• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4: UMA ESCRITA TEATRAL PARA O ROMANCE VIVA O POVO

4.2 A análise do romance e o processo dramatúrgico a desenvolver

4.2.1 Uma proposta metodológica de transposição

A primeira etapa desta transposição possui um caráter de aproximação. Como já foi citado, ela, inicialmente, consistirá em uma leitura intuitiva e despretensiosa do romance e, em um segundo movimento, servirá para a identificação das forças polarizadoras de natureza macro contidas na obra.

Depois, ao reler os primeiros apontamentos, alinhado com a metodologia sugerida nos estudos de Sinisterra, que diria que a cadeia de acontecimentos corresponde ao que seria a fábula em uma obra dramática “e o equivalente ao discurso, ou seja, das estratégias narrativas que organizam a perceção particular de tais acontecimentos num relato concreto, constituiria a ação dramática de um texto teatral determinado” (SINISTERRA 2016:45), passaremos para a etapa de análise, na qual se pretende extrair informações sobre a fábula, as personagens, a temporalidade, a espacialidade, e os elementos do discurso.

O objetivo nessa segunda etapa é organizar a sequência dos acontecimentos narrados, assinalar os aspectos temporais e determinar as personagens mais importantes envolvidas nas circunstâncias apresentadas. O que basicamente se pretende é tentar explicitar para cada acontecimento quais são os protagonistas e os antagonistas, onde e quando ocorreu o facto narrado e o que exatamente se verificou no desenvolvimento da acção. Claro que um dos objetivos deste estudo é permitir uma maior familiaridade e rapidez na identificação dos elementos determinantes da história (ou enredo). Poderíamos dizer, mais próximo dos termos teatrais, que para cada fragmento foram identificados os sujeitos, as circunstâncias espaciais, as circunstâncias temporais e o acontecimento principal do relato.

A seguir, ainda na etapa de análise, mas do prisma do enunciado, pretendo identificar o carácter do narrador e a sua localização espácio-temporal. Foi possível constatar na primeira leitura que, no caso do Viva o povo brasileiro, as características do narrador mantiveram uma mesma lógica durante todo o relato. Como veremos mais à frente com mais detalhe, o narrador é invariavelmente indefinido e possui o total conhecimento do passado, do presente e do futuro das personagens. Constantemente, a sua narração tende para uma fusão e identificação com o próprio pensamento e as falas das personagens. Depois de concluirmos essa etapa do processo, onde esperamos ter adquirido um conhecimento significativo da obra literária, devemos começar o trabalho de articulação e aprofundar mais as informações obtidas.

Entre as etapas de análise e articulação, é necessário que o encenador/dramaturgo faça um balanço das suas impressões para perceber se tem já alguma ideia do que tenciona fazer. É importante também que o dramaturgo se pergunte se há condicionantes externos já definidos para a sua encenação. É bem possível que um encenador já possa ter estabelecido para a cena alguma condicionante de ordem externa, que seja independente do texto, e que determine o seu caminho dramatúrgico. Por exemplo: pode ser que já exista uma companhia, com um número específico de atores previamente definido para integrar o espetáculo; pode ser que o encenador já saiba em que espaço o espetáculo deverá ocorrer e que isso determine alguma tendência cênica; pode ser que o encenador já saiba se o espetáculo acontecerá ao ar livre; pode ser que o encenador já tenha predefinido alguma ênfase para a construção da cena, como, por exemplo, uma ativa participação musical, quem sabe até com os músicos presentes em cena; pode ser que o encenador já tenha decidido que a cena será marcada por uma linguagem corporal específica. Ou seja, há uma enorme quantidade de fatores externos ao texto que podem já ser do conhecimento do encenador e que determinarão, ou não, os caminhos da sua dramaturgia. Levo em conta a opção negativa porque é claro que o encenador pode simplesmente entender que deve ignorar qualquer variável que interfira na criação da sua dramaturgia e que impeça que o seu trabalho com o texto aconteça com total liberdade. Nesse caso, a passagem para a etapa de articulação será automática, mas, no caso contrário, entendo que a hora de se levarem em conta as variantes, num processo de transposição como esse, deverá ocorrer antes da etapa de articulação.

A articulação é a penúltima das etapas do trabalho de transposição, antes da escrita final. Ela compreende a seleção dos acontecimentos que devem integrar a cadeia

de ações, a definição de qual será o seu encadeamento e o que representa antecedente e fatos subsequentes. Em um segundo grau de análise devemos perceber a diferenciação, ao máximo possível, do relato que pertence e interfere diretamente no rumo dos acontecimentos daquele que seria da ordem externa aos fatos relatados, ou, se preferirmos, daquele que representa um comentário adjacente ao facto. Devemos procurar fazer uma espécie de distinção entre a “voz” imprescindível dos fatos e a “voz” complementar do narrador, que poderia ser entendida também como um comentário. Devemos ter atenção em distinguir o que é uma narrativa factual de uma subjetiva, mais próxima do autor. Ter a clareza do que representa uma narrativa essencial e do que representa uma narrativa complementar será primordial para o trabalho mais cirúrgico que resultará, quando for o caso, nos cortes do texto original e na distribuição de falas pelas personagens. A escrita dramatúrgica é o último dos procedimentos e se confunde com a atividade de manipulação do texto. Neste procedimento são feitos os deslocamentos dos episódios e as subtrações (ou cortes) definitivos, são definidos os tempos verbais, é esclarecida a situação dos narradores, é decidido o que será diálogo e o que será descrição, são escolhidas as personagens que serão extraídas do relato, enfim, é realizada toda a formatação final da versão teatral do romance, inclusive com inclusão das rubricas que contenham alguma indicação sobre as cenas.Portanto, neste processo de transposição percorremos a seguinte sequência de etapas e procedimentos, de acordo com o quadro de etapas abaixo:

1) Etapa de aproximação

. Leitura primária

. Identificação das oposições.

. Sensibilização ao texto . Pulsão teatral

2) Etapa de análise

. Indicação dos elementos constitutivos da história . Análise das características do discurso. . Sujeitos (categorização e núcleos) . Acontecimentos . Espacialidade . Temporalidade Perguntas acerca das primeiras

ideias e da existência de condicionantes estranhas ao trabalho sobre o texto original e

definição da modalide de apropriação

3) Etapa de articulação

. Seleção dos acontecimentos . Definição da sequência dos acontecimentos nos fragmentos . Reconhecimento das narrativas essenciais e adjacentes

. Extensão dos episódios

. Categorização dos acontecimentos . Indicação dos antecedentes

. Indicação de cortes e narrativas de ação física 4) Etapa de

manipulação

. Escrita do texto final e rubricas de indicações cénicas

. Edição definitiva (subtrações, deslocamentos, reiterações e adições) . Reordenamento final do texto. . Inclusão de elementos cénicos . Distribuição de falas 4.2.1.1 Quadro de acontecimentos

Para o melhor acompanhamento da pesquisa, conforme o quadro que segue abaixo, o romance foi dividido em fragmentos que foram organizados em três ciclos. O primeiro deles – A Irmandade – irá até a morte de Perilo Ambrósio e a fundação da Irmandade, em 1827, o segundo – Dafé – até a morte de Amleto, em 1865, e o terceiro –

Os segredos da canastra – até a morte de Stalin José, em 1977. É possível que essa organização encaminhe a dramaturgia final para uma trilogia.

Na primeira coluna do quadro está indicado o número do fragmento (F), depois o capítulo (C), e, depois, a página (P). Na segunda encontramos um título arbitrado apenas como um norteador do principal acontecimento. Na coluna seguinte a data em que ocorreu o fato, conforme a indicação do autor. Na última coluna está indicado o número do fragmento que dá continuidade ao acontecimento, se for considerada a cronologia natural. A publicação do livro adotada pela pesquisa foi a edição comemorativa dos trinta anos, lançada em 2014.

. Ciclo 1: Viva o povo brasileiro – A Irmandade

F1A – C1 – P27 O Alferes 10/06/1822 F2

F1B – C1 – P32 O Poleiro das Almas Indefinido F4A

F2 – C1 – P37 O terrível Perilo Ambrósio 08/11/1822 F3 F3 – C1 – P44 Perilo Ambrósio é o Barão de

Pirapuama

05/03/1826 F5

F4A– C2 – P53 O Caboco Capiroba 20/12/1647 F4B

F4B – C2 – P65 O Caboco Capiroba e os holandeses 26/12/1647 F8 F5 – C3 – P71 O Cónego Visitador e Amleto Ferreira 09/06/1827 F7 F6 – C3 – P83 Os cem anos e a morte de Dadinha 10/06/1821 F1A F7 – C3 – P94 A fé da baronesa e a crueldade do barão 09/06/1827 F9

F8 – C4 – P105 O nascimento de Vevé 26/01/1809 F6

F9 – C4 – P111 O passeio do Cónego Visitador 11/06/1827 F10

F10 – C5 – P141 O estupro de Vevé 12/06/1827 F11

F11 – C5 – P154 O ritual dos escravos 14/06/1827 F12 F12 – C5 – P165 A praga de Feliciano 15/06/1827 F15 F13 – C6 – P169 A doença do barão e o roubo de Amleto 23/08/1827 F14 F14 – C6 – P183 A viagem do barão para Itaparica 24/08/1827 F16 F15 – C6 – P193 As trapalhadas de Leléu 29/07/1827 F13 F16 – C7 – P203 A morte do Barão de Pirapuama 07/09/1827 F17 F17 – C7 – P211 A fundação da Irmandade 09/09/1827 F18 F18 – C7 – P219 Nego Leléu, um homem fiel a si mesmo 13/09/1827 F20

Na cronologia natural, os fragmentos estariam dispostos na seguinte ordem: 1B, 4A, 4B, 8, 6, 1A, 2, 3, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 15, 13, 14, 16, 17 e 18.

. Ciclo 2: Viva o povo brasileiro – Dafé

F19 – C8 – P235 O rico Amleto e o batizado de Macário 17/03/1839 F22 F20 – C8 – P255 O amor de Leléu por Dafé 28/01/1836 F19 F21 – C9 – P273 O reencontro de Merinha e Budião 29/10/1846 F24

F22 – C9 – P288 A partida de Dafé para o Arraial de Baiacu 19/12/1840 F25 F23 – C9 – P293 Os filhos de Amleto 10/03/1853 F26 F24 – C10 – P311 A prisão de Budião 30/10/1846 F28 F25 – C10 – P318 O assassinato de Vevé 12/05/1841 F27 F26 – C10 – P324 Macário vai para a Escola do Exército 12/03/1853 F29 F27 – C11 – P343 A vingança de Léleu 23/06/1842 F21 F28 – C11 – P355 Maria da Fé liberta Budião 03/11/1846 F23 F29 – C11 – P361 O suicídio de Carlota 05/04/1863 F30

F30 – C12 – P369 A morte de Leléu 25/05/1863 F31

F31 – C12 – P380 O enterro de Leléu e a captura de Macário

26/05/1863 F32

F32 – C12 – P393 O encontro de Maria da Fé e Macário 28/05/1863 F33

Na cronologia natural os fragmentos estariam dispostos na seguinte ordem: 20, 19, 22, 25, 27, 21, 24, 28, 23, 26, 29, 30, 31 e 32.

. Ciclo 3: Viva o povo brasileiro – Os segredos da canastra

F33 – C13 – P403 João Popó e os festejos em Itaparica 07/01/1865 F35 F34 – C13 – P411 A morte de Amleto e a mudança de

Bonifácio

23/05/1866 F36

F35 – C13 – P419 João Popó e a Guerra do Paraguai 11/03/1866 F34 F36 – C14 – P433 Zé Popó combate na Guerra do Paraguai 24/05/1866 F37 F37 – C14 – P449 Macário se recupera na Argentina 30/06/1866 F38 F38 – C15 – P461 Bonifácio conhece Portugal 30/11/1869 F39 F39 – C15 – P467 O encontro de Zé Popó com seu pai 14/05/1870 F40 F40 – C15 – P477 O reencontro de Macário e Maria da Fé 13/06/1871 F42 F41 – C16 – P493 A paixão de Henriqueta por Macário 07/07/1871 F44 F42 – C16 – P500 O amor de Macário e Maria da Fé 30/06/1871 F41 F43 – C16 – P505 O cego Faustino e a saga de Maria da Dafé 29/01/1896 F44 F44 – C16 – P512 Henriqueta se declara para Macário 16/12/1871 F45

F45 – C17 – P525 A República do Brasil e o reencontro familiar

14/11/1889 F46

F46 – C17 – P538 Filomeno Cabrito conhece Maria da Fé 01/03/1897 F47

F47 – C18 – P557 O livro de Macário 24/10/1897 F48

F48 – C18 – P578 Macário encontra o seu filho Lourenço 23/01/1898 F51 F49 – C19 – P601 O Patriotismo de Stalin José 07/01/1977 Fim F50 – C20 – P625 Os descendentes dos Ferreira- Dutton 25/05/1972 F49 F51 – C20 – P639 Macário festeja os cem anos e morre 10/03/1939 F50

Se considerarmos a cronologia natural, os fragmentos estariam dispostos na seguinte ordem: 33, 35, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 41, 44, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 51, 50 e 49.