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O COMÉRCIO NO CONTEXTO DAS CIDADES E DA

1.2. O ESPAÇO URBANO E O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

Ainda no século XIX, quando a economia mundial apoiava-se no comércio, os lugares considerados mais importantes para o desenvolvimento dessa atividade eram os portos e os locais de produção (como os campos, as fábricas, a minas de extração de minérios entre outros). Nas cidades concentravam-se os serviços ligados à atividade comercial que davam sustentação ao desenvolvimento das trocas mundiais.

Atualmente, devido à importância dos fluxos financeiros internacionais, tem-se a impressão que o comércio internacional perdeu a sua importância. Na verdade, as instituições que dão suporte aos fluxos financeiros é que ganharam destaque, visto que passaram a gerar um valor monetário superior ao gerado pelo comércio. No entanto, tais

instituições também estão localizadas nas cidades que continuam a se caracterizar como os lugares de reprodução de capital e de realização de trocas em nível mundial. Para que os fluxos financeiros se realizem existe a necessidade de se criar uma série de serviços e infra-estruturas que estão localizados nas cidades.

Todas as aglomerações possuem uma área central onde a cidade espelha-se e apresenta-se. Essa área central caracteriza-se pela sua acessibilidade, porém a sua importância e composição funcional variam de acordo com a dimensão da cidade. Mais do que o lugar da concentração das atividades terciárias, os centros urbanos atuais caracterizam-se pela concentração dos centros de decisões político-administrativas e econômicas. Nessas áreas estão sediadas as bolsas de valores, a sede dos bancos e das companhias de seguros, as instituições educacionais, o comércio de luxo, os hotéis, as casas de espetáculos, os restaurantes, os teatros, entre outros.

Analisando as mudanças na geografia e na composição das transações internacionais, Sassen (1998, p.34) discute a formação de novos lugares estratégicos na economia mundial. Estes “simbolizam as novas formas de globalização econômica” e são representados pelas zonas de processamento das exportações (situadas em países onde os salários são baixos, onde há isenções de impostos e poucas exigências com relação aos locais de trabalho, nos quais as empresas dos países desenvolvidos podem implantar suas unidades de produção); pelos centros bancários – offshore (os denominados “paraísos fiscais” que se originam em função das desregulamentações dos grandes mercados financeiros, ocorridas na década de 1980, e a implantação das “zonas financeiras livres e internacionais” localizadas em países subdesenvolvidos); e, por fim, as cidades globais (lugares onde a dispersão geográfica das atividades econômicas e a integração dos sistemas contribuíram para o desenvolvimento dos serviços e para o avanço das telecomunicações que, por sua vez, possibilitaram essas cidades concentrarem funções de comando).

Ao caracterizar as cidades globais, a autora afirma que:

[...] as cidades são locais de produção pós-industrial para as indústrias desse período, para o setor financeiro e os serviços especializados [...] são mercados multinacionais, onde empresas e governos podem adquirir instrumentos financeiros e serviços especializados [...] A dispersão territorial da atividade econômica, em escala nacional e mundial, acarretada pela globalização, criou novas formas de concentração. (SASSEN,1998, p.34)

As cidades globais representam as grandes cidades mundiais, localizadas tanto em países desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos, onde as filiais das corporações

mundiais instalam-se, pois a dispersão territorial da atividade econômica criou a necessidade de se expandir o controle e o gerenciamento central. Constituem, ainda, os lugares onde estão sediados os principais mercados financeiros e as mais importantes empresas especializadas em prestação de serviços. Nelas a área central caracteriza-se como o centro de negócios, formado por uma infra-estrutura de comunicação, telecomunicação, serviços, espaços para escritórios, centros geradores de tecnologias e instituições educacionais. Esse “novo centro” encontra-se conectado a outros locais que, organizados em rede, formam uma unidade real de gerenciamento, de inovação e de trabalho. (CASTELLS, 1999, p.426)

Ao analisar a dinâmica urbana das cidades européias, na mesma obra citada, Castells (p.428) afirma ainda que:

O fator decisivo dos novos processos urbanos [...] é o fato de o espaço urbano ser cada vez mais diferenciado em termos sociais, embora esteja funcionalmente interrelacionado além da proximidade física. Acompanha a separação entre o significado simbólico, localização de funções e a apropriação social do espaço na área metropolitana.

Na nova economia global e na sociedade informacional desenvolvem-se uma nova forma espacial que se estabelece em vários contextos sociais, econômicos e políticos e geográficos.

Fato marcante no novo processo de formação e estruturação urbana é que o espaço urbano encontra-se cada vez mais complexo e diferenciado em termos sociais. Embora estejam totalmente inter-relacionados, os espaços formadores das novas metrópoles são marcados pela separação entre o significado simbólico, a localização de funções e a apropriação social dos mesmos. Essa tendência que fundamenta a transformação mais importante das novas formas urbanas está presente em todas as cidades mundiais que estão sendo incorporadas pelas novas formas de reprodução capitalista.

Ao discutir a formação das novas metrópoles mundiais e a formação das redes, Castells afirma que a aglomeração humana nesses espaços urbanos forma as megacidades caracterizadas por possuírem mais de 10 milhões de habitantes. Mais do que isso, elas representam os nós da economia global e concentram o controle da mídia, das funções direcionais – produtivas e administrativas de todo o planeta –, a política e o poder, a capacidade de criar e difundir mensagens mesmo que virtuais.

As megacidades articulam a economia global, ligam as redes informacionais e concentram o poder mundial. Mas também são depositárias de todos esses segmentos da população que lutam para sobreviver, bem como daqueles grupos que querem mostrar sua situação de abandono, para que não morram ignorados em áreas negligenciadas pelas redes de comunicação. As megacidades concentram o melhor e o pior [...] estão conectadas externamente a redes globais e a segmentos de seus países, embora internamente desconectadas das populações locais [...]. (CASTELLS, 1999, p. 429)

São, portanto, os centros do dinamismo econômico, tecnológico e social. Constituem os centros de inovação cultural e política, os pontos conectores às redes globais de todos os tipos. Representam os pontos nodais e os centros de poder e de gestão das novas formas e processos espaciais da era da informação, o espaço dos fluxos.3

Atualmente, a sociedade mundial está construída em torno dos fluxos de capital, de informação, de tecnologia de interação organizacional, de imagens, de sons, de símbolos, de gostos e sabores. São eles que dominam nossa vida social, econômica, política e simbólica.

Na sociedade em rede nenhum lugar existe por si mesmo. A rede de comunicações constitui-se como o elemento fundamental para a configuração espacial. Isto não significa dizer que os lugares desaparecem, mas que passam a adquirir novos valores e significados. Assim, o espaço moderno expressa a transformação na organização social que interliga comunidades distantes e amplia o alcance das relações de poder entre as regiões e os continentes do mundo. Orientada pela mundialização do capital e pela globalização dos mercados, a nova ordem não corresponde ao surgimento de uma sociedade mundial harmoniosa ou a uma integração global que possa eliminar as diferenças entre culturas e civilizações. A crescente interligação gera novas políticas, inclusive reacionárias e xenofóbicas, gera novos fluxos de informação, de imagens e de pessoas por todo o mundo. Porém, isso não significa dizer que estejamos formando uma cultura universal. A globalização não elimina os traços culturais historicamente estabelecidos, mas modifica seu significado acrescentando novos objetos e ações. Por isso, as diferenças e as disparidades técnico-culturais entre as comunidades são agravadas pelos novos dinamismos e formas de comando e de dominação.

Atualmente, as denominadas “cidades globais”, por difundirem as inovações econômicas e sociais, comandam e controlam grandes partes dos territórios nacionais. São

3

De acordo com Castells (1999, p. 436), os fluxos são “[...] a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica.” Assim, o espaço dos fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos.

responsáveis pela produção do espaço que passou a ser fruto das novas relações entre o local e o mundial. Carlos (2001, p.178), afirma que:

A centralidade liga-se hoje, portanto, a uma capacidade de concentração. No quadro produzido, o espaço fragmenta-se; é raro em torno dos centros onde é literalmente pulverizado, vendido em lotes, podendo mesmo assumir as funções de reserva de valor, meio de segregação, elemento de dispersão da sociedade nas periferias e subúrbios. Isto porque a cidade explodiu e concretizou-se a partir de novas formas, estruturas e funções, onde áreas imensas ganham novo valor de uso e, conseqüentemente, valor de troca, pois o espaço, mercantilizado, insere-se no mundo da mercadoria.

No processo de expansão urbana, especialmente das metrópoles, o comércio influencia na valorização e desvalorização de áreas. Como elementos fundamentais na constituição de novas centralidades, os hipermercados e shopping centers, ao buscarem novas áreas para se instalarem, ficaram, de certa forma, isolados das cidades e adquiriram uma nova espacialização funcional. Ao migrar para a periferia a atividade comercial concentrou ao seu redor uma série de serviços especializados que acabaram criando novos valores a essas áreas.

Estudando a localização estratégica do comércio, Vargas (1993, p.195) assinala que:

Como a urbanização crescera a taxas bastante elevadas, e a cidade se expandiu horizontalmente, havia condições de o comércio se viabilizar em áreas não tão centrais. O aparecimento do automóvel e o aumento do poder aquisitivo, que permitiu a sua larga difusão, liberou a circulação urbana dos trilhos (bondes e trens de subúrbio), que condicionavam rigidamente a localização da população. Agora ela podia distribuir-se pela cidade que se dispersava em direção à periferia, forçando o aparecimento de centros menores espalhados por toda a cidade.

A urbanização possibilitou o surgimento de novas formas e equipamentos comerciais que passaram a concentrar a atividade comercial, os serviços e até as informações, a exemplo das cadeias de lojas, das ruas de comércio especializado, os supermercados, mais recentemente os hipermercados e os shopping centers, considerados como os novos centros de poder e de decisões econômicas.

Por atraírem novas formas de serviços e oferecerem uma infinidade de produtos, os hipermercados acabam criando novas centralidades. Conforme salientou Baudrillard (1991, p. 99), “a cidade moderna não mais absorve esta forma, é ele [o hipermercado ou shopping

center] que estabelece uma órbita sobre a qual se move a aglomeração”. Nesse contexto, as

idéias onde se processam os contatos entre pessoas e instituições, onde estão os locais de diversão, de assistência médico-hospitalar, de ensino, entre outros.

No Brasil, a partir da década de 1980, com o surgimento e a ampliação de novas formas comerciais como os hipermercados, shopping centers, o sistema de franchising, as grandes lojas de departamento, e a internacionalização de algumas dessas formas comerciais, deu-se uma importante concentração econômica no setor, principalmente nas áreas metropolitanas onde havia um maior número dessas modalidades comerciais.

Com a desconcentração industrial ocorrida na cidade de São Paulo, a partir da década de 1970, outras cidades grandes e médias, não só do estado de São Paulo, mas inclusive de outros estados brasileiros, foram incorporadas pela nova forma de reprodução capitalista. Tais cidades passaram a apresentar uma nova dinâmica econômica, comercial, demográfica e de consumo. Um exemplo interessante sobre o processo mencionado é a cidade de São Paulo que, enquanto cidade global, é a metrópole que comanda o setor terciário do país, principalmente o de informação, o das atividades técnicas e artísticas. Foi justamente a base industrial que criou o alicerce para que ela se tornasse uma cidade informacional, um centro internacional de serviços. É também a cidade da pobreza, onde o belo e o luxuoso convivem lado a lado, pois São Paulo é “a metrópole econômica de um país subdesenvolvido, onde não há melhor lugar para os pobres que as grandes cidades, uma metrópole internacional e uma metrópole involuída”. (SANTOS, 1994, p.15).

Passar-se-á, então, a analisar algumas questões sobre a metrópole paulista e a atividade comercial desenvolvida naquele estado.

1.3. A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A ATIVIDADE COMERCIAL