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1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1.3 CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS

A posição de Ronald Dworkin (2002, p. 35-46) foi o ponto de partida para a análise crítica de muitos estudiosos acerca da tentativa de estabelecer diferenças entre regras e princípios. Para o referido autor, a diferença entre tais espécies de normas é de natureza lógica. Embora apontem para decisões sobre obrigações jurídicas em circunstâncias específicas, regras e princípios se distinguem quanto à natureza da orientação que oferecem.

Acrescenta que o conflito entre regras se resolve na forma do “tudo ou nada”, conforme o âmbito de validade. Ou seja, para o caso concreto, ou há outra regra que excepcione a situação e faça prevalecer uma das regras conflitantes, ou uma dessas regras deve ser afastada do sistema, considerando-se inválida. Já o conflito entre os princípios seria resolvido conforme critério do peso ou da importância na medida em que, dadas as peculiaridades de determinado caso, certo princípio pode prevalecer em detrimento de outros. Em razão deste critério, o princípio preterido não é retirado do ordenamento; em outros casos, situação inversa pode preponderar (DWORKIN, 2002, p. 39-42).

A propósito, é importante lembrar que a visão de direitos fundamentais como princípios, inscritos na Lei Fundamental alemã, foi uma construção de Robert Alexy (2012, p. 85-99). Na concepção do autor, princípios podem colidir entre si, resultando no privilégio de um, sem que isso implique a perda de validade de outro.

Na teoria do jurista alemão, as normas não se confundem com textos ou enunciados normativos. Na verdade, interpretam-se os enunciados normativos para que se possam, deles, extrair as normas. Daí a conclusão de que os textos legais correspondem ao objeto da interpretação, sendo a norma o resultado desta tarefa. Norma é o gênero de duas espécies, denominadas regras e princípios. Essa distinção implica aferir a possibilidade de colisões apenas entre princípios e suas respectivas soluções, por meio da proporcionalidade (adequação, necessidade proporcionalidade em sentido estrito) (ALEXY, 2012, p. 94-98).

Além disso, para que se aplique o postulado da proporcionalidade trabalhado pelo citado jurista, é preciso que haja adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Horácio Wanderlei Rodrigues e Eduardo de Avelar Lamy (2012, p. 290) explicam que a contribuição mais significativa da teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy não foi a distinção entre

princípios e regras, mas sim a de proporcionar embasamento teórico à aceitação dos valores como elementos de justificação e aplicação do direito, trazendo racionalidade às considerações axiológicas necessárias a inúmeros julgamentos em meio ao, muitas vezes, exacerbado tecnicismo do operador jurídico. Infelizmente, tal contribuição, ligada à ponderação de valores na aplicação do direito, caso respeitada a teoria, ficaria limitada às normas constituídas em princípios, não se aplicando às regras.

A fim de solucionar a questão, Klaus Günther entende que os conflitos normativos devem ser resolvidos em conformidade com a aplicação da norma mais adequada ao caso concreto. Para isso, o autor propõe que sejam analisadas todas as circunstâncias relevantes ao caso concreto, sejam elas de ordem fática ou jurídica, pois somente munido de todas essas informações é que o intérprete poderá tomar a melhor decisão (GÜNTHER, 2011, p. 242).

As contribuições dessa teoria servem, na opinião de Horácio Wanderlei Rodrigues e Eduardo de Avelar Lamy (2012, p. 293), para demonstrar a possibilidade de solução, por meio da ponderação de valores, também de determinados conflitos entre regras, reconhecendo nessas situações, as tarefas de justificar a escolha de determinadas regras em detrimento de outras e flexibilizar a aplicação de determinadas regras mediante a análise de casos concretos.16

Desse modo, a distinção entre regras e princípios não impediria a ponderação no campo das regras. Ademais, tal diferenciação praticamente não é utilizada pela jurisprudência.

Lenio Streck (2011, p. 10) apresenta uma crítica à forma “descriteriosa” pela qual os tribunais brasileiros aplicam a teoria de Alexy, elevando o conceito de ponderação ao patamar de enunciado capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos, o que chama de “pan-principiologismo”. Nas suas palavras:

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A observação do cotidiano revela a ocorrência de conflitos entre princípios e regras. E normas, sejam princípios ou regras, são normas que possuem tanto o âmbito da validade como o âmbito da valoração. Nesse sentido, autores como Teresa Arruda Alvim Wambier (2007a, p. 59) e Paulo Henrique dos Santos Lucon (2001, p. 92) entendem que princípios também são regras e regras também são princípios. Isso porque, se as normas não forem consideradas gênero do qual os princípios e as regras são espécies, mas sim que normas e regras são equivalentes, podendo ser diferenciadas apenas quanto ao seu caráter principiológico, poder-se-á, então, aceitar a ponderação entre regras.

O Direito Constitucional, nessa medida, foi tomado pelas teorias da argumentação jurídica, sendo raro encontrar constitucionalistas que não se rendam à distinção (semântico) estrutural regra-princípio e à ponderação (Alexy). A partir desse equívoco, são desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incompatíveis entre si. Na maior parte das vezes, os adeptos da ponderação não levam em conta a relevante circunstância de que é impossível – sim, insista-se, é realmente impossível – fazer uma ponderação que resolva diretamente o caso. A ponderação – nos termos propalados por seu criador, Robert Alexy – não é (insista-se, efetivamente não é) uma operação em que se colocam os dois princípios em uma balança e se aponta para aquele que ‘pesa mais’ (sic), algo do tipo ‘entre dois princípios que colidem, o intérprete escolhe um’ (sic). Nesse sentido é preciso fazer justiça a Alexy: sua tese sobre a ponderação não envolve essa ‘escolha direta’. (STRECK, 2011, p. 10, grifos do autor). Na linha de raciocínio de Humberto Theodoro Júnior (2009, p. 37), todos os princípios constitucionais são suscetíveis de recíproca intercorrência. Entretanto, nenhum princípio tem o condão de anular os demais e nas situações concretas de aparente conflito cumpre ao intérprete, em lugar de simplesmente proclamar a supremacia absoluta de um deles, buscar, segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma forma de harmonizá-los, fazendo com que convivam. Nas inúmeras reformas do atual CPC, todas tendentes a agilizar o “processo”, muitos artigos se apresentam como de duvidosa compatibilidade com a garantia constitucional do contraditório e das liberdades individuais.

Voltando ao objeto deste trabalho, um conflito entre a exigência constitucional do contraditório e o princípio da efetividade da tutela jurisdicional resulta na aplicação do postulado da proporcionalidade. Nessa hipótese, cabe ao intérprete ponderar os princípios para, no caso concreto, identificar o que recebe maiores influxos do direito material ou o que sofrerá maior dano, caso venha a ter a sua aplicação afastada (CUNHA, 2012, p. 159).

Acredita-se, pois, que na possibilidade de conflito entre princípios a ponderação pode auxiliar na solução do caso concreto.

1.4 O PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITÓRIO