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Experiências de trabalho e desenvolvimento vocacional

3.2. Contributos das teorias psicológicas do desenvolvimento vocacional

3.2.3. Teoria da aprendizagem social

A Teoria da Aprendizagem Social do Aconselhamento de Carreira (LTCC) (Mitchell & Krumboltz, 1996)21 resulta do alargamento da Teoria da Aprendizagem

21 Na linha da sugestão de Mitchell e Krumboltz (1996), ao longo do texto usaremos a expressão - teoria da aprendizagem social do aconselhamento de carreira (LTCC) para nos referirmos ao conjunto constituído pelos dois segmentos do modelo, o primeiro, que explica o processo de tomada de decisão e, o segundo, que dá conta das suas implicações no aconselhamento de carreira.

Social da Tomada de Decisão de Carreira (SLTCDM) (Krumboltz, 1979) aos aspectos relativos às actividades de aconselhamento vocacional. Patton e McMahon (2006) consideram tratar-se de um dos primeiros modelos teóricos a atender simultaneamente ao conteúdo e ao processo de tomada de decisão, embora autores como Hesketh e Rounds (1995) tenham vindo a defender que o seu principal enfoque se encontra no processo e não no conteúdo da escolha. Inspirando-se nas mais recentes formulações da Teoria da Aprendizagem Social (e.g., Bandura, 1986), a LTCC procura explicar “how people become employed in the wide variety of available occupations” (Krumboltz, 1994, p. 17), ou, “why people enter particular educational programs or occupations, why they may change educational programs or occupations, and why they may express various preferences for different occupational activities at selected points in their lives (Mitchell & Krumboltz, 1996, p. 237), e tem na aprendizagem o seu principal construto. Efectivamente, este modelo teórico, estando alicerçado nos princípios da aprendizagem social, defende que os indivíduos desenvolvem as suas preferências pelas mais diversas actividades em resultado das múltiplas experiências de aprendizagem que vão tendo ao longo da vida. No entanto, embora valorize bastante o papel das experiências anteriores na explicação do comportamento vocacional, a LTCC reconhece a agência dos indivíduos, enquanto seres capazes de resolver problemas, de tomar decisões e de dar sentido às experiências que vão tendo ao longo da vida (Mitchell & Krumboltz, 1996).

Tal como nas perspectivas anteriores, a análise deste modelo procura, num primeiro momento, salientar o suporte conceptual da LTCC para as questões associadas à organização e realização de experiências de trabalho e, numa segunda fase, sugerir algumas implicações deste modelo para a intervenção vocacional.

de tomada de decisão: o património genético, as condições contextuais, as experiências de aprendizagem e a capacidade de abordagem da tarefa. No primeiro factor, o património genético, incluem-se, entre outros, aspectos como a raça, o sexo, a etnia e as características físicas. Os factores contextuais, por seu turno, dizem respeito a um conjunto de condições ou eventos (planeados ou não), que afectam a tomada de decisão, mas que normalmente estão fora do alcance do indivíduo, tais como: oportunidades de trabalho e de formação, políticas de educação, recursos naturais, desenvolvimento tecnológico e recursos financeiros e sociais da família. A aprendizagem, que pode ser associativa ou instrumental, é, como já referimos, um conceito central no modelo (Krumboltz, 1994; Mitchell & Krumboltz, 1996) e um dos quatro factores que influenciam o desenvolvimento da carreira. No que se refere à aprendizagem associativa, esta diz respeito ao desenvolvimento de atitudes ou crenças, positivas ou negativas, que resultam das associações que o indivíduo observa entre os estímulos do contexto. Como exemplo, Krumboltz (1994) faz referência à associação que os indivíduos podem encontrar entre certas profissões e um conjunto de características tidas como positivas ou negativas, lembrando ainda, que estas associações não têm necessariamente de ser consistentes, podendo mesmo apresentar-se como contraditórias. Neste mesmo sentido, Guichard e Huteau (2002) sublinham a relevância da aprendizagem associativa no domínio das escolhas vocacionais, sobretudo numa época em que muitas das mensagens difundidas pelos meios de comunicação (ex. televisão, revistas e Internet) parecem ter um forte impacto na formação de estereótipos relativos às actividades profissionais. Quanto às aprendizagens instrumentais, estas têm origem nas acções que o indivíduo leva a cabo no contexto, no sentido de obter consequências positivas, ou resultados que lhe sejam favoráveis (Mitchell & Krumboltz, 1996). No

domínio vocacional, é através desta modalidade de aprendizagem que os indivíduos desenvolvem preferência pelas actividades em que são bem sucedidos, ou recompensados, e tendem a perder interesse pelas actividades em que falham ou pelas quais não recebem qualquer tipo de recompensa, podendo mesmo vir a ser punidos (Krumboltz, 1994). Finalmente, o quarto factor, a capacidade de abordagem da tarefa, resulta da interacção dos três factores anteriores e remete para os hábitos de trabalho, os padrões de realização, os processos cognitivos e perceptivos e as respostas emocionais com que o indivíduo encara as novas tarefas ou problemas que tem de resolver.

Na sequência das complexas interacções que podem ter lugar entre os quatro factores que acabámos de referir, os proponentes deste modelo teórico identificam quatro categorias de resultados: as generalizações das observações de si, as generalizações das observações do mundo22, a capacidade de abordagem da tarefa e a acção. Mitchell e Krumboltz (1996) definem as primeiras nos seguintes termos: “an overt or covert self-statement evaluating one’s actual or vicarious performance or assessing one’s own interests and values” (p. 244). Considerando a definição apresentada, podemos afirmar que as generalizações das observações de si dizem respeito às avaliações que os indivíduos fazem acerca das suas aptidões, atitudes ou competências num determinado domínio, usando os desempenhos dos outros como principal referencial de comparação (Guichard & Huteau, 2002). Numa perspectiva de

life-span, estas generalizações são crenças que o indivíduo constrói acerca de si próprio,

tendo por base o feedback que vai recebendo das inúmeras experiências de aprendizagem que vai tendo ao longo da sua vida. De igual modo, os indivíduos também formam generalizações acerca dos contextos em que vivem e fazem uso dessas generalizações, ou crenças, para inferir o que poderá acontecer em situações futuras e

se estabelecem entre o self (generalizações das observações de si) e o mundo (generalizações das observações do mundo) são designados de capacidade de abordagem da tarefa, sendo que anteriormente já os consideramos nos factores que influenciam a tomada de decisão. No domínio vocacional, a capacidade de abordagem da tarefa refere-se à capacidade de explorar informação, de re-intrepretar os acontecimentos passados, de prever acontecimentos futuros, de pensar e valorizar as diferentes alternativas, de clarificar valores, de definir objectivos e de fazer planos (Guichard & Huteau, 2002). Por fim, de referir as acções, as quais representam o envolvimento dos indivíduos num conjunto de actividades relativas à tomada de decisão de carreira, tais como a procura de emprego ou a participação numa experiência de trabalho. O resultado do envolvimento neste tipo de acções irá gerar, por sua vez, alterações nas generalizações relativas ao self e ao mundo e, ao mesmo tempo, no modo como no futuro o indivíduo irá abordar tarefas tidas como semelhantes. É neste sentido que, no âmbito de uma sucessão de experiências de aprendizagem, a anterior pode sempre marcar a seguinte.

Retomando o construto central da teoria da aprendizagem social do aconselhamento de carreira (LTCC), importa sublinhar que as experiências de aprendizagem, instrumentais ou associativas, não têm uma tradução directa nas acções. Efectivamente, os indivíduos procuram dar sentido à sua própria realidade, construindo e organizando esquemas de crenças relativas ao self e ao mundo (Krumboltz, 1994), as quais, por sua vez, influenciam o modo como estes irão abordar as novas experiências de aprendizagem com que, eventualmente, terão de se confrontar. Se assim é, podemos afirmar que, à luz deste modelo teórico, a natureza e a diversidade das experiências tidas

no domínio vocacional poderá influenciar o desenvolvimento de competências, a (re)estruturação dos interesses e a reformulação das aspirações escolares e profissionais. Nesta ordem de ideias, quando nos reportamos aos alunos dos Cursos Tecnológicos e Profissionais, espera-se que as oportunidades de aprendizagem oferecidas no contexto de trabalho (diversidade e quantidade) e a avaliação que os alunos fazem das mesmas, venham a ter impacto na representação que têm si e do mundo do trabalho e, consequentemente, no modo como vão encarar a inserção profissional.

Neste mesmo âmbito, Watts (1996) salienta o valor da LTCC (Mitchell & Krumboltz, 1996), ao afirmar que este modelo teórico fornece um suporte muito específico para o desenho de intervenções neste domínio, na medida em que valoriza os

“conceitos de si” que o indivíduo desenvolve, em função das experiências que vai

tendo e da análise que faz das mesmas. Nesta linha de pensamento, a aprendizagem parece constituir o principal factor a ter em conta na definição de objectivos e na organização de qualquer intervenção que tenha como finalidade a preparação dos jovens para o mundo do trabalho, uma vez que da qualidade da mesma parece depender a maximização do desenvolvimento de carreira de cada aluno (Krumboltz, 1994). Esta preparação passa, nos dias de hoje, por mostrar aos jovens como podem alargar o seu leque de interesses e desenvolver as suas capacidades, e não apenas por lhes dizer como e onde encontrar a profissão mais adequada (Krumboltz, 1996; Krumboltz, 1998; Krumboltz & Worthington, 1999; Mitchell & Krumboltz, 1996), até porque isso, no contexto actual, é quase uma impossibilidade (Krumboltz, 2002). Assim, ainda segundo os autores anteriormente referidos, os jovens devem ser capacitados para actuar de acordo com as quatro grandes tendências que caracterizam as escolhas de carreira na sociedade moderna, as quais passamos a transcrever: 1) as escolhas fazem-se alargando

existentes; 2) a preparação deve fazer-se para um mundo profissional em mudança e não para profissões perfeitamente delimitadas e estáveis; 3) os indivíduos devem ser ajudados a desenvolver competências para gerir a sua própria carreira e 4) os conselheiros devem ajudar a integrar a dimensão vocacional nas outras dimensões da vida (Krumboltz, 1993; Krumboltz, 1996; Mitchell & Krumboltz, 1996).

No âmbito mais específico da preparação dos alunos para a realização de uma experiência de trabalho, estas quatro tendências podem ser utilizadas na qualidade de grandes linhas orientadoras das intervenções a levar a cabo. Primeiramente, os alunos devem ser ajudados a entender a experiência de trabalho que estão a realizar como uma das muitas em que irão participar ao longo da vida. Para tal, deverão possuir uma concepção dinâmica das suas próprias características e uma atitude favorável à actividade exploratória, pois, caso contrário, mostrar-se-ão muito pouco disponíveis para abraçar novas experiências de aprendizagem e para, em consequência das mesmas, abrir para novas possibilidades de desenvolvimento pessoal. Recorde-se que, a este propósito, à luz da LTCC, os interesses, as aptidões, as crenças, os valores, os hábitos de trabalho e as qualidades pessoais são factores passíveis de mudança em resultado das experiências de aprendizagem que os indivíduos vão vivendo (Krumboltz, 1996, 2002; Krumboltz & Worthington, 1999), o que reforça a ideia de que as experiências de formação em contexto de trabalho não servem apenas para desenvolver competências técnico-profissionais no âmbito de um processo de cristalização das opções vocacionais já tomadas. Muito pelo contrário, hoje em dia as experiências de trabalho devem ser entendidas como uma oportunidade para os alunos desenvolverem, ou reformularem, novos conceitos de si e novas leituras do mundo do trabalho, tidos como indispensáveis

na construção de uma carreira que se quer flexível, aberta,23 produtiva e, acima de tudo, satisfatória.

Em segundo lugar, a experiência de trabalho deve ser organizada de modo a preparar os alunos para os empregos do futuro, embora tenha de ter como ponto partida as competências requeridas na arquitectura actual das diferentes actividades profissionais. Neste sentido, a par do treino de um conjunto de competências específicas, relacionais e técnicas, a experiência de trabalho deve servir para o aluno antecipar as múltiplas configurações que um determinado domínio profissional pode vir a apresentar no futuro. Igualmente importante é fazer do período de estadia na empresa, ou na instituição de acolhimento, uma etapa de ensaio de competências de gestão de carreira, nomeadamente nas suas facetas mais operativas, como são a resposta a anúncios, a participação em entrevistas, a comunicação formal e informal com os diversos sectores da organização, a elaboração de cartas de apresentação e do

Curriculum Vitae, a participação em programas de formação, entre outros. Deste ponto

de vista, a preparação, ou o empowerment, dos estudantes no domínio das competências de gestão de carreira, deve passar a ser uma das principais finalidades das experiências de trabalho (Krumboltz & Worthington, 1999). Por último, é essencial que a experiência de trabalho seja encarada numa perspectiva mais alargada, onde, a par dos aspectos vocacionais e técnico-profissionais, se consideram as dimensões emocionais, relacionais e motivacionais, no sentido de se perceber qual o lugar que a mesma ocupa no projecto de vida do aluno. Em suma, do ponto de vista da LTCC é importante que os jovens frequentem formações de banda larga e tenham uma clara consciência de que irão percorrer diferentes actividades profissionais ao longo da vida, as quais, por sua vez, continuarão a ter impacto no seu desenvolvimento vocacional.

professores e às instituições de acolhimento, garantir a oferta de experiências de trabalho que preparem os alunos para os desafios que estes poderão ter de enfrentar, sempre que tenham de tomar decisões relativas à carreira. Aliás, como vimos anteriormente, proporcionar novas experiências de aprendizagem parece ser, à luz da LTCC, a base da preparação da carreira dos jovens (Blustein et al., 2000; Krumboltz & Worthington, 1999). Blustein (1999), reportando-se ao modelo de Krumboltz, afirma tratar-se de uma excelente aplicação da teoria da aprendizagem social ao processo de transição escola-mundo do trabalho, na medida em que sublinha a flexibilidade e a elasticidade que são inerentes à natureza humana. Assim sendo, este pressuposto é capaz de justificar as múltiplas intervenções que podem ser integradas nas actividades de preparação e acompanhamento dos alunos que realizam experiências de aprendizagem em contexto real de trabalho, tais como: prática simulada, desempenho de papéis, aprendizagem vicariante, desempenho de tarefas estruturadas para o sucesso, tutorias, intervenções cognitivo-comportamentais, consulta de material informativo em diversos suportes, entre outras (e.g., Krumboltz & Worthington, 1999; Mitchell & Krumboltz, 1996). Tomando os aspectos mais relevantes do percurso de aprendizagem de cada aluno, estas intervenções partem da identificação das crenças relativas ao self e ao mundo, para, posteriormente, os ajudar num processo de reestruturação cognitiva que lhes permita alcançar um maior nível de realismo,24 nomeadamente, quando têm de tomar decisões relativas à carreira, como será o caso das que estão associadas à realização de um estágio curricular. Neste contexto, o recurso a instrumentos de avaliação psicológica (interesses, valores, aptidões, crenças relativas à carreira) pode ser uma mais-valia na caracterização da trajectória do aluno e na definição de um conjunto

24 Segundo Zunker (2002, p. 40), na teoria da aprendizagem social, “identifying content from which certain beliefs and generalizations have evolved is a key ingredient for developing counseling strategies for individuals who have problems making career decisions”.

de novas experiências de aprendizagem (Krumboltz, 2002; Mitchell & Krumboltz, 1996) capazes de promover o desenvolvimento das competências necessárias aos processos de transição para novos contextos.

Em resultado das intervenções que eventualmente possam ser levadas a cabo, é importante que os alunos se sintam capazes de bons desempenhos no contexto de trabalho (generalizações das observações de si), que saibam relacionar o que aprenderam na escola com as exigências do contexto real de trabalho (generalizações das observações do mundo) e que apresentem as competências, os hábitos e os

processos cognitivos necessários a uma boa integração (capacidade de abordagem da

tarefa). Segundo Krumboltz e Worthington (1999) o sucesso de qualquer intervenção deste tipo depende do impacto que possa vir a ter nas dimensões que acabámos de referir, uma vez que as mesmas estão na base das decisões que podem conduzir a carreiras produtivas e satisfatórias.