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A qualidade das experiências de trabalho em função das actividades desenvolvidas e das relações sociais vividas

Experiência de trabalho: conceito, finalidades e qualidade

2.4. A qualidade das experiências de trabalho

2.4.2. A qualidade das experiências de trabalho em função das actividades desenvolvidas e das relações sociais vividas

Na análise que vamos empreender neste ponto do presente capítulo, a noção de qualidade da experiência de trabalho remete-nos especificamente para os conteúdos de

indivíduos desempenham no seu local de trabalho (Van Vianen, De Pater & Preenen, 2008). Em termos globais, um posto de trabalho é considerado de elevada qualidade quando oferece diversas oportunidades de aprendizagem, encoraja a responsabilidade, promove o desenvolvimento de competências profissionais e o estabelecimento de relações sociais de apoio e de suporte. De acordo com esta definição, é importante lembrar que, no essencial, a qualidade das experiências de trabalho está associada à riqueza das aprendizagens realizadas pelos alunos e à reflexão que estes fazem a propósito das mesmas (e.g., Billett, 2004; Blackwell et al., 2001; Petherbridge, 1996; Smith & Harris, 2000; Watts, 1996). No caso específico dos cursos profissionalizantes, a qualidade da aprendizagem oferecida no contextode trabalho é um aspecto fortemente desejável, uma vez que a investigação tem vindo a demonstrar que as experiências em contexto real de trabalho são a melhor forma de integrar as dimensões profissionais nos currículos escolares dos alunos (Barnett & Ryan, 2005).

Passemos então a apresentar as dimensões mais frequentemente consideradas em alguns dos estudos que procuraram avaliar a qualidade das experiências de trabalho, relacionando-a com o desenvolvimento pessoal e vocacional dos indivíduos.

Em 1996, Carr, Wright e Brody, no âmbito de um estudo longitudinal que procurou analisar os efeitos da experiência de trabalho no desempenho escolar dos jovens, sublinharam a necessidade de, no futuro, se passar a incluir nas investigações um maior número de elementos relativos às características das experiências de trabalho, como as oportunidades de aprendizagem e a diversidade de tarefas, pois, segundo estes autores, estas qualidades poderão esclarecer melhor as relações que procuraram estudar. Por sua vez, Barling e Kelloway (1999), na introdução ao seu livro – Young workers

varieties of experience, referem que os estudos desenvolvidos neste domínio têm

gradualmente orientado a sua atenção para as diferentes qualidades das experiências de trabalho, ao mesmo tempo que perdem importância as dimensões mais clássicas, como

o número de horas (duração da experiência de trabalho) e o estatuto perante o trabalho (estudantes com versus estudantes sem experiência de trabalho). Genericamente, a qualidade das experiências de trabalho inclui uma grande diversidade de dimensões psicossociais e operativas do contexto de trabalho, das quais os autores destacam as seguintes: autonomia, diversidade de tarefas, stresse ocupacional, oportunidades para desenvolver novas competências, orientação e feedback do supervisor, relações com colegas, oportunidade para aprender coisas novas e congruência entre a escola e o contexto de trabalho (Barling & Kelloway, 1999; Loughlin & Barling, 2001). Num dos primeiros estudos que se debruçou especificamente sobre a questão da qualidade das experiências de trabalho, Greenberger e colaboradores (1982) usaram três dimensões para diferenciar as diversas experiências de trabalho: oportunidades para aprender, oportunidades para usar a iniciativa e oportunidades para interagir com os outros (adultos e pares). Stern e colaboradores (1990), por seu turno, numa investigação que também é um marco neste domínio, estudaram a relação entre as qualidades das experiências de trabalho e as atitudes dos estudantes perante o trabalho. Os participantes foram diferenciados em três grupos: a) com experiência de trabalho supervisionada; b) com experiência de trabalho não supervisionada e c) sem experiência de trabalho. No que diz respeito às características do trabalho, as dimensões consideradas foram: uso de competências, aprendizagem de competências relevantes para o futuro profissional, uso das competências específicas aprendidas na escola e relações com pessoas que não colegas de escola, sobretudo mais velhas (acima dos 30 anos). Neste caso, foi dada especial atenção aos aspectos associados às oportunidades de aprendizagem, ao desenvolvimento de competências e às relações sociais, designadamente às relações supervisivas. Stern e colaboradores (1997) também destacam o papel da supervisão da experiência de trabalho, no estudo longitudinal que conduziram junto de estudantes do

duas modalidades de formação experiencial, Stasz e Brewer (1998) avaliaram a percepção dos estudantes relativamente à qualidade do trabalho, em três indicadores: complexidade cognitiva (ex. aprender a aprender, tomada de decisão, uso e desenvolvimento de competências, resolução criativa de problemas); complexidade física (ex. tempo dedicado no uso dos equipamentos); e competências sociais (ex. lidar com pessoas, relações com adultos). Mais recentemente, o estudo levado a cabo por Stone e Josiam (2000) é, de entre os trabalhos por nós consultados, aquele que incluiu um maior número de dimensões para avaliar a qualidade das experiências de trabalho, cerca de dezoito. Para além das dimensões já referidas, surgem aspectos como: lidar com pessoas, escrever, ler e fazer cálculos, desafio físico, competências SCAN9 e aplicação das aprendizagens específicas realizadas na escola. No contexto Australiano, Carless, Couzin-Wood, Duncan, Imber, Munro e Novatsis (2003) avaliaram a qualidade do estágio de um grupo de estudantes de uma pós-graduação em Psicologia das Organizações, recorrendo a quatro indicadores de qualidade: a autonomia, a responsabilidade, o feedback do supervisor e as oportunidades de aprendizagem. Por sua vez, Brooks e colaboradores (1995), num dos estudos que mais especificamente procurou estudar as relações entre as características dos estágios e o desenvolvimento de carreira, recorreram ao Job Diagnostic Survey, de Hackman e Oldham, 1975. Este inventário, que é um dos mais utilizados na avaliação das características do trabalho (Cunha & Marcelino, 2001), mede a percepção do indivíduo em seis características do trabalho: variedade, autonomia, identidade da tarefa, feedback, relações com os outros e oportunidade para desenvolver amizades. Já em 1998, Loughlin e Barling estudaram as relações entre as características do trabalho a tempo parcial e as atitudes e aspirações

9 SCANS – Secretary’s Commission for Achieving Necessary Skills – produced a set of five competencies (characteristics and behavior of effective work-based behavior that transfer across occupations) and a three-part foundation of skills deemed necessary for successful job performance: the five competencies include the ability to use productively (1) resources, (2) interpersonal skills, (3) information, (4) systems, and (5) technology (Blustein, Juntunen & Worthington, 2000, p. 439).

dos adolescentes, utilizando como medida da qualidade o Job Characteristic Survey, de Hackman e Oldhams (1980), designadamente as dimensões autonomia e variedade de tarefas. Para além dos itens retirados deste instrumento, Loughlin e Barling (1998) construíram um dispositivo que serviu para avaliar a ambiguidade, o conflito de papéis e as relações interpessoais. Mael, Morath e McLellan (1997), situando-se numa abordagem metodológica um pouco diferente, recorreram a um painel de doze juízes para avaliar a qualidade do trabalho dos adolescentes em quatro grandes sectores de actividade: retalho e serviços, construção, administrativo, e educação/serviço social. Recorrendo ao JDS (Hackman & Oldham, 1975), a variável qualidade do trabalho resultou então do somatório das pontuações obtidas em cada uma das dimensões do instrumento.

Mais recentemente, em 2002, Mortimer e colaboradores estudaram o impacto da qualidade do trabalho na saúde mental dos jovens. Para tal, consideraram quatro categorias de indicadores: recompensas extrínsecas (salário, satisfação com o salário e uso dado ao dinheiro), recompensas intrínsecas (uso de competências, aprender coisas novas, utilidade do que aprenderam relativamente aos projectos futuros e desafios mentais e físicos), indutores de stresse (excesso de trabalho, condições de trabalho) e, por fim, compatibilidade entre a vida escolar e o trabalho. Ainda no âmbito dos dados recolhidos no Youth Development Study (YDS), Mortimer (2003) procurou avaliar a qualidade das experiências em função dos padrões de investimento no trabalho (ocasional, esporádico, estável e de forte investimento), sendo que para tal utilizou, entre outros, os seguintes indicadores de qualidade: oportunidades de aprendizagem, oportunidades específicas de aprendizagem, progressão na carreira, segurança, suporte do supervisor, envolvimento psicológico, e indutores de stresse. Barling, Kelloway e Iverson (2003), num estudo que intitulam – “High-quality work, job satisfaction, and

relativas à qualidade do trabalho em equipa e ao nível de descentralização da tomada de decisão.

Em síntese, podemos salientar que foram diversos os indicadores contemplados nos estudos que apresentámos anteriormente, embora alguns deles só façam sentido quando nos reportamos ao trabalho remunerado. Do nosso ponto de vista, esta diversidade de indicadores relativos à qualidade das experiências de trabalho sublinha, por si só, a multiplicidade de aspectos que podem ser considerados nos processos avaliativos e na investigação levada a cabo neste domínio, sendo que o critério de inclusão de um ou outro indicador vai depender, obviamente, das finalidades do estudo em questão. No que se refere especificamente à avaliação da qualidade das experiências de trabalho dos alunos dos cursos Tecnológicos e Profissionais do ensino secundário, as finalidades que estruturam estas actividades curriculares, podem, do nosso ponto de vista, servir de critério para a construção de um conjunto de indicadores da qualidade. Além disso, o processo avaliativo destas modalidades de formação deve incluir sempre um lote de medidas “universalmente” aceites para a avaliação da qualidade das experiências de trabalho que são organizadas ao abrigo do desenho curricular de qualquer curso profissionalizante, tais como as oportunidades de aprendizagem, a autonomia, o suporte e a supervisão.

2.5. Síntese

Ao longo deste capítulo procurámos delimitar o conceito de experiência de trabalho, dando conta das suas diferentes definições e dos diversos termos usados, quer na investigação, quer nos textos de política educativa-formativa. Tratando-se de um conceito de grande importância, a sua delimitação conceptual não tem merecido, contudo, grande investimento por parte dos investigadores (Quiñones, 2004), razão pela

qual a introdução de modelos conceptuais como o de Quiñones e colaboradores (1995) e, posteriormente, o de Tesluk e Jacobs (1998), poderá ser um forte estímulo à investigação que se faz neste domínio. No que se refere às finalidades das experiências de trabalho, estas são diversas, nem sempre explícitas, e resultam, em certa medida, do ponto de vista adoptado. Por fim, a delimitação conceptual da ideia de qualidade da experiência de trabalho não se revelou, num primeiro momento, uma tarefa de fácil concretização, sobretudo porque se trata de uma questão dispersa por várias áreas ou campos disciplinares, como as Ciências da Educação, a Sociologia, a Psicologia Vocacional e a Psicologia do Trabalho e das Organizações. Além disso, o interesse pela qualidade das experiências de trabalho dos jovens é, como vimos, um fenómeno relativamente recente, cujo enfoque principal se tem situado quase exclusivamente nos seus aspectos mais organizativos. Contrariando esta abordagem de tipo burocrático, procurámos desenvolver uma análise mais abrangente, que incluísse facetas associadas aos conteúdos e às relações sociais vividas no contexto de trabalho, tendo em consideração o papel diferenciador que estes aspectos parecem ter no desenvolvimento pessoal e vocacional dos jovens.

CAPÍTULO 3