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1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1.5 AS DIMENSÕES DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1.5.2 Dimensão substancial do contraditório

Como valor cultural, o princípio do contraditório pode apresentar várias acepções, a depender da perspectiva pela qual é compreendido. Quem visualiza o contraditório pela ótica do liberalismo do século XIX descreverá o princípio como uma garantia de conteúdo formal. Entretanto, com o advento da atual Constituição Federal, é necessário que o direito se ajuste aos anseios da justiça social.

Pensando nisso, Luiz Guilherme Marinoni (1993, p. 161) adverte que o princípio do contraditório não pode mais ser focalizado a partir da ideia de igualdade formal, mas sim desenhado com base no princípio da igualdade substancial, o qual reflete os valores do Estado Social.

A concepção social do processo, como instrumento político de efetivação do próprio direito, conclui Pedro Manoel de Abreu (2004, p. 44), “[...] parece ser o grande desafio a ser vencido na construção de uma nova justiça no Brasil e no mundo, numa perspectiva de democratização da cidadania.”.

A legitimidade do exercício da jurisdição, como se vê, está ligada a uma possibilidade real, e não meramente formal, de participação. De fato, o processo deve ser reflexo do ideal de Estado Democrático de Direito.

Como leciona José Afonso da Silva (1989, p. 105), o termo “democrático”, inserido na expressão Estado Democrático de Direito:

[...] qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre a ordem jurídica. O Direito, então, imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e terá que ajustar-se ao interesse coletivo, [...].

Em outra obra, Pedro Manoel Abreu (2011, p. 484), inclusive, esclarece que a configuração do “Estado Democrático de Direito” não se limita apenas a fundir formalmente os conceitos de “Estado Democrático” e “Estado de Direito”. Trata-se de um novo conceito, que supera os seus elementos constitutivos na medida em que incorpora um componente revolucionário, transformados do status quo. E completa: “Aqui, o “democrático” qualifica o Estado, irradiando os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre a ordem jurídica.”.

Nesse contexto, a participação (contraditório) consubstancia um valor democrático inalienável para a legitimidade do processo e do sistema jurídico vigente (OLIVEIRA, 2010, p. 45).

Em contraposição ao contraditório formal, seu conteúdo material, ou substancial, significa o poder de influência das partes sobre aquilo que será decidido, permitindo-se-lhes ampla participação processual no que toca a manifestações e produção probatória, respeitados os limites preclusivos processuais.

O teor substancial do contraditório assegura à parte o direito de poder atuar em juízo de modo a contribuir para a formação do convencimento do magistrado. Não basta a parte, apenas, manifestar-se. Há que se assegurar condições de manifestação efetivas, com produção de provas acerca do alegado, discussão dessas mesmas provas e de todo e qualquer aspecto que possa colaborar para o convencimento do magistrado (MIRANDA, 2013, p. 357). Trata-se do poder de influência que se concede à parte, em razão de sua prerrogativa de manifestação (DIDIER JR, 2013, p. 57).

Vale a pena repetir o ensinamento de Fernando da Fonseca Gajardoni (2008, p. 98), quando afirma que o contraditório é, também, o direito de pretender que o juiz, no momento de decidir, leve em consideração as defesas da parte, suas alegações e suas provas, isto é, atuar na real potencialidade de influência no resultado do provimento jurisdicional – o contraditório útil.

Nessa linha, consoante classificação apresentada pela doutrina, há um trinômio e não um binômio, a saber: informação (comunicação das partes sobre determinado fato processual), reação (faculdade de as partes apresentarem manifestação sobre o fato processual) e consideração (imprescindibilidade de o provimento jurisdicional enfrentar os argumentos apresentados pelas partes em sua reação) (OLIVERIA JUNIOR, 2011, p. 214).

Assim é que, finalmente, constrói-se o conceito de contraditório adequado ao Estado Democrático de Direito, considerando a sua tridimensionalidade:

a) Direitos das partes à ciência, informação e participação no processo em simétrica paridade (dimensão estática ou formal); b) prerrogativa de influência e de controle das partes na construção do conteúdo da decisão judicial (dimensão dinâmica ou material); c) direito de as partes terem analisados e considerados os seus argumentos e provas, em correlação com o dever do órgão jurisdicional de efetivamente apreciar todas as questões deduzidas pelas partes, resolvendo o caso concreto unicamente com base nos resultados decorrentes da atividade dos interessados ao provimento (dimensão coparticipativa, na qual a motivação decisória é elemento do contraditório) (JAYME; FRANCO, 2014, p. 349-350).

A última faceta – a da consideração – alude ao diálogo que deve ser estabelecido entre todos os integrantes da relação jurídica processual, incluindo, além de autor e réu, o julgador, de modo a possibilitar uma interação aberta e franca entre todos os participantes do processo (DONOSO, 2009, p. 23-24).

Percebe-se, assim, que o contraditório substancial exercido pela parte no iter processual é aferido apenas no momento em que é proferida a decisão judicial. Isso porque é a partir da análise da decisão que se torna possível concluir se o juízo conferiu ou não a atenção necessária aos argumentos e às provas trazidas pelas partes (MIRANDA, 2013, p. 358).

O fato de a atividade do juiz ser uma atividade estatal, já que representa o Estado, define como de curial importância que haja um modo de fiscalização da lisura da atividade jurisdicional, sobretudo no que tange ao respeito ao contraditório substancial. Para Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1976, p. 88), é a partir da fundamentação da decisão que se fiscaliza a atividade do órgão jurisdicional.

Na linha do que defendeu José Carlos Barbosa Moreira (1988, p. 89), o juiz, na fundamentação, resolve as questões postas pelas partes, não se limitando a analisá-las. E acrescenta: no âmago do dever de fundamentar “[...] é preciso que o pronunciamento da justiça, destinado

a assegurar a inteireza da ordem jurídica, realmente se funde na lei; é preciso que esse fundamento se manifeste, para que se possa saber se o império da lei foi na verdade assegurado.”.

A toda evidência, é na fundamentação da decisão que o magistrado expõe as razões de seu convencimento, as razões que o levaram a decidir de determinada forma, fazendo-o pelo confronto das razões de fato – devidamente demonstradas nos autos, por exercício do contraditório formal e substancial – e pela incidência jurídica, que, segundo o entendimento do juiz, deve ocorrer sobre esses mesmos fatos (MIRANDA, 2013, p. 358).

O contraditório, para ser efetivo, encontra na motivação a sua razão última, o seu desfecho final. O contraditório, desta feita, não se encaixa mais no binômio “informação-reação”, mas sim no trinômio “informação-reação-consideração” (DUARTE; OLIVEIRA JUNIOR, 2012, p. 59).

O enfoque de que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo, mas sim a uma pretensão à tutela jurídica já foi abordado em processo de relatoria do ministro Gilmar Mendes, no STF33, como se transcreve abaixo:

Agravo de instrumento. 2. Procedimento Administrativo. Exclusão de vantagens salariais de servidores públicos. Direito de defesa. Não observância. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o

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Interessante é a referência ao direito constitucional comparado, extraída das lições deste acórdão, quando o ministro Gilmar Mendes assim aponta: “Apreciando o chamado ‘Anspruch auf rechtliches Gehör’ (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (Cf. Decisão da Corte Alemã – BverfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, Pieroth e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 2481; Battis, Ulrich, Gusy, Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3° edição, Heidelberg, 1991, p. 363- 364).” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 481015, j. 01/02/2005).

direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. Precedentes. 7. Agravo de instrumento a que se nega provimento (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 481015, j. 08-09-2006, grifos nossos).

Segundo a Suprema Corte brasileira, a pretensão à tutela jurídica corresponde exatamente à garantia consagrada no artigo 5° da Constituição Federal e contém o direito de informação, de manifestação e o direito de as partes verem os seus argumentos considerados pelo julgador.

Na conclusão de Renzo Cavani (2013, p. 70), alçado à estatura de autêntico direito fundamental, o princípio do contraditório tem como titulares as partes e como destinatários o Estado-legislador – que tem o dever de estruturar o processo a fim de promover o direito de influência e o dever de debate – e o Estado-juiz – que tem o dever de aplicar a legislação constitucional e infraconstitucional para promover, no máximo possível, o contraditório em todas as suas dimensões.

1.6 AS FORMAS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO