• Nenhum resultado encontrado

O COMÉRCIO, O CONSUMO E A DISTRIBUIÇÃO: AS RELAÇÕES

2.2. A LÓGICA SOCIAL DO CONSUMO

Com o desenvolvimento do capitalismo financeiro, após o final da Segunda Guerra Mundial, com a revolução da informática, a internacionalização da economia, o surgimento das atividades de entretenimento e da indústria mundial do turismo, atividades consideradas por muitos como pertencentes ao setor terciário, reforçou-se a importância do comércio no desenvolvimento econômico atual.

O surgimento da modalidade de auto-serviço criou um novo significado para a mercadoria. Exposta nas prateleiras, para ser adquirida, ela teve que criar a necessidade de consumo. Atualmente, ela passou a representar um objeto de investimento, de fascinação, de paixão e de projeção que qualifica o seu “dono” dando-lhe status e poder. Tem valor de troca simbólica. Falando da semiologia da lógica da mercadoria, Baudrillard (1991, p. 97), enfatizando o sentido cultural dos objetos afirmando que:

Os objectos já são mercadorias, já nem sequer são exactamente signos cujos sentido e mensagem decifrássemos e dos quais nos apoderássemos; são testes, são eles que nos interrogam e nós somos intimados a responder-lhes e a resposta está incluída na pergunta.

Nesse sentido, os objetos tornaram-se um mito cujo consumo supõe a manipulação ativa de infinitos signos, imagens e simulações que, reduplicadas pela mídia, acabam abolindo a distinção entre imagem e realidade.

Assim, a sociedade de consumo torna-se essencialmente cultural, na medida em que a vida social fica desregulada e as relações sociais tornam-se mais variáveis e menos estruturadas por normas estáveis. A superprodução de signos e a reprodução de imagens e simulações resultam numa perda do significado estável e numa estetização da realidade, na qual as massas ficam fascinadas pelo fluxo infinito de justaposições bizarras, que levam o espectador para além do sentido estável. (FEATHERSTONE, 1995, p. 34)

Analisando a lógica social do consumo, Baudrillard (1991, p.66) assinala ainda que:

[...] nunca se consome o objecto em si (no seu valor de uso) – os objectos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tornado como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior.

O consumo representa mais do que uma necessidade ou uma satisfação, ele caracteriza-se por ser um processo de significação, de comunicação, de classificação e de diferenciação. O consumo configura-se como a “lógica da produção e da manipulação dos significantes sociais”, pois

As condutas de consumo, aparentemente orientadas e dirigidas para o prazer, correspondem na realidade a finalidades muito diferentes – a expressão metafórica ou desviada do desejo, a da produção por meio de signos diferenciais de um código social de valores. Não é determinante a função individual de interesse através de um conjunto de objectos, mas a função instantaneamente social da troca, de comunicação e de distribuição dos valores através de um conjunto de signos. (BAUDRILLARD, 1991, p.88)

O consumo supõe a manipulação ativa dos signos, onde o signo e a mercadoria juntaram-se para produzir o que Baudrillard (1970) denominou de “mercadoria-signo”. As recentes teorias do referido autor dão ênfase para a reprodução, para a reduplicação infinita de signos, imagens e simulações por meio da mídia, abolindo a distinção entre imagem e realidade. Nesse sentido, a produtividade virtualmente ilimitada e a necessidade de vender os produtos criam, através da publicidade, a volatilidade e a efemeridade da moda, de produtos, técnicas de produção, de idéias e de ideologias que manipulam gostos e opiniões. A publicidade constrói a “imagem ideal” aquela que representa respeitabilidade, qualidade, prestígio e inovação. Assim, a necessidade de estar ou de sentir-se na “moda” visa mais o valor que os objetos e a satisfação representam, em primeiro lugar, a adesão e a aceitação do estilo de vida de uma determinada sociedade.

A publicidade, o merchandising e a exposição das mercadorias nas lojas de departamento, shopping centers, super e hipermercados, lojas de conveniência, grandes magazines, inclusive em lojas populares que, atualmente, ocupam as áreas centrais das cidades, entre outros, exploram a lógica da mercadoria signo e dão novos significados aos bens de consumo que assim, associam-se ao luxo, à beleza, ao exotismo e à fantasia. Pois, como escreveu Ianni (1993, p. 49-50)

[...] nenhuma mercadoria é inocente. Ela é também signo, símbolo, significado. Carrega valor de uso, valor de troca e de recado. Povoa o imaginário da audiência, auditório, público, multidão. Diverte, distrai, irrita, ilustra, ilude, fascina. Carrega padrões e idéias, modos de ser, sentir e imaginar. Trabalha mentes e corações, formando opiniões, idéias e ilusões.

Na esfera do consumo, a mídia comercial desperta interesses, desejos e prazer. Cria necessidades, gera satisfação e status. Segundo Santos (1987, p. 34),

[...] o consumo instala sua fé por meio de objetos, aqueles que em nosso cotidiano nos cercam na rua, no lugar de trabalho, no lar e na escola, quer pela sua presença imediata, quer pela promessa ou esperança de obtê-los. Numa sociedade tornada competitiva pelos valores que erigiu como dogmas, o consumo é o verdadeiro ópio, cujos templos modernos são os Shopping- centers e os supermercados, aliás construídos `a feição das catedrais. O poder do consumo é contagiante, e sua capacidade de alienação é tão forte que a sua exclusão atribui às pessoas a condição de alienados. Daí a sua força e o seu papel perversamente motor na sociedade atual.

Na mesma obra, Santos (p.35) afirma ainda que a glorificação do consumo acompanha a diminuição gradativa de outras sensibilidades. Chama a atenção para a questão da noção da individualidade que, de acordo com ele, é um dos alicerces da cidadania, e o próprio aniquilamento da personalidade do cidadão.

A preocupação com o estilo de vida leva a crer que as práticas de consumo, o planejamento, a compra e a exibição dos bens e as experiências de consumo na vida cotidiana não podem ser compreendidos simplesmente através do valor de troca, mas também por meio da cultura de massa.

No âmbito da cultura do consumo, o indivíduo moderno tem consciência de que se comunica não apenas por meio de suas roupas, mas também através de sua casa, mobiliários, decoração, carro e outras atividades, que serão interpretadas e classificadas em termos de presença ou falta de gosto. A preocupação em convencionar um estilo de vida e uma consciência de si estilizada não se encontra apenas entre os jovens e os abastados; a publicidade da cultura de consumo sugere que cada um de nós tem a oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a si próprio seja qual for à idade ou a origem de classe. (FEATHERSTONE, 1995, p. 23)

Nas sociedades contemporâneas, a oferta de mercadorias está em constante renovação. Grande parte da sua produção volta-se para o consumo pessoal, de lazer e de serviços. Nelas, verifica-se uma relevância crescente da produção de bens simbólicos, de imagens e de informações. Assim, as cidades contemporâneas são cada vez mais centros, não somente do consumo cotidiano, mas também de uma extensa série de mercadorias e de

experiências simbólicas produzidas pelas indústrias culturais. Nelas, tem-se “consumo de espetáculos, espetáculos de consumo, consumo de signos, signos de consumo”. (LEFEBVRE, 1971, p. 14)

Pode-se, portanto, falar em uma cultura de consumo que tem como objetivo a expansão da produção capitalista de mercadorias a qual proporciona a acumulação material de bens e de locais de compra e de consumo. Por outro lado, socialmente falando, existe a questão da satisfação e do status. Muitas pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou de estabelecer distinções sociais. Há, também, a questão dos prazeres emocionais do consumo, “os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos.”(FEATHERSTONE, 1995, p. 31)

É nesse contexto que se tornam importante o gosto, o julgamento, o conhecimento e a informação, pois estes se configuram como elementos que capacitarão os grupos para classificar e adequar às mercadorias como sendo essenciais ou não ao uso. A esse respeito, Douglas e Isherwood (1980, p. 176)10 definem as classes de consumo em três conjuntos de bens: um de artigos de consumo geral – correspondendo ao setor primário de produção, a exemplo da comida; um conjunto tecnológico – setor secundário da produção, percurso e equipamento capital do consumidor; e um terceiro conjunto o da informação – correspondendo à produção terciária, bens de informação, educação, artes, atividades culturais e de lazer. Essa classificação proposta por estes autores leva-nos a algumas reflexões, principalmente no que diz respeito ao nível de renda e à própria capacidade que cada indivíduo possui para julgar e, até mesmo discernir, o que de fato lhe é necessário à sobrevivência. Nesse sentido, o conhecimento de novos bens, seu valor social e cultural, bem como a maneira de usá-los adequadamente, acabam por criar profissionais especializados em desenvolverem serviços de informação, de marketing, de moda, de publicidade, de design, de comercialização, de merchandising, enfim, de divulgação de bens simbólicos.

10

DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. The World Of Goods. Harmondsworth. Penguin. 1980. Citados por FEATHERSTONE (1995, p. 37).