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1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1.6 AS FORMAS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO

O CPC, na forma como originariamente foi articulado, tinha uma dinâmica processual que, salvo exceções, sempre previa o contraditório como etapa antecedente e necessária a qualquer providência jurisdicional. Ou seja, uma decisão judicial, especialmente por influenciar a esfera jurídica das partes, sempre era precedida da participação efetiva dos sujeitos do processo (DONOSO, 2009, p. 25).

Contudo, a evolução social, o crescimento da população, a massificação das relações e o crescente aumento de consciência dos direitos do cidadão desenharam uma nova realidade, forçando o legislador a adaptar a lei processual. Surgiu, neste diapasão, a tutela antecipada e, particularmente, a sua espécie de urgência, por receio de dano irreparável ou de difícil reparação, desde que exista prova

inequívoca e verossimilhança da alegação (art. 273, inc. I, do CPC)34 (DONOSO, 2009, p. 25).

Assim, com a reforma processual, um dos instrumentos utilizados foi a mitigação do contraditório, postergando o seu exercício para momentos posteriores à providência jurisdicional pleiteada pelo autor.

É de Renzo Cavani (2013, p. 71) a oportuna observação de que essa nova importância e dimensão do contraditório no processo contemporâneo (condicionado pelo paradigma do Estado Constitucional) evidentemente exige que a regra geral seja o “contraditório prévio”35. Quer dizer: cabe ao juiz escutar as partes e depois decidir. De tal sorte, tecnicamente, o contraditório pode ser classificado como prévio, diferido ou eventual, “mas jamais pode ser banido” Na primeira classificação, “prévio”36, o contraditório se apresenta na sua acepção clássica, audiatur et altera pars, isto é, o juiz ouve ambas as partes para posteriormente decidir. No caso de

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Denis Donoso (2009, p. 25) salienta que, igualmente, ganharam maior relevo as medidas judiciais tomadas inaudita altera pars, sempre adotadas com base no princípio da proporcionalidade pontualmente aplicado e sem abrir mão do contraditório, que será exercido a seu tempo. De outro lado, Luiz Fux (1996, p. 305) enfatiza a importância da “tutela da evidência” para os casos em que o direito é evidente e, por isso mesmo, sua efetiva tutela dispensaria maiores delongas processuais, sob pena de desprestígio do Poder Judiciário, a ensejar também a prestação jurisdicional desde logo.

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O novo CPC contém amplo conjunto de regras que dão maior concreção ao contraditório. A primeira delas é a que está prevista no art. 9º, que assim determina: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que seja esta previamente ouvida.”. É a garantia da audiência prévia, diante de qualquer movimento capaz de resultar em decisão que contrarie os interesses da parte. Há exceções, fruto da ponderação de princípios, previstas no parágrafo único. Essas exceções se referem às hipóteses de tutela antecipada de urgência e da evidência. Dispositivo verdadeiramente inovador é o contido no art. 10 do novo CPC: prevê essa regra que nenhum órgão jurisdicional poderá decidir com base em fundamento de que não se tenha dado às partes conhecimento (direito à informação) e oportunidade de manifestação, mesmo que se trate de matéria de ordem pública.

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Empregando a acepção clássica do contraditório, exemplifica-se com o julgado: “ADMINISTRATIVO. SUPRESSÃO DE PARCELA DE PENSÃO. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO. A Administração pode rever seus atos quando eivados de ilegalidade, subordinada, no entanto, ao contraditório prévio por respeito ao princípio constitucional da ampla defesa, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito judicial. [...].” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1374738/DF, j. 20/05/2013).

contraditório “diferido”37, o juiz primeiro decide e só depois o realiza, como pode ocorrer, por exemplo, na concessão de uma liminar inaudita altera parte, ou seja, o juiz concede a medida liminar sem ouvir o réu, postergando, assim, o contraditório para o momento seguinte (RIBEIRO, 2014, p. 20).

Sobre essas hipóteses, Ovídio Araújo Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes (2006, p. 56-57) também lecionam que o princípio do contraditório sofre limitações quando o juiz tem que conceder liminares inaudita altera parte, como acontece, com maior frequência, no processo cautelar, sempre que a prévia audiência do demandado possa tornar ineficaz o resultado da tutela jurisdicional final. Os autores ainda indicam uma segunda ordem de restrições, que poderia ser encontrada em liminares de natureza satisfativa, como antecipação dos efeitos da tutela, segundo o artigo 273 do CPC, que, em certos casos, podem importar em violação irremediável.

Nesses casos, a decisão proferida sem a realização de audiência não fere o princípio do contraditório, como conclui Gilberto Gomes Bruschi (2008, p. 1.038):

O fato de ser concedida a antecipação de tutela, antes da citação do reú, não impede que o juiz a revogue ou modifique, após o oferecimento da contestação, se ficar cabalmente demonstrado, pela defesa, que ocorreram outros fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor a ensejar a revogação. Com isso, se vê, com toda clareza, que não foi ferida nenhuma norma constitucional, não se maculou o princípio do contraditório, nem se arranhou o due processo of

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Sobre a aplicação expressa do contraditório na via diferida, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: “[...] 5. A Lei 6.024/74, no afã de conjurar incontinenti o periculum in mora para o mercado financeiro de capitais, instituiu o contraditório postecipado, por isso que, decretada a liquidação extrajudicial, proceder-se-á a inquérito (art. 41) após o quê se oferece oportunidade de defesa aos envolvidos. É que a lei instituiu um sistema em que o contraditório e a ampla defesa são diferidos, necessário para que o exercício do poder de polícia do Banco Central seja efetivo, já que, de modo contrário, sua intervenção não teria eficácia. Tal sistema, conquanto permita a decretação da liquidação extrajudicial mediante indícios, não dispensa a apuração posterior dos fatos que lhe deram causa, a ser feita sob o crivo do contraditório e da mais ampla defesa. [...].” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 930.970/SP, j. 14/10/2008).

law, pois o réu terá, posteriormente, a oportunidade de exercer ampla defesa.

Felippe Borring Rocha (2014, p. 180-181) qualifica como “contraditório utilitarista” a visão que pode servir tanto para justificar o afastamento da manifestação da outra parte, como para permiti-la, a fim de legitimar a decisão judicial. Nos casos de concessão de medida inaudita altera partes, entende o autor que não há vulneração do princípio do contraditório porque, se por um lado é inequívoco que a concessão de uma liminar sem a oitiva prévia da parte representa uma mitigação ao seu direito de informação prévia, por outro, estando presentes os requisitos legais previstos no artigo 804 do CPC/1973 (aplicáveis a todas as medidas liminares, independentemente da sua natureza), não haverá uma agressão ao princípio do contraditório, mas o seu reescalonamento na ordem processual, chamado de contraditório diferido ou postergado.

Na hipótese de ser indispensável a concessão da liminar, para Leonardo Greco (2005, p. 75), se o interessado tiver, a posteriori, ampla possibilidade de provocar o reexame da decisão perante o mesmo órgão jurisdicional que a deferiu, às suas alegações e provas deve conferir a mesma atenção atribuída à postulação do requerente, sendo insuficiente a mera possibilidade de impugnação da decisão por meio de recurso para instância superior.

Na última hipótese, o contraditório “eventual” somente ocorrerá se o interessado propuser uma demanda para ampliar ou exaurir a cognição realizada no processo anterior. Ou seja, o contraditório irá ocorrer em outro processo na eventualidade de o interessado assim o requerer38 (RIBEIRO, 2014, p. 20).

O contraditório na forma eventual é verificável nos embargos à execução de título executivo extrajudicial, em que o processo de execução foi idealizado para não ter cognição sobre o crédito consubstanciado no título executivo, haja vista o fato de a obrigação já se encontrar previamente reconhecida, nada necessitando ser esclarecido ao juiz antes de requerer a sua realização. No entanto, como a presunção decorrente do título executivo é relativa, cabe ao executado atacar a execução, apontando os aspectos viciados de seu procedimento, os defeitos do título apresentado, ou, ainda, a insubsistência do crédito alegado pelo exequente. Essa defesa do executado não pode ser feita no

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Como ocorrerá no instituto conhecido como “estabilidade da tutela antecipada satisfativa”, artigo 305 do novo CPC.

corpo do processo de execução, mas em processo de conhecimento autônomo: são os chamados embargos à execução, que constituem uma espécie de ação incidental à execução utilizada para oposição à pretensão de executar.

Segundo Ovídio Araújo Baptista da Silva (2004, p. 157), enquanto no contraditório “prévio” e no “diferido”, “[...] as posições das partes não se alteram [...] – o autor continua autor e o réu, como réu, haverá de contestar a ação.”. No contraditório “eventual”, a parte que se afigura inicialmente como autora, tornar-se-á demandada na ação plenária subsequente.

O contraditório eventual “é um importante expediente de sumarização material, concorrendo, pois, para outorgar efetividade à tutela jurisdicional, mercê da redução do campo do litígio” (MITIDIERO, 2005, p. 56).

Merece destaque, portanto, que o princípio do contraditório não se confunde com o seu exercício. O contraditório substancial é um conceito intrínseco ao processo, enquanto o exercício do contraditório é uma faculdade jurídica colocada à disposição das partes. Assim, o contraditório existe ainda que o seu exercício não se tenha realizado na sua plenitude, seja pela falta de interesse da parte, seja por limitações próprias das regras processuais (ROCHA, 2014, p. 178).

A efetiva participação dos atores do processo (autor, juiz e réu), analisada por uma ótica cooperativa, é o que legitima a prestação da tutela jurisdicional.

Nesse cenário, a efetivação do contraditório nas formas prévia, diferida e eventual em nada o enfraquece. As hipóteses de postergação do exercício do contraditório não violam o princípio constitucional, mas sim buscam disciplinar o seu exercício, não apenas para sancionar o comportamento contumaz, mas também para permitir o atendimento das finalidades principais do processo. Por isso, emerge o entendimento de que existe no contraditório caráter absoluto.39

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Luiz Rodrigues Wambier (1997, p. 184) também se refere ao caráter absoluto do contraditório, mesmo em sede de execução de sentença: “[...] a questão do contraditório trata, segundo pensamos, de um esquema absolutamente hermético, que não permite qualquer fissura ou abrandamento.”.