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4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PARTE II

4.2. QUALITY BY DESIGN

4.2.12. QBD ANALÍTICO AQbD

O desenvolvimento de um produto farmacêutico inclui como uma de suas etapas o desenvolvimento da metodologia analítica para verificação de sua qualidade, quando o produto for transferido para a fase de produção. Para garantir a qualidade dos medicamentos produzidos é essencial que os métodos analíticos desenvolvidos sejam seguros, visando à obtenção de resultados confiáveis para a sua avaliação, desde as matérias-primas, intermediários de produção aos produtos acabados. Resultados analíticos não confiáveis podem acarretar em liberação de produtos insatisfatórios.

O primeiro passo para a obtenção de resultados analíticos confiáveis está na validação do método analítico desenvolvido. Porém alterações em insumos, equipamentos, instrumentos ou composição do produto podem demandar a revalidação do método analítico. É de fundamental importância assegurar a confiabilidade do método analítico, certificando que os dados gerados indicam inequivocamente a qualidade do produto.

De acordo com PERAMAN, BHADRAYA, PADMANABHA (2015), o significativo número de relatórios sobre resultados analíticos fora de tendência (out of trend / OOT), fora de especificação (out of specification / OOS), fora de controle (out-of-control /OOC) e fora do controle estatístico (out of statistical control /OOSC), sugere que esses problemas, indicadores de intensa variabilidade de processos, são recorrentes na indústria farmacêutica. Resultados de controle de qualidade fora de especificação endereçam à duas origens: desvios na produção ou no próprio controle de qualidade, onde uma metodologia analítica precariamente desenvolvida ou validada poderia levar à resultados inconsistentes.

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Essa instabilidade, segundo alguns pesquisadores poderia ser minimizada pela aplicação do QbD aos métodos analíticos (AQbD – Analytical QbD), de maneira análoga ao framework aplicado aos processos de desenvolvimento e manufatura. O AQbD contribui no desenvolvimento de um método analítico robusto e custo efetivo, fortalecendo o conceito de “análise correta no tempo certo”, que equivale a acabar com retestes, reamostragens, reagendamentos de liberação de resultados, que tem impacto na liberação dos produtos. No AQbD, de forma similar ao QbD, o método analítico é desenvolvido dentro de um design space analítico (MODR method operable design region), trazendo flexibilidade à mudanças e melhorias para o método, dentro da região de operação definida, substituindo a necessidade de revalidação de métodos analíticos, conforme TABELA 22:

TABELA 22: ABORDAGEM CONVENCIONAL VERSUS DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS QBD VERSUS AQBD

PARÂMETRO TRADICIONAL QbD AQbD

ABORDAGEM Baseado em abordagem empírica Baseado em abordagem sistemática Baseado em abordagem sistemática QUALIDADE Qualidade é assegurada testando produto final Qualidade é construída no processo e produto por abordagem científica e projeto Robustez e reprodutibilidade do método construídas no estágio de desenvolvimento do método SUBMISSÃO FDA Incluindo apenas dados para submissão Submissão baseada em conhecimento do produto e compreensão do processo Submissão baseada em conhecimento do produto e assegurada pelo perfil analítico alvo

ESPECIFICAÇÃO Especificações baseadas histórico do lote Especificações baseadas nos requisitos de desempenho do produto Baseada no desempenho do método para o perfil alvo analítico

PROCESSOS Processo é congelado e desencoraja mudanças Processo flexível. Design space permite melhoria contínua Método flexível. Design space analítico permite melhoria contínua ALVO DE RESPOSTA Foca em reprodutibilidade, ignorando a variabilidade Robustez oriunda do entendimento e controle da variabilidade Foco na robustez e custo efetividade do método

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VANTAGEM

Limitado e simples Tecnologia Analítica do Processo (avaliação em tempo real substitui a necessidade de testes no produto final) Substitui a necessidade de revalidação, minimizando OOT e OOS

FONTE: PERAMAN, BHADRAYA, PADMANABHA (2015)

O tempo de atravessamento dos processos produtivos deve considerar o lead time dos procedimentos analíticos. Quanto menos robusto for o desenvolvimento deste procedimento, maior a probabilidade de resultados discrepantes, necessidade de retestes e investigações de desvios de qualidade. O AQdB preconiza o aumento compreensão do fundamento dos procedimentos analíticos e da capacidade do processo. A FIGURA 42 ilustra as etapas da implementação do AQdB.

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FIGURA 42: FLUXOGRAMA DAS ETAPAS DA IMPLEMENTAÇÃO AQdB

FONTE: ADAPTADO DE ROZET, LEBRUN, DEBRUS et al. (2013); BHUTANI, KURMI, SINGH et al. (2014)

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Dado que o uso de enfoque baseado em ciência resulta em fortalecimento do ciclo produtivo e analítico farmacêutico, MALLU, NANDURI, NAIR et al. (2015) ilustram um esquema comparativo aplicado aos estágios do ciclo de vida, conforme FIGURA 43.

FIGURA 43: CICLO DE VIDA DO PRODUTO FARMACÊUTICO: ABORDAGEM TRADICIONAL VERSUS BASEADA EM RISCO

FONTE: MALLU, NANDURI, NAIR et al. 2015

Visto que o QbD deriva em conhecimento expressivo sobre variáveis críticas na produção farmacêutica, como a matéria prima, parâmetros de processo, metodologia analítica, estabelecimento de especificações adequadas, experimentos cientificamente projetados, é de se esperar que esse repositório de informação contribua para a estabilidade do produto ao longo do seu ciclo de vida. MAGGIO, VIGNADUZZO, KAUFMAN (2013) lembram que desde que a estabilidade dos produtos depende das propriedades da droga, do projeto da formulação, do sistema de vedação do recipiente e do processo de manufatura, o emprego da abordagem QbD deveria ser estimulado para obter melhor entendimento do efeito desses fatores na estabilidade do produto,

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visando assegurá-la até (e além) o prazo de validade. A implementação do QbD nesse contexto requer um conjunto de informações sobre o produto durante seu desenvolvimento, verificação de alterações no processo e na formulação dentro do design space relacionadas à estabilidade, e avaliação de potenciais riscos na estabilidade do produto no armazenamento e durante seu ciclo de vida, com base nos atributos críticos de qualidade determinados pelo QbD. Com essa finalidade, o QbD poderia contribuir para o estabelecimento de estudos de estabilidade adequados, consistentes ao monitoramento da qualidade do produto durante o tempo de prateleira, e alinhados com a expectativa dos pacientes e dos órgãos regulatórios.

APLICAÇÃO DE QbD AO CICLO PRODUTIVO DO MEDICAMENTO GENÉRICO

Para concluir o capítulo de revisão bibliográfica, buscou-se a apresentação dos diversos empregos do QbD na indústria farmacêutica. SANGSHETTI, DESHPANDE, AROTE et al. (2014) fizeram uma revisão e uma síntese das várias publicações dos diversos segmentos da indústria farmacêutica onde o QbD vem sendo aplicado: medicamentos genéricos, estéreis, tabletes, sólidos orais, formulação em gel, biofármacos, anticorpo monoclonal, métodos analíticos, estudos de estabilidade, avaliação de desempenho clínico, genética, nanofármaco, etc.

A aplicação de QbD ao ciclo produtivo do medicamento genérico foi o exemplo escolhido neste trabalho, dada sua relevância comercial e de saúde pública e como seu desenvolvimento parte de um produto comercial já existente, parte-se do pressuposto que se trata de um simples copiar a receita do bolo. A literatura consultada revela que mesmo nesse segmento, a emprego do QbD pode disponibilizar aos pacientes medicamentos seguros, em menor tempo, sem incorrer em custos adicionais.

O medicamento genérico tem um importante papel na ampliação do acesso de pacientes a medicamentos com efeitos terapêuticos equivalentes aos medicamentos de marca, com custo significativamente mais baixos, uma vez que não precisam de investimento em pesquisa para seu desenvolvimento e nem de publicidade para a marca, já que não tem nome comercial.

Ao longo dos últimos anos, os medicamentos genéricos aumentaram em volume e market share. Esses produtos, com preço significativamente mais baratos que seus homólogos de marca, acabam tendo a sua adoção encorajada e promovida pelas instituições governamentais de assistência de saúde que estão lidando com os aumentos de custos e envelhecimento da população. Atualmente, nos EUA, os

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medicamentos genéricos representam 88% de todas as prescrições e segundo o mais recente relatório da IMS Health, os genéricos podem ser responsáveis por 91% -92% do volume de prescrições em 2020. Conforme a FIGURA 44 da IMS Health, a partir de 2013-2018 os medicamentos genéricos deverão ser responsáveis por 52% do crescimento global do mercado farmacêutica, em comparação com 35% para os medicamentos de marca. No geral, as vendas de medicamentos genéricos deverão aumentar de U$ 267 bilhões em 2013 para U$ 442 bilhões em 2017, uma taxa de crescimento anual de 10,6%. (Fonte: http://www.nasdaq.com/article/generic-drugs- revolutionary-change-in-the-global-pharmaceutical-industry-cm576603#ixzz4E1AbbrCM).

FIGURA 44: VENDAS DE MEDICAMENTOS EM U$ BILHÃO 2013-20

Um medicamento genérico é uma alternativa de baixo custo à um medicamento de marca cuja patente expirou. A Resolução Anvisa - RDC nº 135, de 12/08/2003, define o medicamento genérico conforme o seguinte: "medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de xclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB13 ou, na sua ausência, pela DCI14".

13Denominação Comum Brasileira (DCB): "denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária". Fonte: Anvisa: RDC nº 135, de 12/08/2003.

14 Denominação Comum Internacional (DCI): "denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente

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No Brasil, o reconhecimento de que o emprego das denominações genéricas institui um dos mecanismos de regulação de preços dos medicamentos induziu, em 1993, à adoção dos medicamentos genéricos como política do setor de saúde e de economia do governo brasileiro (ARAÚJO, ALBUQUERQUE, KATO, et al., 2010).

A qualidade do produto genérico é baseada em dois critérios: equivalência (ter o mesmo ingrediente ativo, atividade, pureza, dosagem, forma farmacêutica, qualidade, desempenho, utilização prevista, via de administração como a do medicamento de marca de referência) e bioequivalência (remete à ausência de diferença estatisticamente significativa na taxa de biodisponibilidade, sendo o padrão para comprovação da intercambialidade das formulações, conforme preconizado na legislação sanitária). Estando presentes os dois critérios, nestas condições, a droga é considerada como sendo um equivalente terapêutico (RAW, LIONBERG, YU, 2011).

Apesar de ser um segmento considerado pouco inovador, a produção de genéricos vem se esforçando para a melhoria de seu processo. EZIOKWU (2013) declara que os produtores de genéricos também aderiram ao “fazer certo da primeira vez, e a qualquer tempo”, porque querem reduzir custo, minimizar o tempo para aprovação lançamento e prover fornecimento ininterrupto de medicamentos de qualidade e acessíveis a todos os pacientes.

Ocorre que os projetos dos medicamentos encaram um aumento em sua complexidade, e, dessa forma, a abordagem para assegurar equivalência terapêutica teve de evoluir para assegurar medicamentos genéricos de qualidade. O QbD foi considerado essa resposta, ao introduzir o conceito de perfil alvo de qualidade do produto (PAQP), onde RAW, LIONBERG, YU (2011) apresentam, neste contexto o conceito de “equivalência farmacêutica por design”, contrapondo o conceito anterior “equivalência farmacêutica por teste”. Invocando os elementos chave do QbD na avaliação de produtos complexos com liberação modificada, os autores providenciam uma oportunidade de aprimorar a abordagem regulatória corrente utilizada para estabelecer a equivalência terapêutica do produto genérico. Eles atingiram esse objetivo complementando o paradigma tradicional, onde a equivalência do produto genérico é baseada principalmente em conclusões dos estudos "bioequivalência por testes”, entendido um enfoque limitado, avançando para um que modelo que considera se o medicamento genérico foi desenvolvido para ser um equivalente ao medicamento de referência, baseado na qualidade adequada resultante da "equivalência farmacêutica pelo design".

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VARU & KHANNA (2010) também entendem que o desenvolvimento do medicamento genérico pelo enfoque QbD acarreta em benefícios ao sistema produtivo, como a possiblidade de disponibilizar ao mercado genéricos de alto patamar de qualidade. Eles oferecem uma visão geral do fluxo produtivo do genérico, pela abordagem tradicional (Figura 45) e pelo enfoque QbD (Figura 46), onde também se constitui um design space, que acarreta em maior flexibilidade para eventuais ajustes pós-aprovação regulatória.

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FIGURA 45: ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTO GENÉRICO, SOB ENFOQUE TRADICIONAL

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FIGURA 46: ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTO GENÉRICO, SOB ENFOQUE QbD

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FAGUNDES (2012) relata o caso da incorporação do medicamento genérico Efavirenz 600 mg (comprimidos revestidos), cujo medicamento de referência é o Stocrin®, fabricado pela empresa Merck Sharp & Dohme Farmacêutica Ltda. Coube ao Instituto de Tecnologia em Fármacos - Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos /FIOCRUZ), mais uma vez, responder à este desafio e atender a demanda do Ministério da Saúde para o tratamento de doenças negligenciadas, endemias focais e outros agravos à saúde, como suporte ao programa brasileiro de prevenção e combate à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, pela incorporação de vários medicamentos antirretrovirais utilizados pelo Programa Nacional de Prevenção, Controle e Tratamento de doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (PN-DST/AIDS).

Para o início da internalização da tecnologia produtiva do Efavirenz, dificuldades adicionais foram detectadas: conhecimentos relevantes sobre o insumo ativo, como especificações de tamanho de partícula, dados sobre dificuldades de formulações, aspectos de correlação de parâmetros físico-químicos com impacto em processabilidade, estabilidade e biodisponibilidade, estavam indisponíveis, pelo fato do fato do medicamento de referência ainda se encontrar sob patente internacional. Em relação aos aspectos analíticos, o panorama não era muito distinto. Da mesma forma que na formulação, a metodologia analítica ainda não estava descrita em compêndios oficiais, como as Farmacopeias Americana (USP), Européia (EP), Britânica (BP) e Brasileira (FB). Nesse estudo, foi realizado um mapeamento para avaliação se os princípios do QbD e PAT agregariam um ganho tecnológico e de qualidade, bem como um incremento na celeridade na etapa de internalização. FAGUNDES (2012) conclui que a aplicação da abordagem QbD aos produtos existentes implica em muito menos incerteza para a indústria e que parte dos desafios encontrados poderiam ser mitigados frente ao uso de ferramentas mais apropriadas, adequadas à filosofia QbD, em que os dados são analisados de maneira racional. Além disso, a possibilidade de exclusão de algumas etapas de controle de qualidade em função do conhecimento pleno do processo de fabricação poderiam reduzir os tempos de atravessamento, garantindo agilidade na disponibilização do produto ao mercado.

4.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS DA REVISÃO DE