• Nenhum resultado encontrado

O COMÉRCIO, O CONSUMO E A DISTRIBUIÇÃO: AS RELAÇÕES

2.4. AS NOVAS FORMAS DE DISTRIBUIÇÃO: OS SUPERMERCADOS E OS HIPERMERCADOS

Conforme se salientou, devido às particularidades que caracterizam determinados espaços, a estrutura de distribuição do comércio varejista, em especial o de alimentos, precisou adequar-se às exigências dos consumidores, ao padrão de consumo e às condições espaciais que cada lugar apresenta num determinado momento. Dessa forma, observa-se que, enquanto elo intermediário da cadeia produtiva, a distribuição de produtos, especialmente aquela realizada pelo comércio varejista, tem passado por profundas modificações nos últimos tempos.

A introdução do auto-serviço adotada pelo varejo constitui-se uma das maiores inovações ocorridas no comércio. Desde o seu surgimento, ainda na década de 1920, nos Estados Unidos, até os dias atuais, ocorreram importantes e significativas modificações nos métodos e técnicas de comercialização. Para compreender tal processo e suas transformações, faz-se necessário conceituar a atividade de auto-serviço. Como auto- serviço entende-se uma modalidade comercial que surgiu na periferia das grandes cidades norte-americanas e que tem como características principais: a utilização de carrinhos ou cestas para carregar as mercadorias, num sistema de self-service, onde o próprio consumidor escolhe o produto que quer ou necessita; que possui um balcão na saída da loja onde se encontram as máquinas registradoras – chech-outs; e prateleiras (gôndolas) onde os produtos ficam dispostos, de forma acessível, para que os consumidores possam servir- se. Para Barata Salgueiro (1995, p. 56)

O livre serviço ou auto-serviço é uma forma de venda caracterizada pelo livre acesso dos clientes às mercadorias, que pagam nas caixas colocadas perto da saída dos estabelecimentos. Requer embalagens padronizadas e obriga a uma arrumação diferente da loja, pois os artigos têm de ficar acessíveis ao cliente que caminha entre as prateleiras; deste modo, desaparece a divisão provocada pelo balcão entre o átrio, onde estão os clientes, e o espaço, onde se empilha a mercadoria, permitindo um maior aproveitamento do espaço, com a exposição de maior volume de artigos. O contacto com os artigos é um estímulo à compra e rapidamente se percebeu que a colocação dos produtos nas prateleiras não era indiferente. Os clientes que deambulam entre as estantes vêem melhor uns artigos do que outros, o olhar dirige-se preferencialmente para o lado direito, para os topos das gôndolas, pegam primeiro nos produtos colocados à altura dos olhos; a zona de espera na fila da caixa registradora é também uma área forte e, por isso, os produtores disputam as várias porções do linear e desenvolve-se o merchandising, técnica de organização da loja baseada em estudos sobre o comportamento do consumidor.

O livre acesso às mercadorias é, sem dúvida, um incentivo à compra. Permite rapidez, o que significa redução do tempo gasto com o abastecimento das residências, e o contato existente entre o consumidor e a mercadoria que ele está adquirindo. Antes do surgimento do livre serviço/auto-serviço, os produtos alimentares eram comercializados a granel e pesados nas lojas de acordo com as necessidades do consumidor. Com a introdução dos supermercados, essa prática não desapareceu por completo. Nos mercados municipais, por exemplo, ainda é possível encontrar uma série de produtos sendo comercializados dessa forma. Porém, com as transformações que ocorreram, não só com a produção, mas, sobretudo com o cotidiano das pessoas, grande parte das mercadorias passou a ser comercializada em embalagens próprias o que significa, para muitos produtos, melhores condições de higiene, de acomodamento, até mesmo de indução ao consumo.

Antes da introdução do auto-serviço havia certa relação social entre o cliente e o vendedor que, por sua vez, tinha conhecimento sobre as mercadorias, dava conselhos e sugestões, estimulava os clientes a comprar. Muitos vendedores conheciam seus clientes de tal forma que acabavam sendo seus confidentes e conselheiros pessoais. O auto-serviço trouxe no seu bojo uma relação impessoal que acabou com esse contato social. Hoje as mercadorias apresentam características que atraem a atenção dos consumidores, como se elas próprias se auto-comercializassem. “Atrás” de um produto exposto numa prateleira de auto-serviço, existe todo um estudo de mercado para se produzir um produto que venha satisfazer às necessidades do consumidor, sejam elas reais ou imaginárias. Cores, formas, embalagens, disposição nas gôndulas, nos corredores centrais, na entrada da loja, entre outras, constituem algumas das estratégias que levam ao consumo. Sem o vendedor para influenciar nas compras ou os palpites das amigas que a dona de casa encontrava no armazém e/ou feiras-livres, os produtos devem vender-se por si mesmos. Para isso, devem conter todos os atrativos possíveis para atrair os consumidores. Naquela época, os produtos eram dispostos em prateleiras rústicas, não existiam vendas a prazo e nem tão pouco entrega de produtos em domicílio. Com o passar da crise econômica, os supermercados começaram a crescer tanto em número quanto em área e, gradativamente, começaram a utilizar equipamentos mais sofisticados. As propagandas maciças e as embalagens atraentes passaram a ser elemento fundamental não só para conquistar a preferência do freguês como também para fazê-lo comprar mais do que planejou. Os materiais e processos de embalagens tornaram-se mais sofisticados.

Inicialmente, o auto-serviço estava essencialmente ligado ao comércio de mercearias. Ele surgiu com cadeias do varejo alimentar que se expandiram com o objetivo de distribuir as mercadorias produzidas pelas indústrias. Posteriormente essa modalidade de distribuição estendeu-se para vários ramos e hoje aparece na comercialização de numerosos produtos como livros, discos/CDs, artigos de vestuário, ferragens, brinquedos, bancos, bibliotecas, restaurantes, no abastecimento do carro nas bombas de gasolina, entre outros. Porém, cabe lembrar que o comércio tradicional não desapareceu. Pelo contrário. Em algumas cidades e bairros ele reapareceu, na sua maior parte, como um comércio extremamente elitizado.

O primeiro registro de venda de auto-serviço surgiu por volta de 1921, no sul da Califórnia, onde John Hartfort, filho do fundador da Great Atlântic & Pacific Tea

Company, persuadiu seu pai a abrir um novo tipo de loja que não tivesse entrega domiciliar

e não mantivesse contas em cadernetas como era de costume na época. No mesmo ano, em Menphis (Tenesse), Clarence Saunders abriu a primeira loja Piggly wiggly. A empresa chegou a possuir 2.400 lojas em 41 estados americanos. (BELIK, 1999, p. 90)

Durante o período da Grande Depressão de 1929, que reduziu o poder aquisitivo da população, o auto-serviço foi uma solução encontrada para baratear o custo dos produtos e, ao mesmo tempo, uma forma encontrada pelos comerciantes para que ocorresse uma rápida rotatividade de capital. Os comerciantes que abriam supermercados pretendiam diminuir ao máximo seus gastos e lucrar através da quantidade de artigos vendidos a preços mais baixos. Para isso muitos consumidores precisariam ser atraídos e seduzidos a comprar um grande volume de mercadorias. Vendendo sempre grandes volumes, poderiam obter melhores preços nas negociações com a indústria. Economizariam ainda mais reduzindo o número de empregados, pois os compradores poderiam servir-se sozinhos nas prateleiras, fazendo o pagamento na saída da loja.

Os obstáculos entre o consumidor e a mercadoria, como os balcões e os vendedores seriam eliminados, deixando o cliente livre para tocar nos objetos expostos, comparar preços (relativamente mais baixos e claramente marcados nos produtos) e escolher entre as várias opções de marcas e, assim, acabaria comprando mais. Além dessas vantagens, os supermercados estariam localizados em áreas de fácil acesso e com estacionamento próprio, pois nesses novos estabelecimentos comerciais as mercadorias deixaram de ser entregues em domicílio. Para levar seus produtos para casa, o consumidor passou a necessitar de um automóvel. Nesse sentido, a expansão do uso do automóvel

praticamente eliminou os sistemas de entrega domiciliar e engendrou o surgimento das lojas de auto-serviço. Além de redefinir o lugar de consumo, com o automóvel as pessoas passaram a transportar seus próprios produtos. Isso fez com que os preços dos mesmos ficassem mais “em conta”. Ter estacionamento e oferecer relativa segurança também representa a modernidade e a preferência por esse tipo de estabelecimento.

Segundo Pintaudi (1984, p. 27), em 1934 existiam 94 supermercados em 24 cidades norte-americanas e, em 1936, esses estabelecimentos comerciais perfaziam um total de 1.200 unidades distribuídas em 85 cidades. A autora afirma ainda que:

Após a 2a. Guerra Mundial, o auto-serviço se expandiu mais ainda nos Estados Unidos, quando havia um mercado maior para abastecer: os supermercados diversificaram cada vez mais a linha de produtos comercializados e aperfeiçoaram as técnicas de venda: o carrinho surgiu nesse momento. E foi após a 2a. Guerra Mundial, que os Supermercados começaram a aparecer fora dos Estados Unidos.

De acordo com Belik (1999, p. 90), é a partir dos anos de 1930 que surgem os primeiros estabelecimentos mais parecidos com as atuais lojas de auto-serviço. Essas lojas passaram a ocupar um espaço em de “U” ou “L”, onde se eliminou o balcão e colocou-se toda a mercadoria em prateleiras baixas e dispostas pela loja. As mais importantes instalações de auto-serviço daquela época estavam em Los Angeles e eram o Ralph´s

Grocery Company e o Alpha Beta Foods Market, entre outros.

O capital investido nesse tipo de estabelecimento comercial nos Estados Unidos, logo de início, era de pouco vulto e individualizado. Atualmente, são empreendimentos que exigem muito capital, por isso, cada vez mais, os investimentos estão sendo realizados por de sociedades comerciais de grande porte, que visam maiores lucros. Cabe salientar que a solução encontrada por estes estabelecimentos, no que diz respeito à acumulação de capital, está diretamente relacionada à racionalização de seus gastos com circulação de mercadorias e com a rotatividade do capital.

Em função da divulgação da idéia promovida pelos fornecedores de equipamentos e de mercadorias, em 1955, o conceito de supermercado já havia alcançado 52 países no mundo. Na Europa, a revolução do varejo só aconteceu na década de 1950, pois até então o consumo estava reprimido devido à escassez e à baixa renda da população em função da guerra. Com o crescimento da população e a elevação da renda, nos anos de 1960, ocorre uma renovação das cidades o que aumentou o número de lojas.

Analisando o caso da França, no início da década de 1950, Guglielmo (1966, p. 216), ao tratar do crescimento do consumo, afirma que o aumento demográfico do pós- guerra não só ampliou o número de consumidores como também, devido à escassez de mão-de-obra, contribuiu sensivelmente para a elevação do padrão de vida de uma grande parcela da população. Ao mesmo tempo, cabe salientar que, em função do desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas, novos equipamentos domésticos foram criados (a exemplo do sistema de refrigeração), possibilitando o armazenamento de produtos o que, por sua vez possibilitou o aumento no consumo. É nesse contexto que, na década de 1960, surge o sistema de auto-serviço nesse país. Trazendo na sua origem o conceito de um grande supermercado, a nova modalidade do auto-serviço francês recebeu a denominação de “hipermachê”.

A falta de espaço para a instalação desses estabelecimentos comerciais nos centros urbanos das principais cidades francesas acabou propiciando a sua instalação em áreas consideradas como subúrbios, onde existiam grandes espaços ociosos para serem ocupados, comercializadas a preços baixos. Os hipermercados franceses constituíam-se, portanto, como grandes lojas periféricas que se dedicavam, inicialmente, à venda de mercadorias de conveniência. Dessa forma, a localização desses estabelecimentos deveria incluir proximidade de entroncamentos viários importantes, áreas afastadas dos grandes adensamentos urbanos e grandes áreas de estacionamento. O seu tamanho variava de dez a cinqüenta mil metros quadrados onde estavam expostos cerca de 25 a 35 mil itens.

O hipermercado francês Carrefour descrevia as suas lojas como um supermercado onde se vendiam alimentos, uma cadeia de lojas por vender roupas e uma loja de departamentos por vender mercadorias para casa. Essa grandiosidade do empreendimento hipermercado não se traduzia apenas pelo seu conceito “tudo sob um teto”, mas também nos próprios símbolos adotados por algumas marcas, a exemplo do “mamute” que simbolizava uma rede francesa.

Como o emprego do sistema de auto-serviço reduziu o número de postos de trabalho, foi possível praticar preços mais baixos o que se tornou um importante atrativo para os consumidores. Ao analisar o surgimento dos hipermercados, Baudrillard (1995, p.13) afirma que:

[...] os hipermercados parecem-se com uma grande fábrica de montagem, de tal maneira que, em vez de estarem ligados à cadeia de trabalho por uma limitação racional contínua, os agentes, pacientes, móveis e descentrados, dão a impressão de passarem de uma parte a outra da cadeia, segundo circuitos aleatórios, contrariamente às práticas de trabalho, mas trata-se mesmo assim, de facto, de uma cadeia, de uma disciplina programática, cujas inserções se apagaram por detrás de um verniz de tolerância, de felicidade e de hiper-realidade. O hipermercado é já, para além da fábrica e das instituições tradicionais do capital, o modelo de toda a forma futura de socialização num espaço-tempo homogêneo de todas as funções dispersas do corpo e da vida social (trabalho, tempo livre, alimentação, higiene, transportes, média cultura): retransição de todos os fluxos contraditórios em termos de circuitos integrados; espaço-tempo de toda simulação operacional da vida social, de toda uma estrutura de habitat de tráfego.

Quanto à força de atração que os hipermercados produzem nas cidades, Baudrillard (1991, p. 97) escreve que “numa área de trinta quilômetros em redor, as setas vão nos espiçando em direção a este hiperespaço da mercadoria”. Tal afirmação ilustra o poder de centralidade que essas lojas produzem. Para tal, elas dependem basicamente de: vias rápidas e de fácil acesso; poder de compra por parte da população; grandes terrenos para a sua instalação, principalmente para os estacionamentos que precisam ser bastante amplos para receberem o grande número de automóveis que se destinam a esses lugares.

Os hipermercados possuem uma área de abrangência muito maior do que a dos supermercados, comparada a dos shopping centers. Por isso, além provocarem importantes mudanças estruturais nos locais onde se instalam, alteram a vida e o cotidiano das pessoas que são constantemente convidadas a consumir.

Em seu estudo sobre o comércio e a distribuição, Barata Salgueiro (1995, p.58) escreve que um hipermercado distingue-se de um supermercado pela superfície comercial (400 a 2.500 m² para os supermercados e acima desses valores para os hipermercados), apesar de haver algumas diferenças entre os países.

No Reino Unido só se considera o hipermercado o estabelecimento com mais de 4650m², designando-se por superstore as lojas com dimensão intermédia, entre 2325 e 4650m². Em Portugal a lei fixa 200m² como área mínima para supermercados e, quanto aos hipermercados, aparentemente o limiar desceu dos 3000 para os 2000 ou para 1000m² [...].

Budrillard (1991, p. 97), afirma também que o hipermercado e os shopping-centers provocam uma aglomeração diferente da do mercado tradicional que se localizava no “coração de uma cidade, local onde a cidade e o campo vinham a conviver em conjunto.” Este autor afirma ainda que : “O hipermercado [...] cria uma nova socialidade, isto é, um

modo de vida do qual desaparecem não apenas o campo, mas também a cidade para dar lugar à aglomeração”. No que concerne ao cidadão, de acordo com Peixoto (2003), este passa a ser um homo-fluxos visto que, na busca de espaços de convivência e de recreação, encontra referência e identidade nas formas de sedução impostas pelos shopping-centers e pelos hipermercados.

Na procura por novos espaços, essas superfícies comerciais criam novas espacialidades urbanas que geram novas aglomerações, deixam a cidade sem uma forma precisa, muitas vezes sem unidade e estrutura. Desfazem o tecido urbano, causam transformações na paisagem das cidades, impactam o sistema urbanístico provocando, inclusive, a perda dos recursos naturais e históricos, da cultura e da identidade de um povo.

Após estas reflexões sobre a importância da atividade comercial, especialmente do setor de auto-serviço, para o desenvolvimento dos espaços urbanos passar-se-á a discutir o surgimento e a expansão dessa atividade no Brasil.

2.5. A EXPANSÃO E A DINÂMICA ATUAL DOS HIPERMERCADOS NO