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CAP 2 O ROMANCE COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DA DRAMATURGIA

2.1 Sobre o surgimento, o conteúdo de representação e a linguagem do romance

2.1.2 As formas da grande épica na visão de Lukács

O interesse em trazer as ideias de Lukács para esta pesquisa surgiu inicialmente da provocação do prefácio escrito pelo dramaturgo Geraldo Carneiro para a edição comemorativa dos trinta anos do romance Viva o povo brasileiro. Carneiro escreve:

Também tentarei resistir à tentação de mencionar duas ou três ideias do filósofo húngaro Georg Lukács, autor de uma pouco mencionada, porém imprescindível, Teoria do Romance, na qual discute a génese histórica e filosófica da espécie. Seria interessante que especialistas comparassem Viva o

povo brasileiro com reflexões em que Lukács sugere, por exemplo, que: “O

Romance é a epopeia de um mundo sem deuses: a psicologia do herói romanesco é demoníaca, a objectividade do romance é a viril e madura constatação de que nunca o sentido poderia penetrar de lado a lado a realidade e que portanto, sem ele, esta sucumbiria ao nada e à inessencialidade.” (LUKÁCS 2009: 89 apud CARNEIRO 2014:17)

Carneiro na sua sucinta apresentação coloca uma suspeita sobre a possibilidade de se analisar a estrutura do romance de João Ubaldo sob a óptica da arquitectura conceitual do filósofo húngaro. O escritor se diz intrigado por compreender se “as ideias de Lukács seriam prisioneiras de um eurocentrismo congelado no tempo, enquanto, na periferia do Ocidente, a história se reinventa num romance made in Bahia.” (CARNEIRO 2014: 18). Nesta curta investida não temos a pretensão em responder às suas inquietações, mas não foi possível resistir ao interesse em conhecer um pouco mais da visão de Lukács na sua Teoria do Romance, obra marcante da sua fase juvenil, concebida “sob um estado de ânimo de permanente desespero com a situação mundial”, portanto, antes de o filósofo fazer uma guinada na sua produção intelectual em direcção ao pensamento estético domarxismo, posição que seria determinante na sua história de vida. (LUKÁCS 2009:8)

A Teoria do romance, apesar de criticada por alguns pelas abstracções e falta de enquadramento histórico e, posteriormente, rejeitada em parte pelo próprio Lukács, que entendeu que ela foi uma tentativa fracassada em sua concepção e projecto, é considerada, no entanto, por muitos estudiosos uma valiosa contribuição na investigação acerca desse género literário. Com a necessidade de entender um pouco mais sobre o que poderia aproximar o romance moderno, enquanto estrutura literária, da dramaturgia teatral, decidi que seria pertinente a inclusão das ideias de Lukács nesta pesquisa. Esta pertinência foi confirmada ao verificar que tanto no precioso artigo que Theodor Adorno escreveu sobre a Posição do narrador no romance contemporâneo, como no ensaio antológico de Walter Benjamin sobre o Narrador, a teoria do filósofo húngaro é resgatada com destaque:

Quarenta anos atrás, em sua Teoria do romance, Lukács perguntava se os romances de Dostoiévski seriam as pedras basilares das épicas futuras, caso eles mesmos já não fossem essa épica. De fato, os romances que hoje contam, aqueles em que a subjectividade liberada é levada por sua própria força de gravidade a converter-se em seu contrário, assemelham-se a epopeias

negativas. São testemunhas de uma condição na qual o indivíduo liquida a si mesmo, convergindo com a situação pré-individual no modo como esta um dia pareceu endossar o mundo pleno de sentido. (ADORNO 1980: 62)

Sobre este aspecto agradecemos a Georg Lukács no esclarecimento importantíssimo que nos dá quando vê no romance “a forma de desenraizamento transcendental”. Ainda segundo Lukács, o romance é a única forma que engloba o tempo entre os elementos que a constituem. Na sua “Teoria do Romance” ele diz-no que “o tempo só pode, pois ser parte constitutiva quando perde a sua ligação com a pátria transcendental. (BENJAMIN 1992:45)

No conjunto da produção intelectual de Lukács, a Teoria do romance, escrita entre 1914 e 1915, quando o autor tinha apenas vinte e nove anos, marca a segunda fase da sua produção estética. O próprio Lukács identifica esta sua produção como fruto da fase do pensamento do idealismo objectivo, em oposição ao subjectivo, que caracterizou a sua produção intelectual anterior. No prefácio para o ensaio, que o autor só viria a escrever em 1962, podemos compreender o contexto histórico da sua escrita e a sua metodologia. Lukács esclarece:

Uma coisa é clara: esse repúdio da guerra e, com ele, da sociedade burguesa da época era puramente utópico; nem sequer no plano da intelecção mais abstrata havia na época algo que mediasse minha postura subjetiva com a realidade objetiva. Metodologicamente, porém, a consequência mais importante foi que, a princípio, não senti necessidade alguma de submeter a minha visão de mundo, o método do meu trabalho científico etc. à avaliação crítica. (LUKÁCS 2009: 8)

Ainda no prefácio, Lukács indica que figura como um ponto essencial na concepção da obra a relação das chamadas ciências do espírito com a filosofia de Hegel. Foi em função da sua estreita relação com o intelectual alemão Max Weber que Lukács se aproximou das ciências do espírito, ou, como ele denominou posteriormente, filosofia da vida, uma vez que estas ciências abordariam as manifestações da vida no mundo social e histórico.

Que eu saiba, a Teoria do romance é a primeira obra das ciências do espírito em que os resultados da filosofia hegeliana foram aplicados corretamente a problemas estéticos. Sua primeira parte, a mais genérica, é definida essencialmente por Hegel: tal é o caso da contraposição das espécies de totalidade na épica e no drama, tal é o caso da noção histórico-filosófica da correspondência e do antagonismo entre epopeia e romance etc. (LUKÁCS 2009: 1)

Cabe detalhar um pouco mais sobre as ideias que influenciaram Lukács e citar que Wilhelm Dilthey (1833-1911), filósofo alemão fundador da chamada ciência do espírito, ideologia que predominou no período imperialista alemão, defendia que todas as categorias da realidade objectiva estavam contidas na vivência do sujeito e que só através da experiência de vida autêntica este sujeito teria a possibilidade de adquirir algum conhecimento da realidade. Defendia ainda que só através da experiência psicológica o sujeito poderia adquirir algum elemento para compreender o seu mundo histórico-social. Lukács, no auge da sua juventude, foi extremamente influenciado por essas ideias e, portanto, acreditava que a experiência com uma obra de arte correspondia à vivência de uma realidade. Para o filósofo, interessado nas categorias reais e objectivas da arte, a intuição não pode ser uma ponte para a apreensão efectiva da realidade. A arte, segundo Lukács, é uma instância real e objectiva, um campo autónomo, e só dela mesmo deve surgir um debate sobre o seu complexo categorial.

Somente através da autocrítica de Lukács, exposta no prefácio à obra, é que tomamos conhecimento de que anos depois o filósofo húngaro, diferente do seu pensamento na época da escrita da Teoria do romance, passou a defender que a filosofia da ciência do espírito continha sinais do positivismo e que as suas premissas apresentavam algum desprezo à razão e valorizavam, em excesso, o aspecto intuitivo dos factos, assim as suas ideias apresentadas na Teoria do romance tenderam para a formulação de conceitos geraissintéticos, consequência da pouca captação dos traços da realidade. Lukács, já maduro, observa que esta valorização da intuição não contribuiu para que a metodologia aplicada na sua Teoria encontrasse a solidez necessária para a exacta percepção dos factores constitutivos do romance.

Mas voltemos ao tempo da escrita da sua Teoria do romance. Lukács assinala que as duas concretizações da grande épica, a epopeia e o romance, não são diferentes em razão das intenções configuradoras, mas sim pelos dados histórico-filosóficos com que se deparam para realizar a própria configuração. Ao discorrer sobre a epopeia, Lukács aponta a existência de uma pergunta da qual esta forma épica nasce como resposta configuradora: “como pode a vida tornar-se essencial?” (LUKÁCS 2009:27). O filósofo entende que na epopeia há uma identificação entre o ser e o destino, entre a vida e a essência. Estamos diante de um mundo homogéneo, de formas perfeitas, um mundo sem caos, um mundo acabado e sem abismos.

A estética hegeliana foi referência para muitos outros filósofos, mas em especial para Lukács, que na sua Teoria se apropria de dois pontos: a historicização das categorias estéticas e o princípio de que o romance é a forma literária representativa da modernidade. Lukács considera que o romance é “a epopeia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para o qual a imanência do sentido à vida se tornou problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade” (LUKÁCS 2009: 55). Para Lukács, o romance moderno avança firmemente em direcção ao universo interior da personagem, em direcção aos conflitos da sua intimidade. Há no romance uma ruptura com o mundo exterior. Se na epopeia conhecemos o ápice da relação do herói, representante do seu povo, com a sua comunidade, já no romance o poeta, gradativamente, abandona os problemas da personagem em relação ao mundo que está ao seu redor e passa a valorizar os seus conflitos internos. Na explicação de Georg Lukács:

O indivíduo épico, o herói do romance, nasce desse alheamento em face do mundo exterior. Enquanto o mundo é intrinsecamente homogéneo, os homens também não diferem qualitativamente entre si: claro que há heróis e vilões, justos e criminosos, mas o maior dos heróis ergue-se somente um palmo acima da multidão de seus pares, e as palavras solenes dos mais sábios são ouvidas até mesmo pelos mais tolos. A vida própria da interioridade só é possível e necessária, então, quando a disparidade entre os homens tornou-se um abismo intransponível; quando os deuses se calam e nem o sacrifício nem o êxtase são capazes de puxar pela língua de seus mistérios; quando o mundo das acções desprende-se dos homens e, por essa independência, torna-se oco e incapaz de assimilar em si o verdadeiro sentido das acções, incapaz de tornar-se um símbolo através delas e dissolvê-las em símbolos; quando a interioridade e a aventura estão para sempre divorciadas uma da outra. (Ibidem 66)

Influenciado na segunda fase da sua produção intelectual pela orientação estética Hegeliana, o jovem Lukács não hesitaria em afirmar que o romance é a forma literária que melhor representa a vida burguesa e o mundo moderno e que, no início do século XIX, esta forma da grande epopeia destrona o drama e passa a ocupar uma posição central na hierarquia literária. Para Lukács, o romance é para a sociedade burguesa aquilo que o género épico representou para a sociedade grega, e que, com as suas novas características, pode ser capaz de dar contornos formais à realidade exterior da vida e configurar a sua totalidade extensiva.

Para o jovem Lukács de A teoria do romance, o romance, como género épico da modernidade, toma da epopeia clássica a sua finalidade, de

da vida. Contudo, como expressão de uma existência humana histórica diversa e oposta à comunidade ética antiga, o romance se desenvolve também como uma forma oposta à epopeia clássica. (COTRIM 2011:572)

Nesse novo género o herói não enfrentará mais a força divina. Abandonado pelos deuses, solitário, ele vive num “desabrigo transcendental” (LUKÁCS 2009:38). Neste novo mundo não há mais espaço para o herói épico da antiguidade grega. Nestes novos tempos, o herói fragmentado do romance virou um sujeito inquieto com muitos problemas pessoais. Nestes novos tempos os autores se interessam mais pelas questões relativas à natureza humana do que pelas questões do viver colectivo. No romance moderno a verdadeira guerra do herói será contra o seu interior. A história contada representa a busca do indivíduo por um sentido na vida, por uma identidade, e a sua constante luta em vencer a solidão e reagrupar o seu mundo. A busca de como tornar a vida essencial dá lugar à luta por encontrar um sentido para ela. Nestes novos tempos o homem e o mundo não formam mais uma totalidade orgânica e harmónica como na épica antiga.

Cabe ao autor do romance, com a sua ética, a criação desta nova totalidade ficcional, que sistematizada abstractamente será justamente o “fundamento último sobre o qual tudo se constrói, mas na realidade dada e configurada vê-se apenas sua distância em relação à vida concreta, como convencionalidade do mundo objectivo e como exagerada interioridade do mundo subjectivo.” (ibidem 70). A totalidade no romance, segundo Lukács, é um sistema de conceitos deduzidos e que, portanto, em seu carácter imediato, não entra em apreço na configuração estética. Para Lukács, a forma interna do romance é estabelecida pela caminhada de um indivíduo problemático, desorientado, em busca de si mesmo, em busca de um sentido para a sua vida. Ou seja, a forma interna é constituída por um processo de desenvolvimento individual que ocorre quando se caminha “desde o opaco cativeiro da realidade simplesmente existente, em si heterogénea e vazia de sentido, para o indivíduo, rumo ao claro autoconhecimento”. (Ibidem 82)

Lukács acrescenta que a forma biográfica é a possibilidade de configuração mais apropriada para a forma interna deste processo que abrange a vida humana. Quando aponta para a forma biográfica, Lukács não quer dizer que a configuração do romance deve estar balizada rigorosamente pelo começo e pelo fim natural da vida. O que Lukács verifica é que, por menos que o romance esteja ligado directamente ao

nascimento e morte da personagem, a obra deve indicar o único segmento essencial determinado pelo problema através destes dois marcos determinantes da vida. Será em relação ao problema determinado que o autor abordará tudo que ocorreu antes ou depois na vida da personagem. Para Lukács, a tendência do romance “é desdobrar o conjunto de sua totalidade épica no curso da vida que lhe é essencial.” (ibidem 83). Este formato biográfico e o desenvolvimento do processo em si revelam, da maneira mais aguda possível, a grande diferença entre a ilimitação descontínua da matéria romanesca e a infinidade contínua da matéria da epopeia.

A forma biográfica realiza, no romance, a superação da má infinitude: de um lado, a extensão do mundo é limitada pela extensão das experiências possíveis do herói, e o conjunto dessas últimas é organizado pela direcção que toma o seu desenvolvimento rumo ao encontro do sentido da vida no autoconhecimento; de outro lado, a massa descontínua e heterogénea de homens isolados, estruturas alheias ao sentido e acontecimentos vazios de sentido recebe uma articulação unitária pela referência de cada elemento específico ao personagem central e ao problema vital simbolizado por sua biografia (Ibidem 83)

O elemento constitutivo do romance, na visão de Lukács é a ironia. Para o filósofo, a composição do romance "é uma fusão paradoxal de componentes heterogéneos e descontínuos numa organicidade constantemente revogada". (ibidem 85). O autor do romance deve apresentar uma realidade por meio da reflexão e não por meio de uma imitação. Portanto, uma ideia do autor será configurada como uma realidade. A relação entre a ideia e a realidade, real e ideal, é um processo de escrita que deriva de uma dupla acção por parte do indivíduo criador, a primeira sobre si mesmo e a segunda sobre o mundo.

A relação entre ideia e realidade resolve-se na configuração puramente sensível, não restando entre elas nenhum espaço vazio de distância que tenha de ser preenchido pela sabedoria consciente e conspícua do escritor; essa sabedoria pode resolver-se, portanto, antes da configuração, pode ocultar-se por trás das formas e não é obrigada a superar-se a si mesma, como ironia, na composição literária. Pois a reflexão do indivíduo criador, a ética do escritor no tocante ao conteúdo, possui um caráter duplo: refere-se ela sobretudo à configuração reflexiva do destino que ao ideal na vida, à efetividade dessa relação como destino e à consideração valorativa da realidade. Essa reflexão torna-se novamente, contudo, objeto de reflexão: ela própria é meramente um ideal, algo subjetivo, meramente postulativo, também ela se defronta com um destino numa realidade que lhe é estranha, destino este que, dessa vez puramente refletido e restrito ao narrador, tem de ser configurado (Ibidem 86).

A importância da ironia no processo de configuração do romance é reforçada, não só por ser uma categoria estrutural que representa a liberdade do autor, mas, sobretudo, por conduzi-lo para a forma representativa da época, como finaliza Lukács na sua análise sobre o condicionamento e significado histórico-filosófico do romance.

Para o romance, a ironia é essa liberdade do escritor perante deus, a condição transcendental da objectividade da configuração. Ironia que, com dupla visão intuitiva é capaz de vislumbrar a plenitude divina do mundo abandonado por deus; […] A ironia, como autossuperação da subjectividade que foi aos limites, é a mais alta liberdade num mundo possível sem deus. Eis por que ela não é meramente a única condição a priori possível de uma objectividade verdadeira e criadora de totalidade, mas também eleva essa totalidade, o romance, a forma representativa da época, na medida em que as categorias estruturais do romance coincidem constitutivamente com a situação do mundo (Ibidem 95)

Na sua Teoria, Lukács faz o alerta de que o carácter fundamentalmente abstracto do romance pode ser reconhecido como o rebaixamento ao nível da mera literatura de entretenimento. O filósofo afirma que este rebaixamento só pode ser combatido “na medida em que se puser como realidade última, de maneira consciente e consequente, a incompletude, a fragmentariedade e o remeter-se além de si mesmo do mundo” (ibidem 70).

Sobre a ética no romance, Lukács afirma que ela é aparente na configuração de cada detalhe e que constitui, portanto, em seu conteúdo mais concreto, um elemento estrutural eficaz da própria composição literária. Neste raciocínio, Lukács assinala que o romance aparece como algo em devir, como um processo. Pensamento que conduz directamente para as actuais questões da dramaturgia que também se percebe como um processo em constante incompletude. Para Lukács, o romance “é a forma artisticamente mais ameaçada e foi por muitos qualificado como uma semi-arte, graças à equiparação entre problemática e ser problemático” (ibidem 72)

Com a totalidade da epopeia rompida, cabe ao herói problemático do romance moderno, projecto de um autor, tentar encontrar um caminho para a reconciliação com a sua realidade e construir o seu próprio destino. Podemos depreender, como bem esclarece a pesquisadora Ana Cotrim, que na visão de Lukács, o desenvolvimento da personagem protagonista é a célula fertilizadora do romance e “o fio a que o mundo inteiro se prende e a partir do qual se desenrola.” (ibidem 83)

O romance, como género que responde à perda da imanência do sentido à vida, tem a função de recriar a totalidade perdida. Seu objeto é a luta contra a inessencialidade do mundo e a impossibilidade de ação da alma. O herói do romance, à diferença do herói da epopeia, é problemático: em lugar de carregar em si o sentido do conjunto social ao qual pertence, luta contra o vazio das estruturas do mundo social que não mais lhe pertencem. Ele se lança no mundo exterior em busca do substrato de ação de sua própria alma. A psicologia do herói romanesco como herói problemático é demoníaca: é o indivíduo que não deseja simplesmente viver subordinado ao vazio das estruturas do mundo, mas cuja interioridade insurge “contra a vida que apodrece em silêncio” (COTRIM 2011: 574)

Lukács permite através da sua Teoria do Romance uma interessante percepção sobre as diferenças entre o herói da epopeia, da tragédia, do drama e do romance. Para Lukács, o herói da epopeia não conhece a aventura no sentido próprio. Ele é dono de uma segurança interior e não tem dúvidas de que irá superar, interna e externamente, “a ciranda de aventuras que lhe adorna e preenche a vida.” Ao sair em busca de aventuras e vencê-las, o herói da epopeia não põe a sua alma em risco.

Na era da epopeia “a alma ainda não sabe que pode perder-se e nunca imagina que terá de buscar-se.” Já na tragédia, para Lukács, o herói, sucessor ao homem vivo de Homero, “desconhece toda a realidade que lhe seja alheia, pois já alcançou a sua alma”. Para o herói trágico “tudo quanto lhe seja exterior torna-se para ele pretexto do destino predeterminado e adequado”. É diferente, portanto, do herói do drama que desconhece previamente toda a interioridade, pois, para ele, esta “nasce da dualidade antagónica entre alma e mundo.” O herói no drama ignora a aventura, pois o