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AS NOVAS ROTAS DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS IMPULSIONANDO A DESVERTICALIZAÇÃO

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PARTE I

3.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS FARMACÊUTICA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

3.3.1. AS NOVAS ROTAS DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS IMPULSIONANDO A DESVERTICALIZAÇÃO

SCARLETT (1996) descreve o incentivo inicial da desverticalização coincidindo com o emergir dos produtos biológicos e identificou que a produção de medicamentos via síntese química vinha sendo, historicamente, verticalmente integrada dentro da indústria farmacêutica, levando ao uso relativamente pouco frequente da terceirização na sua produção comercial. Parte da relutância da indústria farmoquímica de avançar nesse sentido dizia respeito à cultura corporativa, onde a alta gestão entendia que

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conseguia realocar prioridades e recursos mais rapidamente quando tais ativos eram próprios e controlados exclusivamente pela empresa.

No entanto, o autor avalia que a falta de motivação para o outsourcing estaria relacionada com as plantas de manufatura convencionais, onde processos são executados com pouca ou nenhuma exigência de tecnologia de sala limpa. Tais instalações possibilitavam expansão quando fosse necessário obter capacidade adicional, com pouco investimento, pouca inatividade e baixa incerteza sobre a conformidade regulatória.

Em contraste, o processo de fabricação para produtos biológicos demanda equipamentos e instalações muito mais complexos, praticamente todas as operações devem ser realizadas em um ambiente de sala limpa, dentro de padrões de limpeza apropriados e, devem conter sistemas de ventilação que utilizem filtros de eficiência comprovada. A entrada de pessoal e de material deve ser feita através de antecâmaras, com diferencial de pressão, os operadores devem ser qualificados em troca de vestimentas dedicadas, e todas as operações nas áreas controladas são subordinadas ao programa de monitoramento ambiental (ANVISA, 2017).

Tais constatações levaram o outsourcing a ser considerado uma alternativa viável ao projeto concepção, construção e financiamento de novas instalações em conformidade com as boas práticas de fabricação. A estratégia de outsourcing apresentou-se como uma opção factível na utilização de instalações de plantas de

bioprocessamento, para complementar as competências técnicas, para o

desenvolvimento de processos biotecnológicos, enquanto a empresa avalia se essa decisão de contratação de terceiros vai fazer parte da estratégia corporativa ou se interessa investir nas suas próprias instalações e internalizar tais operações, em médio prazo.

Conforme o pressuposto por SCARLETT (1996), a indústria farmacêutica também seguiu o fluxo da globalização e passou por uma mudança de paradigma tecnológico que lhe permitiu pensar de forma diferente sobre a pesquisa e concepção de medicamentos. O inovador não é mais a empresa individual, mas sim um grupo de agentes com habilidades e ativos complementares e heterogêneos que estão integrados por meio de um conjunto elaborado e muitas vezes complexos de acordos de rede. A reconfiguração dinâmica do setor foi ocasionada por movimentos de fusão e aquisição, diversas formas de parcerias e desverticalização – subcontratação de operações não realizadas internamente.

Essas novas relações contratuais possibilitaram a ampliação do número de novos medicamentos lançados no mercado em um prazo significativamente reduzido,

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sendo esse o maior benefício atribuído à descentralização do P&D. O outsourcing viabilizou o incremento da produtividade, da velocidade e da capacidade de produção de novos produtos, tendo como vantagem adicional a extensão do período de comercialização com proteção (RADAELLI, 2006).

O novo regime mundial de propriedade intelectual, a partir da década de 90, inibiu o potencial de exploração de estruturas moleculares conhecidas e abalou a produtividade das indústrias farmoquímicas. Nesse cenário retraído, os recentes relacionamentos com parceiros offshore acabaram por se estabelecer como uma alternativa de viável para o acesso às fontes de inovação e geração de conhecimento (RUIZ & PARANHOS, 2012).

RADAELLI (2008) descreveu que a cadeia produtiva farmacêutica viveu um período de reconfiguração, compartilhando os riscos de inovação com start ups, onde podia fazer apostas de maior risco e menor custo nos early stages, ou comprar empresas com produtos em fase II de desenvolvimento, com menor risco associado, e preço mais alto.

Na perspectiva inicial, o outsourcing teve como alvos principais o ganho de eficiência nos processos e a redução de custos, pois adicional à supressão de encargos trabalhistas, são transferidos às empresas contratadas os riscos inerentes aos choques de demanda (redução dos custos de capital). Ademais, as atividades terceirizadas são delegadas a empresas especializadas e com capacitação, para que tragam, efetivamente, melhores soluções operacionais (RADAELLI, 2006 e PRADO, 2008).

Com a finalidade de encurtar o período entre as pesquisas, o licenciamento e o lançamento de novos medicamentos, distintos tipos de instituições tendem a se especializar nos estágios produtivos em que são mais eficientes, como a academia, start ups e spin offs nos primeiros estágios, pequenas empresas nos intermediários e grandes multinacionais farmacêuticas de países com claras competências nas etapas finais, como a Índia e China. Devido as barreiras à entrada na indústria farmacêutica e às próprias condições de origem das start ups, a elas foi atribuído o papel de serem especialistas na descoberta de novas drogas em organizações CROs. (RADAELLI, 2008 e PINTO, 2010). Com atuação destacada nos testes pré-clínicos e, sobretudo, clínicos, as CROs são responsáveis pelo monitoramento dos voluntários e pela descrição dos resultados obtidos em cada fase. A externalização da pesquisa clínica para outros países é atraente aos grupos farmacêuticos, sobretudo, porque há dificuldade para encontrar voluntários que queiram “cooperar” com ensaios de novos medicamentos nos países desenvolvidos, ainda mais a baixos custos. Dessa forma,

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busca-se agilizar o processo de desenvolvimento de novas drogas, fator crucial e cada vez mais complexo para a competitividade (RADAELLI, 2006 e PRADO, 2008). As autoras reforçam que o outsourcing não significa que os grandes laboratórios “desaprendam” as atividades terceirizadas, pelo contrário, muitas vezes, trabalham em conjunto com as subcontratadas, com o intuito de ampliar a eficiência da operação global.

3.3.2. O AVANÇO DO DESVERTICALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DA