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4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PARTE II

4.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS DA REVISÃO DE LITERATURA

Uma vez definido o recorte do estudo, delimitado o problema de pesquisa e enunciado os objetivos a serem atingidos, a revisão de literatura é naturalmente o passo

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seguinte, onde são levantadas as informações necessárias visando responder de forma consistente o problema formulado. A partir desse mapeamento do referencial relativo à questão central, legitima-se ou não a pertinência da pesquisa.

Confirmando-se o pressuposto inicial, o tema central pesquisado começa por ampliar suas fronteiras: por que se deseja saber mais, a quem interessa, existe normativo relacionado, trará vantagens, incorrerá em riscos?

A revisão da literatura empreendida teve por objetivo apoiar a conjectura deste estudo. Dessa forma, algumas suposições inicialmente postuladas foram confirmadas pela bibliografia compulsada.

Ao longo das últimas décadas, o mercado internacional impulsionado principalmente por mudanças econômicas e tecnológicas, se interconectou globalmente por meio de diversos arranjos relacionais. Nessa conjuntura, o problema formulado nesse trabalho diz respeito à indústria farmacêutica, reconfigurada como um aglomerado de parcerias contratuais, sua inserção no aparato regulatório setorial e a identificação de uma questão do conhecimento ainda incipiente: se a qualidade, um driver central de operações do processo produtivo farmacêutico, poderia estar sendo afetada pelo cenário vigente e a ilação de uma ferramenta com potencial de reconduzir a qualidade ao seu protagonismo nas operações.

A indústria farmacêutica encontra-se organizada sob diversos arranjos relacionais, geograficamente dispersa, globalmente articulada. Nas diversas cooperações comerciais arquitetadas, o processo produtivo é compartilhado pela empresa mãe e subsidiárias, ou duas ou mais organizações distintas, no mesmo país ou em países/ continentes distintos. As múltiplas parcerias derivadas possíveis (transferências de tecnologia, parcerias tecnológicas, contratação de serviços, desenvolvimento conjunto, etc), com diferentes localizações geográficas (inshore insource, inshore outsource, offshore insource, offshore outsource) incorrem em maiores riscos à qualidade. As etapas de um processo do ciclo de vida farmacêutico podem ser produzidas em diferentes organizações, mas a assimetria de informações entre os agentes inibe a reprodução e melhoria das práticas. A fragilidade das relações contratuais explicita problemas de agência e impacta os custos de transação. A qualidade é premissa fundamental da indústria farmacêutica, e na perspectiva regulatória, é compulsória, porém o mercado global ainda lida com a falta de harmonização das agências regulatórias, o que, de certa maneira, regionaliza as exigências de conformidade. Na perspectiva financeira, a qualidade é um investimento de retorno garantido e apesar disso, a má qualidade ainda é praticada, seus custos

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ainda não são totalmente conhecidos e os desperdícios ocorrem rotineiramente, lesando uma sociedade cada vez mais consciente da escassez de seus recursos.

Nesse mercado integrado pela globalização, os medicamentos devem poder ser produzidos e consumidos em diferentes localidades, desde que a regulação garanta que as operações produtivas sejam integralmente equivalentes e originem produtos de qualidade análoga. Os procedimentos e documentos exigidos na solicitação de um registro de autorização de comercialização de um determinado medicamento podem diferir de uma agência regulatória para outra, deixando implícita a falta de uniformização das solicitações.

Essas questões estão no radar da regulação do setor. A agência regulatória norte-americana, Food and Drug Administration – FDA desenvolve um programa denominado FDA’s Beyond Our Borders para atender ao aumento das importações para o mercado norte-americano. O FDA admite que muitos produtos são provenientes de países com pouca capacidade de fornecer a supervisão regulatória necessária para garantir a segurança dos produtos exportados, o que gera riscos sanitários à qualidade dos produtos, além de possibilitar a contrafação. Neste sentido, a agência vem também estabelecendo escritórios em diversos países (FDA, 2013). Uma tendência deste movimento é também o aumento do nível de exigência por parte das autoridades regulatórias quanto à gestão da rede de fornecedores e de prestadores de serviços por parte do setor regulado (BELART, DIAS, SILVA et al., 2014).

Como uma reação inicial com potencial de minimizar os riscos advindos do panorama vigente, o QbD apresenta-se como uma ferramenta onde o conhecimento é cientificamente embasado e compartilhado, os riscos são mapeados e partilhados e a otimização de processos e produtos são encorajados, expandindo os componentes da capacidade tecnológica. Esses atributos vêm ao encontro da expectativa de fortalecimento das relações comerciais regulatórias do global sourcing, e na teoria, ensejam maior transparência e confiabilidade às transações contratuais advindas dos processos produtivos farmacêuticos entre parceiros neste mercado.

Uma constatação também derivada do estudo empreendido adverte que a conformidade regulatória, de caráter obrigatório, tem um custo financeiro e um custo operacional, implicando a redução da efetividade devido à complexidade de barreiras ao fluxo dos processos. Processos bem planejados e desenhados, conforme o preconizado pelo QbD, induzem diferentes áreas a trabalhar em sinergia, criando corpo de conhecimento, vislumbrando processos efetivos, de alto rendimento e baixo risco, aderentes ao arcabouço normativo.

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A literatura compulsada ratifica a indústria farmacêutica como uma das mais poderosas e influentes, que defende seus interesses econômicos com agressiva interferência na produção do conhecimento médico, financiando pesquisas e produção científica alinhada com sua estratégia de negócios (MIGUELOTE & CAMARGO JR., 2010). A produção farmacêutica é um processo longo, dispendioso, o risco tecnológico de falhas ao longo de toda a cadeia é alto, tornando o processo de desenvolvimento de novos produtos permeado de muita incerteza. O candidato à nova droga tem na transferência de tecnologia um desafio adicional, já que um escalonamento bem- sucedido demanda tempo e compreensão de parâmetros críticos. Como o prazo de previsão de lançamento de novo produto é uma enorme pressão, e o tempo limitado, o registro sanitário passa a ser um alvo a ser atingido a qualquer preço. Processos de baixa consistência e enorme variabilidade se estabelecem e não garantem a estabilidade dos itens produzidos. Quando esse processo intrincado envolve duas ou mais empresas e ambientes regulatórios, pode-se prever um incremento na complexidade.

O encaminhamento empírico desse estudo teve como proposta endereçar a um conjunto de experts da indústria farmacêutica questões onde deveriam considerar o impacto do QbD em diferentes aspectos apontados pela pesquisadora, a partir de proposições desenvolvidas com base na literatura revisada.

Uma vez definido o problema prático, o mapeamento inicial da literatura empreendido ratifica e suporta a questão teórica da pesquisa. A busca no acervo literário foi orientada pelo tema central QbD e sua amplitude reafirma seu diálogo com os outros três quadros conceituais compulsados, que também incorporam conceitos subjacentes.

A partilha do conhecimento, os aspectos regulatórios, os riscos à qualidade e os custos da qualidade são constituintes da rotina manufatureira na indústria farmacêutica. Com o incremento da complexidade decorrente do global sourcing, pode-se presumir um impacto positivo da adoção do QbD?

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