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3. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NA EXECUÇÃO DA

3.1 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO COMO

ENTRE O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO E O PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DO EXECUTADO

Na execução da sentença civil, se de um lado está o credor a buscar a satisfação de seu crédito, militando em seu favor o fato de a

execução dever redundar em seu proveito; de outro está o devedor, o qual, com amparo do princípio da dignidade humana, tem o direito de a execução contra si promovida ser a menos gravosa possível.187

O conflito de valores, por esse aspecto, é evidente: sendo o balanceamento/a ponderação188 entre os mencionados princípios o procedimento apto a orientar a prestação jurisdicional189, no ato de sopesar as circunstâncias inerentes ao caso concreto poder-se-á atender aos interesses do credor sem destinar carga excessiva ao devedor para a satisfação do crédito daquele.190

Em regra, aponta-se como peculiaridade do direito processual executivo a diretriz pela qual a execução deve redundar, em proveito do credor, no resultado mais próximo que se teria se não ocorresse a transgressão de seu direito. Essa orientação, porém, não é mais do que um desdobramento do princípio da máxima utilidade da atuação jurisdicional, sintetizada na afirmação de que o processo deve dar a quem tem direito aquilo e exatamente aquilo a que tem direito, inerente à garantia da inafastabilidade da adequada tutela jurisdicional (CF, artigo 5º, inciso XXXV).

187

Márcio Kammer de Lima (2006, p. 82) assim se adverte: “A mais visível expressão do princípio da proporcionalidade na seara executiva deflua, talvez, da análise conjugada dessas duas disposições (arts. 612 e 620 do CPC), segundo a qual a execução realizar-se-á no interesse do credor, mas, quando por vários meios o credor puder promovê-la, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”.

188

Conforme exposto na seção 1.3 “CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS”. 189

“EXECUÇÃO. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE BENS IMÓVEIS

PENHORADOS POR TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA.

IMPOSSIBILIDADE. 1. EM RELAÇÃO À FASE DE EXECUÇÃO, SE É CERTO QUE A EXPROPRIAÇÃO DE BENS DEVE OBEDECER A FORMA MENOS GRAVOSA AO DEVEDOR, TAMBÉM É CORRETO AFIRMAR QUE A ATUAÇÃO JUDICIAL EXISTE PARA SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA. NECESSÁRIO A ‘PONDERAÇÃO DE VALORES E PRINCÍPIOS’ DAS REGRAS PROCESSUAIS, PARA ENSEJAR SUA EFICÁCIA E EFETIVIDADE. [...].” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp 251.157/DF, j. 07/08/2008).

190

Na opinião de Luiz Rodrigues Wambier e de Eduardo Talamini (2014, p. 181): “A aplicação dos princípios jurídicos – diferentemente do que se dá com outras normas jurídicas – sempre envolve prévio juízo de valor. Diante de situação para a qual se ponham dois princípios igualmente relevantes – como é o caso –, caberá balancear os fatores concretamente envolvidos: aquele que prevalecer haverá de sacrificar o outro apenas na medida estritamente necessária para a consecução das suas finalidades (princípio da proporcionalidade).”.

Luiz Guilherme Marinoni (2005, p. 59) assim se posiciona sobre o tema:

O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume a possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de igual acesso ao procedimento estabelecido, ou ao conceito tradicional de direito ao acesso à justiça. Não mais importa apenas dizer que todos devem ter iguais oportunidades de acesso aos procedimentos e aos advogados, e assim à efetiva possibilidade de argumentação e produção de prova, uma vez que o julgamento do mérito, na perspectiva daquele que busca o Poder Judiciário, somente tem importância quando o direito material é efetivamente realizado. É por essa razão que o direito de ação, ou direito de acesso à justiça, deve ser pensado como o direito à tutela jurisdicional efetiva, que tem como corolário o direito ao meio executivo adequado ao caso concreto.

O princípio do contraditório, entretanto, assume especial importância na execução, na medida em que, nesta espécie de litígio, a atuação da sanção e a satisfação do credor só são concretamente atingidas mediante a obtenção de resultados materiais, fisicamente tangíveis: só se dará a quem tem direito aquilo e exatamente aquilo que lhe cabe quando se conseguir, mediante meios executivos, modificar a realidade, fazendo surgir situação concreta similar, quando não idêntica, à que se teria com a observância espontânea das normas.

A imposição da máxima utilidade funciona como diretriz genérica para a execução, exigindo-se celeridade e rigor na prática de seus atos. Dessa assertiva sobressai a ideia de que o processo executivo é o meio processual legítimo pelo qual o Estado coativamente restabelece a satisfação da relação jurídica material. Naturalmente, o exequente tem participação ativa no processo executivo e isso implica colaborar com a máxima efetividade da execução.

Por outro lado, o artigo 620 do CPC191 expressa o princípio da menor onerosidade, cuja função é a de orientar a aplicação das demais normas do processo de execução, a fim de evitar a prática de atos executivos desnecessariamente onerosos ao executado (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 474435/SP, j. 24/08/2004).

Se a execução deve ser feita pelo modo menos gravoso para o devedor, tem ele o direito de pretender que o processo seja conduzido neste sentido. (MARQUES, 2003, p. 95). Esse favor debitoris está calcado em elevado princípio de justiça e equidade, e significa que o Estado deve, tanto quanto possível, reintegrar o direito do exequente com o mínimo de despesa, de incômodo e de sacrifício para o executado (BRUSCHI, 2002, p. 28).

A possibilidade de invocar o princípio da menor onerosidade se dá por meio do exercício do contraditório, ou seja, da participação do executado no processo, em todos os atos e etapas do procedimento, que se concretiza com o manejo das defesas do executado (impugnação, exceção de pré-executividade ou ação) e participação das partes no desenrolar dos atos executivos.

Por conta desse conflito entre princípios, por muito tempo, defendeu-se a inexistência de contraditório na fase de execução e que eventual objeção pelo devedor em relação à execução deveria ser objeto de ação autônoma, sob pena de se desconfigurar a fundamental utilidade da execução, que é a satisfação do crédito do credor pela forma mais célere possível.

Todavia, tratar o devedor como mero sujeito passivo da execução, sem o contraditório, inutiliza o próprio conceito de processo que visa ao real acesso à ordem jurídica justa192.

191

No novo CPC, o artigo continua com a mesma redação: “Art. 803. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”.

192

Nesse sentido é a doutrina de Guilherme Luiz Quaresma Batista Santos (2013, p. 54-55): “Somente um processo dialético, exercido em contraditório, garante uma atividade também dialética, através da qual seja possível assegurar a prolação de uma decisão justa e, consequentemente, de um procedimento justo, principalmente na fase de cumprimento de sentença, onde o respeito ao primado do contraditório implica, outrossim, na segurança de imparcialidade do magistrado, sob pena de, mesmo não tendo nenhuma relação com qualquer uma das partes, mas ao ouvir apenas o requerimento executório do credor, deixando de apreciar as ressalvas do devedor, não tenha ‘examinado senão a metade do que poderia verificar’.”.

Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier e de Eduardo Talamini (2014, p. 182): “À concreta compatibilização dos dois princípios fundamentais no curso do procedimento executivo dá-se o nome de execução equilibrada.”.

Para Márcio Kammer de Lima (2006, p. 82), o equilíbrio é a explicitação do princípio da proporcionalidade no bojo do processo de execução, informador do trabalho de interpretação que “deve plasmar o sentido e o alcance das demais disposições de regência da atividade executiva”.

Não se pode esquecer, contudo, que a visão moderna do sistema processual em face das superiores garantias constitucionais que o informam e tendo em vista o que se espera do processo, além das perspectivas das partes, o juiz também tem o dever de participar ao longo do procedimento de execução, ou seja, não poderá figurar como mero espectador.

Candido Rangel Dinamarco (1994, p. 162-163) costumava afirmar que o estudo do contraditório e das formas e medidas de seu exercício confina-se no exame da participação dos litigantes no processo, deixando de lado a atuação do juiz. Reconhece que, nos dias atuais, “[...] a doutrina fala da participação contraditória do juiz também, ressaltando a figura do juiz ativista como algo indispensável à plenitude do cumprimento de seu ofício”. 193

Nesse sentido, também ensina Luiz Carlos de Azevedo (1994, p. 112), quando faz a seguinte afirmação:

[...] embora se note uma prevalência da posição do credor em relação à do devedor, face à certeza do direito reclamado, nem por isso se arreda o direito ao contraditório, que subsiste em sua integralidade e essência, podendo ser invocado por qualquer das partes em todo o desenrolar do processo.

Assim, para garantir a correta ponderação entre os princípios, a partir da participação franqueada dos litigantes e também do dever de participação do juiz, é necessário fixar a existência do princípio do

193

Os autores Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini (2014, p. 82) salientam a importância da fundamentação, que sempre deve acompanhar os atos decisórios do juiz, consoante o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

contraditório na ação executiva, para, então, compreender a forma e o conteúdo de sua perfectibilização.

3.2 A EXISTÊNCIA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NA