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1.5. Relações entre formação inicial e mercado de trabalho: papel dos cursos Tecnológicos e Profissionais do ensino secundário

1.6.4. Os projectos escolares e profissionais

Se atendermos à crescente heterogeneidade da população discente ao nível do ensino secundário (Azevedo, 2000; DES, 1998; GEPE, 2008), somos levados a considerar que são diversas as formas como estes jovens se relacionam com “tempo futuro”, nomeadamente no que diz respeito ao papel da formação inicial na concretização dos seus projectos de vida/carreira.

Ao analisarmos a relação que os alunos estabelecem com o seu futuro escolar e profissional, podemos entrar no seu universo simbólico, ultrapassando as limitações das caracterizações de natureza mais estrutural, as quais se ficam normalmente pela análise

dos indicadores sócio-demográficos. Assim, percorrer os projectos escolares e profissionais dos alunos permite-nos, de certa forma, conhecer o lugar que o curso ocupa na relação que os jovens estabelecem com as metas que pretendem alcançar, tanto no domínio pessoal, quanto no âmbito vocacional. Mais precisamente, interessa-nos perceber qual o “uso” que os alunos pensam dar aos “créditos” (Cabrito, 1994) que recebem, em virtude da qualificação que estão a adquirir, por via da frequência de um curso secundário profissionalizante.

Gamboa (2000), no estudo já anteriormente referido, procurou conhecer os projectos escolares e profissionais dos alunos dos cursos Tecnológicos, em três momentos distintos: curto, médio e longo prazo. Nos projectos de curto prazo (3 anos), a “inserção profissional” não surge como a resposta mais frequente. Neste horizonte temporal, os alunos apostam no prolongamento da trajectória escolar, a qual pode adquirir a forma de um curso superior ou de uma formação especializada. É no que respeita ao prolongamento da trajectória escolar, através de um curso superior, que o investigador encontrou algumas especificidades, tendo em conta as diferentes condições de caracterização dos jovens. Os dados revelaram que são as raparigas que apresentam maior propensão para dar continuidade aos estudos no ensino superior. São também os alunos mais novos, com percurso escolar mais bem sucedido, os que apostam em trajectórias mais longas (Gamboa, 2000). Tendo em conta a modalidade de formação, o estudo de Alves e colaboradores (2001) revela que são principalmente os alunos das escolas profissionais (67.3%) e dos cursos Tecnológicos (76.9%) aqueles que pretendem manter a sua condição de estudantes ingressando no ensino superior, apesar de apenas uma pequena minoria (16.1%) conseguir apontar o curso que pensa vir a frequentar.

Atendendo ao exposto, podemos então admitir que os alunos dos cursos profissionalizantes do ensino secundário não se relacionam de forma uniforme com o futuro escolar e profissional (longo prazo). Efectivamente, os resultados do estudo de Gamboa (2000) revelam que enquanto a maior parte dos alunos consegue colocar no seu futuro um conjunto de metas de natureza escolar e profissional, outros há que manifestam forte resistência ou dificuldade em fazê-lo. Para aqueles que se projectam, são as raparigas que, em horizontes temporais mais alargados, já incluem objectivos associados à “família”. Por seu turno, os rapazes, no mesmo horizonte temporal, continuam comprometidos com a “carreira”. Ainda segundo o estudo anteriormente referido, o “curso Tecnológico” de pertença também tem efeitos diferenciadores na forma como os jovens se projectam no futuro profissional, o que levanta a hipótese de os processos ensino-aprendizagem, que têm lugar adentro de cada área de formação, operarem diferenças na formação da relação que os alunos constróem com o mundo do trabalho. Machado Pais (1993) refere que esta dificuldade ou resistência que alguns jovens apresentam na definição de metas de natureza escolar e profissional se pode ficar a dever há existência de grandes dúvidas relativamente ao futuro ou a ausência efectiva de projectos futuros.

1.7. Síntese

As ofertas de formação de nível secundário têm vindo a diversificar-se e a acolher um número cada vez maior de alunos. As finalidades das duas alternativas de formação aqui analisadas são muito próximas, apesar dos seus desenhos curriculares apresentarem algumas diferenças, nomeadamente ao nível da componente de formação técnica dos cursos. Em termos de política educativa, a grande questão parece ser - qual o lugar que o ensino secundário profissionalizante deve ocupar no desenho do sistema

educativo português. Efectivamente, as constantes revisões do secundário, embora possam resultar do grande dinamismo dos agentes da educação, traduzem as dificuldades sentidas na resolução de velhos problemas. De facto, a par dos novos mandatos atribuídos à escola, persistem problemas no sistema educativo que urge resolver, nomeadamente a deficiente preparação técnica de muitos jovens que entram no mercado de trabalho e as disfunções entre as novas necessidades do mercado de trabalho e as ofertas educativas tradicionais. Neste contexto, os cursos Tecnológicos e os cursos Profissionais surgem para responder à necessidade de se qualificar recursos humanos de nível secundário, sendo a obrigatoriedade do estágio e da formação em contexto de trabalho a medida que melhor representa este esforço. No entanto, a crescente complexidade que caracteriza as relações entre a educação e o mundo do trabalho questiona muitos dos pressupostos que têm legitimado as reformas educativas a que temos assistido, quer no plano interno, quer a nível internacional. As teorias da não- correspondência surgem actualmente como um novo quadro alternativo na interpretação das relações entre a escola e a economia, salientando que para além de difícil não é desejável uma subordinação da educação face ao sistema económico.

No âmbito desta nova ordem de relações entre a educação e o mundo do trabalho, o estágio, enquanto via privilegiada de aproximação da formação ao mundo do trabalho, pode ajudar a superar algumas das dificuldades que ainda subsistem nos sistemas de formação inicial, tendo para isso que ser enriquecidas as suas finalidades e incrementada a sua qualidade. Além deste aspecto, no “lado da procura”, tem-se vindo a reconhecer que a agência de cada aluno tem um papel determinante nas estratégias subjacentes à construção dos seus percursos escolares e profissionais, não sendo de esperar, por essa razão, que o período de formação em contexto de trabalho tenha um impacto idêntico em todos os alunos. É ainda neste novo quadro de relações educação-

economia, que continuamos a constatar que são os jovens com reduzido capital escolar e com insucesso nas suas trajectórias escolares os que mais frequentemente optam por estas vias de formação, lembrando que velhas representações associadas ao ensino profissionalizante ainda são determinantes nas decisões vocacionais dos alunos.

CAPÍTULO 2