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DISTRIBUIÇÃO NO BRASIL

UBERLÂNDIA E A FORMAÇÃO DA REDE URBANA DO TRIÂNGULO MINEIRO

Após analisar as principais redes de hipermercados que atuam no Brasil, as estratégias comerciais e empresarias por elas adotadas, a localização geográfica, bem como a concentração econômica e espacial do setor, pretende-se discutir a importância da atividade comercial presente na cidade de Uberlândia e a influência daquela na formação da rede urbana regional.

Para atingir tal objetivo, cabe salientar que a atividade comercial foi fundamental para a ocupação e o desenvolvimento do Triângulo Mineiro visto que através desta economia a região inseriu-se na divisão inter-regional do trabalho. Portanto, torna-se importante entender como ocorreu esse processo em Minas Gerais e na região, bem como as conseqüências dele advindas, sobretudo no que se refere à formação da rede urbana local e a influência de Uberlândia como cidade média.

4.1. A ATIVIDADE COMERCIAL E A FORMAÇÃO REGIONAL DO TRIÂNGULO MINEIRO

4.1.1. O Abastecimento das Gerais e o Surgimento do Comércio

Antes da Independência do Brasil, a demanda externa dos principais centros urbanos europeus fortaleceu o comércio do país, principalmente dos produtos que poderiam constituir fonte de renda para Portugal. Ao mesmo tempo, praticamente inexistia um comércio interno na Colônia.

A economia aurífera, desenvolvida em Minas Gerais, promoveu importantes mudanças no processo de colonização, nas características de ocupação e na formação de aglomerações urbanas. O intenso fluxo migratório para as minas resultou na interiorização da ocupação do território nacional que, por sua vez, possibilitou, ainda que de forma incipiente, as primeiras formas de comercialização no interior do país.

Os moradores das áreas mineradoras só podiam dedicar-se à extração do ouro. Era terminantemente proibida qualquer produção de alimentos, pois a força de trabalho deveria concentrar-se na principal fonte econômica da região. Assim, os alimentos e outros gêneros necessários à sobrevivência da população local tinham origem nos mercados de São Paulo,

do Rio de Janeiro, da Bahia e da Região Platina.

Naquele período, a corrente comercial paulista transformou o Porto de Santos na “porta de entrada” dos produtos europeus, destacando-se o sal, as sedas, as armas, o ferro, os tecidos e os manufaturados proibidos de serem produzidos no país. Nesse contexto, cabe salientar a importância dos tropeiros paulistas.22 Favorecidos pela proximidade geográfica e pelas “ordens régias”que só permitiam o comércio com a região Sul (São Paulo e Rio de Janeiro), o tropeiro paulista estabeleceu um movimento intenso de distribuição de artigos com o Centro do Brasil e promoveu a circulação de tropas de burros, entre outros. 23 (ZEMELLA, 1990, p. 63) Assim como o Porto de Santos, o do Rio de Janeiro também se fortaleceu com o mercado criado no Brasil Central, chegando a suplantar o paulista no papel de entreposto comercial da região aurífera.

Além de comercializar produtos e trazer as notícias da Capital e da Europa, os tropeiros desempenharam importante papel na formação das primeiras vilas e arraiais que, posteriormente, transformaram-se em cidades. Embora de forma espontânea, a ocupação do espaço urbano no interior do país já apresentava importantes características. Na rua de maior movimento era reservado um espaço para a instalação do comércio. Naquela época, destacavam-se como estabelecimentos comerciais as denominadas “vendas”24 onde se comercializavam bebidas, comestíveis e pequenas miudezas; as “lojas”, que vendiam produtos de armarinhos, tecidos e utilidades domésticas; e as “boticas”, onde era possível adquirir remédios e drogas. Existiam ainda, os vendedores ambulantes de peixes, de carnes e de guloseimas25. (TAVARES, 1984, p. 40)

Nesse contexto histórico, cabe ressaltar, também, o papel exercido pelas cidades localizadas no litoral. Conforme escreveu Lizante Filho (1973, apud TAVARES, 1984,

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Para muitos autores estes tropeiros tinham várias origens, mas foram genericamente denominados de paulistas. Porém, os que mais se destacaram foram os paulistas e os cariocas. Além dos tropeiros existiam também os comboieiros, que traficavam escravos e os boiadeiros que comercializavam gado.

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Os tropeiros, figura típica, abasteciam os núcleos urbanos do sertão, principalmente das cidades mineradoras das Gerais, de Goiás e do Mato Grosso. Compravam nas Vilas e nas cidades litorâneas variados gêneros a exemplo de: toucinhos, aguardente, panos, calçados, açúcar, remédios, enxadas e artigos importados como o sal, armas, azeite, vinagre entre outros, para vende-los no sertão.

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Os proprietários das “vendas” moravam nos “fundos” dos estabelecimentos comerciais onde cultivavam hortaliças, árvores frutíferas e criavam animais para serem comercializados. Outro fato interessante é que, apesar de abrirem as “vendas” em horários pré-estabelecidos, atendiam de “portas fechadas”, pelos “fundos”, nos domingos e feriados.

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De acordo com Zemella (1990, p. 163-164), as guloseimas eram comercializadas nas vendas e nas lavras. Dispostas em tabuleiros e comercializadas por negras e mulatas quituteiras, esta forma de comercialização deu origem a um intenso comércio ambulante nas áreas mineradoras.

p.41), no período colonial estas cidades se constituíam em:

[...] centros de distribuições e consumo de mercadorias: dos secos e molhados de toda casta para elas levados em troca de ouro, que era o objeto maior de toda esta trama [...] Só ele podia pagar o transporte, através de grandes distâncias, de cosmestíveis e manufaturados. As vilas das regiões mineradoras eram, com efeito, centro de intensa atividade para o comércio, administração e artesanato [...].

Ainda no período colonial, evidenciava-se a divisão regional do trabalho que existe até os dias atuais. Ou seja, cabe aos estados do Centro-Sul e de suas principais cidades, organizar e gerenciar toda a produção do país, pois representam o centro da atividade capitalista brasileira. A economia aurífera promoveu ainda a transferência do centro político do país para o Rio de Janeiro. Posteriormente, a vinda de D. João VI para o Brasil e a expansão cafeeira possibilitaram a abertura dos portos do país às “nações amigas”, aumentando a exportação e a importação brasileira, dando um novo incremento à atividade comercial.

A expansão cafeeira, especialmente no final do século XIX, possibilitou a implantação de novas atividades ligadas ao comércio gerando um acúmulo de capital e de conhecimento que foram utilizados no desenvolvimento da indústria nacional.26 A vinda dos imigrantes, com destaque para os italianos, foi de fundamental importância não só para o incremento industrial, como também para o comércio, principalmente o varejista alimentício, pois aumentou o consumo interno. Com esse aumento no consumo, a “venda” foi ampliada, surgindo novas modalidades comerciais como o “armazém” e o mercado, geralmente construído pelo poder municipal, os quais passaram a fazer parte dos equipamentos urbanos disponibilizados às populações urbanas. O comércio ambulante também adquiriu outras proporções e transformou-se na principal atividade econômica do Rio de Janeiro. Botequins, bares e quiosques que comercializavam café, cachaça, lascas de bacalhau, broas de milho, entre outros produtos, também passaram a constituir os espaços urbanos das cidades brasileiras.

Na medida em que os armazéns foram ampliando a área dos estabelecimentos e o número de produtos a serem oferecidos, cada vez mais diversificados, as relações entre o

caixeiro e os clientes ainda predominavam, da mesma forma que as entregas em domicílio

e a venda a prazo, utilizando-se de cadernetas para anotar o valor e os produtos

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Sobre o desenvolvimento industrial no Brasil, neste trabalho vamos apenas fazer referência a tal processo enfocando, basicamente, as implicações proporcionadas pela indústria no desenvolvimento da atividade comercial brasileira.

comercializados. Cabe salientar que tais estabelecimentos, além de comercializarem produtos, configuravam-se como lugares onde se realizavam negócios pessoais, discutia-se política e os acontecimentos locais e nacionais, enfim, a vida cotidiana dos cidadãos que habitavam aquele lugar.

No decorrer dos anos de 1910, a influência francesa, que exerceu importantes mudanças no estilo de vida e nos hábitos alimentares da população brasileira de maior poder aquisitivo, começou a ser superada pela influência norte-americana, o “sportsman começa a ocupar o lugar do dandy da Belle Epóque [...] é a vez do empresário do self made

man trazido pelo cinema, pela publicidade e pelas revistas”. (TAVARES, 1984, p. 46)

O aumento da renda, promovido pela industrialização, favoreceu a instalação do varejo alimentício. Apesar de os armazéns continuarem a predominar, nesse período surgirem também os empórios e as feiras.27 Como salientou-se, na referida década, os armazéns constituíam-se como os lugares de trocas de diferentes produtos e de informações. Configuravam-se, a exemplo das feiras da Idade Média, como um lugar de encontro, onde se mantinha certo relacionamento entre clientes e vendedores. Essa foi uma das causas que fez com que muitos consumidores brasileiros, num primeiro momento, apresentassem pré-resistências em relação ao auto-serviço. Outro fato a ser ressaltado diz respeito ao sistema de vendas a crédito, com a utilização de cadernetas e as entregas realizadas em domicílio. Conforme se demonstrou no Gráfico 8, de acordo com a ABRAS (2003), apenas 33,7% das compras realizadas em supermercados e hipermercados eram pagas com dinheiro, sendo que 29,6% eram efetuadas com cartão de crédito. Quanto à entrega em domicílio, esta tem sido uma das estratégias utilizadas pelas empresas supermercadistas:apesar de utilizarem a denominação de delivery, voltaram a proceder como os antigos armazéns.

A partir da década de 1930, a influência norte-americana divulgada pelo rádio, pelo cinema, bem como a difusão do telefone e, mais tarde, da televisão, promoveu importantes

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Semelhantes aos armazéns, os empórios além de comercializarem “secos e molhados”, vendiam também verduras, aves e ovos e tinham a aparência de um depósito mal cuidado. Quanto às feiras, conforme mencionado anteriormente neste trabalho, constituem uma das instituições comerciais mais antigas. No Brasil, de acordo com vários trabalhos escritos sobre o assunto, as feiras-livres surgiram em 1910, na cidade de São Paulo, e representavam uma intervenção do poder público na tentativa de minimizar as irregularidades no fornecimento de gêneros alimentícios, aproximando o produtor do consumidor.

mudanças no comportamento dos consumidores, nas formas e estabelecimentos comerciais. É nesse contexto, que surgem no Brasil as primeiras lojas de auto-serviço, conforme se mencionou nos capítulos anteriores.28

Após essas breves colocações, acredita-se que se torna interessante a analisar o processo de abastecimento de gêneros alimentícios e o desenvolvimento da atividade comercial na região do Triângulo Mineiro e na cidade de Uberlândia.

4.1.2. O Desenvolvimento do Comércio na Região do Triângulo Mineiro

Durante o processo de ocupação do território brasileiro, o estado de Minas Gerais desempenhou a importante função de região consumidora dos produtos que provinham de São Paulo e do Rio de Janeiro, além dos importados da Europa. Posteriormente, na economia cafeeira, o estado, particularmente a região do Triângulo Mineiro, tornou-se o entreposto comercial de abastecimento de alimentos para outras regiões, especialmente para os estados que antes se configuravam como pólos de abastecimento.

Enquanto local de entroncamento de várias rotas comerciais, o Triângulo Mineiro tornou-se importante na intermediação de produtos para o abastecimento de gêneros alimentícios, principalmente o arroz. Com a divisão inter-regional do trabalho, comandada por São Paulo, e juntamente com a tendência à integração dada a sua localização, no final do século XIX, o Triângulo Mineiro transformou-se num importante circuito mercantil do país, constituindo a base histórica dessa economia, pois, a agropecuária mercantil, além de possibilitar a ocupação econômica da região, promoveu o desenvolvimento da atividade comercial. (CLEPS, 1997)

Gradativamente, a região foi consolidando-se como importante centro de comercialização, pois, para colocar seus produtos no mercado paulista, foram criados vários entrepostos comerciais que, posteriormente, constituíram-se como os principais centros urbanos do Triângulo Mineiro. (Mapa 6)

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Cabe salientar que, no período compreendido entre 1930 e 1950, as políticas públicas marcaram a presença do Estado no varejo brasileiro. Como exemplo das intervenções estatais, podemos citar: a fundação da Cooperativa Mista, pertencente aos empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1906; 1935 foi fundada a Cooperativa dos Ferroviários da Noroeste do Brasil; 1939 criou-se a Comissão de Abastecimento e Preços que tinha como objetivo regular a produção e o comércio de gêneros alimentícios, de matéria-prima, de drogas e medicamentos, de materiais de construção, combustíveis, lubrificantes, entre outros; 1940 criou- se o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), com o objetivo de fornecer alimentos às famílias mais pobres; 1950, os funcionários da antiga Viação Férrea Centro Oeste, organizaram um armazém reembolsável, que chegou a ter 21 lojas espalhadas na Capital e no interior de Minas Gerais (estes armazéns, denominados de reembolsáveis, foram criados para atender os servidores públicos civil e militar); Em 1951, foram criados redes de Postos de Abastecimento como a Comissão de Abastecimento e Preços (COAP) e a Comissão Municipal de Abastecimento e Preços (COMAP). (TAVARES, 1984, p. 48-52)

MAPA 6