolvimento de carreira (Dawis, 2005; Guichard & Huteau, 2002, Zunker, 2006). Tal como o modelo de Holland (1997), a teoria do ajustamento ao trabalho (TWA) inspira-se nas abordagens Traço-Factor e assenta na psicologia diferencial, dando uma forte ênfase às questões da avaliação psicológica e da quantificação da informação. A correspondência entre as pessoas e os ambientes constitui um construto central na TWA que, no âmbito deste modelo teórico, é utilizado “to denote the mutual responsiveness of P (person) and E (environment). This mutual responding is what goes on in P-E interaction” (Dawis, 2002, p. 435). Neste sentido, o modelo postula que as pessoas estabelecem uma interacção dinâmica com os seus ambientes de trabalho, nos quais procuram desenvolver relações satisfatórias através de um processo de ajustamento contínuo (Patton & McMahon, 2006). Segundo Dawis (1996, 2002) os indivíduos têm certas necessidades (exigências) que podem ser satisfeitas pelo ambiente de trabalho e este, por sua vez, tem exigências que podem ser

ambiente é mutuamente satisfatória, consideramos que estes dois elementos são correspondentes. Contudo, esta correspondência, sendo um estado ideal, dura relativamente pouco tempo, pois quer os indivíduos quer os contextos, ou ambientes de trabalho, podem apresentar mudanças, dando lugar, por essa via, a um conjunto de novas tentativas para restabelecer um novo nível de ajustamento, capaz de conduzir à desejável manutenção do indivíduo no emprego (tenure) (Dawis, 1996). Neste sentido, o ajustamento consubstancia-se numa relação dinâmica e contínua entre as características do indivíduo (valores, competências, aspirações), passíveis de alteração, e aquilo que caracteriza o ambiente de trabalho (exigências e necessidades que pode satisfazer), também ele susceptível de mudança (Patton & McMahon, 2006). Neste processo, falamos em ajustamento activo quando os indivíduos se envolvem na modificação do seu ambiente, procurando atingir uma melhor correspondência com as suas características pessoais, enquanto no ajustamento passivo, pelo contrário, o indivíduo se envolve na modificação das suas próprias características, através do desenvolvimento de competências ou da alteração das suas prioridades (Dawis, 2002, 2005). Importa ainda acrescentar que, tal como os indivíduos, também os contextos de trabalho podem ser mais ou menos reactivos no processo de ajustamento (Dawis, 2002, 2005).

Com o passar do tempo, os indivíduos acabam por desenvolver um certo estilo de ajustamento11 (Dawis, 1996, 2005), que se traduz na flexibilidade, proactividade, reactividade e na perseverança com que encaram as situações de desajustamento. Como lembram Guichard e Huteau (2002), na TWA os estilos de ajustamento moderam a

11 Segundo Dawis (2005) “style variables are the newest additions to TWA. They are conceptualised to fill the gaps left in TWA’s account of the work adjustment process. Style variables are construed as traits, defined as a stable behavioural tendencies resulting from behavioural experiences over a considerable length of time” (p. 14).

correspondência entre o indivíduo e o ambiente, pois um mesmo estado de dissonância não será resolvido da mesma maneira por todos os indivíduos. Estes poderão ser mais ou menos tolerantes, ou mais ou menos flexíveis, perante as situações de desajustamento, dando lugar a uma grande amplitude de diferenças individuais nas estratégias utilizadas para repor a desejada correspondência. Neste sentido, para além dos atributos individuais e das características dos contextos de trabalho, a análise da interacção entre estes dois factores deve contar com o conhecimento do efeito moderador dos diferentes estilos de ajustamento. Em síntese, no que se refere à TWA, importa salientar, tal como sugere Dawis (2005), que se trata de um modelo teórico que pode ser utilizado de forma heurística para organizar os factos, apoiar a conceptualização e sugerir estratégias de intervenção de carreira.

Swanson e Fouad (1999) realçam que, de entre os vários paradigmas da Psicologia vocacional, as teorias do ajustamento têm o mérito de sublinhar a importância de ambos os elementos da “equação” no processo de ajustamento: o indivíduo e o contexto. Ainda segundo os autores acima referidos, são três os pressupostos subjacentes às teorias do ajustamento: 1) os indivíduos procuram ambientes que sejam congruentes com as suas características; 2) o grau de ajustamento está associado a aspectos como a satisfação e o desempenho; e 3) o processo de ajustamento é recíproco, na medida em que os sujeitos e os ambientes se influenciam mutuamente, sendo que este aspecto da reciprocidade dinâmica está, segundo Griffin e Hesketh (2005) e Patton e McMahon (2006), mais clarificado na Teoria do Ajustamento ao Trabalho. Deste ponto de vista, a interacção do sujeito com o contexto de trabalho pode resultar, então, num maior ou menor ajustamento (adaptação/coerência), sendo que o mesmo pode assumir duas facetas: é realizado quando o indivíduo está satisfeito e,

necessário considerar os seus interesses, as suas aptidões ou competências, as motivações e os valores, enquanto no contexto de trabalho devem ser salientadas, simultaneamente, as exigências que coloca aos indivíduos e as necessidades que é capaz de satisfazer. Ambos os modelos que temos vindo a analisar procuram antever o grau de correspondência entre os indivíduos e os respectivos contextos de trabalho, razão pela qual as propriedades destes dois factores devem ser descritas em função dos mesmos atributos. Assim, à luz dos principais postulados dos modelos do ajustamento, a organização das experiências de trabalho deve basear-se num conhecimento prévio das características dos alunos e das qualidades das instituições de acolhimento. Como defendem Feldman e Weitz (1990), tal como no trabalho remunerado, também nas experiências de trabalho precisamos de considerar o ajustamento entre as necessidades e competências do estudante e as exigências e oportunidades oferecidas pela organização de acolhimento. Para tal, os estudantes necessitam de ter uma clara noção dos seus interesses, valores e competências, assim como das características das instituições de acolhimento, as quais se traduzem nas exigências que colocam e nas oportunidades de aprendizagem que oferecem. Desta forma, o sucesso e a qualidade das experiências de trabalho parecem depender, tal como vimos no capítulo anterior, deste ajuste de expectativas entre as partes envolvidas (Barnett & Ryan, 2005; Feldman & Weitz, 1990; IFAPLAN, 1987; Misko, 1998; Smith et al., 2002; Taylor, 2006). Para promover o desejável ajustamento entre o estagiário e o contexto de trabalho, psicólogos e professores orientadores devem apoiar os alunos, quer ao nível do auto-conhecimento, quer na exploração da realidade ocupacional, sobretudo no que se refere às exigências e oportunidades oferecidas pelas empresas da área de formação dos respectivos cursos. De igual modo, as instituições de acolhimento devem ser informadas das finalidades das

experiências de trabalho e das características individuais dos alunos envolvidos. A concretização de tudo isto pode passar pela organização de seminários com as entidades de acolhimento, visitas de estudo, work-shadowing, exploração guiada de material informativo, avaliação psicológica e aconselhamento vocacional, entrevistas a profissionais, reuniões de preparação, acompanhamento e avaliação da experiência de trabalho. A qualidade desta actividade depende, então, do recurso sistemático a um conjunto de estratégias que aumentem o conhecimento que o aluno tem de si próprio e dos contextos profissionais que poderão corresponder aos seus valores, interesses e aptidões. A este propósito, Zunker (2006), reportando-se ao modelo de Holland (1997), sublinha a importância que a informação relativa ao self e ao meio têm no processo de tomada de decisão, quando afirma que “Knowledge of both occupational environment and corresponding modal personal orientation is, according Holland, critical to appropriate career decision-making” (p. 34). Todavia, no âmbito de uma experiência de trabalho, o conhecimento inicial rapidamente dá lugar a um processo de interacção dinâmica e de ajustamento contínuo entre o aluno e o contexto de trabalho, uma vez que, a par do desenvolvimento das competências técnico-profissionais, tem lugar uma restruturação das necessidades, dos interesses e dos valores. Esta ideia de que o ajustamento inicial é provisório, remete necessariamente para a relevância das actividades de acompanhamento e supervisão da experiência de estágio, as quais devem garantir os meios e o suporte necessários aos reajustamentos que certamente irão ocorrer ao longo de todo o processo de formação em contexto de trabalho. Neste âmbito, os supervisores e os professores orientadores devem estar particularmente atentos ao estilo de ajustamento dos alunos e dos contextos de trabalho, diferenciando a actividade supervisiva em função das particularidades de cada um deles e das correlativas interacções.