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3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PARTE I

3.1. CADEIA DE SUPRIMENTOS FARMACÊUTICA

3.1.6. BIOTECNOLOGIA: MUDANÇA DE PARADIGMA

A necessidade de foco e dinamismo na inovação, um sustentáculo importante nos avanços da indústria farmacêutica, faz com que as organizações se aproximassem da academia e seus centros de pesquisa universitários, buscando relacionamentos cooperativos e maior agilidade. Apesar de ser um oligopólio, outros atores fizeram parte da evolução da indústria. No seu estágio inicial (de 1850 a 1945), as universidades, por exemplo, eram as provedoras de um insumo crítico: o conhecimento básico para as empresas (RADAELLI, 2008).

No tradicional modelo de negócios, as empresas farmacêuticas atuavam no modelo de inovação fechado, onde os cientistas realizavam a pesquisa que movia a base de conhecimento para o desenvolvimento corporativo (RASMUSSEN, 2007). Cada empresa farmacêutica conduzia sua própria pesquisa, desenvolvimento, fabricação e distribuição com pouca interação com atores da rede. Esta proposta de valor se baseava na proteção de patentes, que de uma forma geral, disponibilizava para o mercado um pequeno número de produtos, em grandes volumes, se beneficiando de economias de escala e escopo.

Uma característica fundamental da transformação em curso na indústria é a inovação aberta. Isto significa que as empresas farmacêuticas já não dependem apenas de sua P&D centralizada e internamente focada e estão cada vez mais procurando para fontes externas de inovação, tais como parcerias de pesquisa com pequenas empresas de biotecnologia, universidades, organizações não governamentais, e outros arranjos, inclusive comerciais (SHAFIEI, FORD, MORECROFT, et al, 2013).

PISANO (2006) demarca 1976 como um divisor de águas na indústria farmacêutica, devido à erosão de barreiras de entrada, com a criação da Genentech sendo a pedra fundamental da revolução biotecnológica que acabou por contribuir para a abertura desse mercado verticalizado para novos arranjos colaborativos. A revolução cientifica ocorreu em diferentes áreas de conhecimento, como biologia molecular, bioquímica, ciência da computação, biofísica, engenharias e diferentes especialidades da medicina. Esse conjunto multidisciplinar e com tácitos saberes, se conformou de modo integrado ou complementar, arquitetando a base de um novo conhecimento, a biotecnologia. O autor avança no conceito, conectando a ciência ao negócio, em um

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science-based business (aqui a ciência é o negócio em si), pois a organização cria ciência e extrai valor diretamente dessa criação, valor esse dependente da qualidade direta do produto científico. E esse negócio é fortemente permeado por riscos e incertezas, componentes inerentes ao conhecimento cientifico, mas ingredientes deletérios para o negócio.

As encomendas tecnológicas das grandes organizações farmacêuticas era uma das mãos dessa via de mão dupla. A operação dos institutos biotecnológicos, via de regra, contava com um cientista renomado da academia e alunos e colaboradores (et al), sintetizando novas entidades para fins comerciais, sem, no entanto, possuir competência e aparato técnico-operacional-legal-científico para as demais fases do ciclo de vida do produto farmacêutico. Tais restrições acabavam por endereçar às empresas farmacêuticas, que apresentavam as condições e recursos necessários, para desenvolver os ensaios clínicos e realizar o escalonamento para uma escala industrial, registro, produção e distribuição (SOUZA, 2007). Nesse sentido, a complementariedade de ativos contribui para esse relacionamento ser definido como ganha-ganha.

O longo ciclo de desenvolvimento farmacêutico pode durar até quinze anos, onde a etapa da descoberta se inicia com cinco a dez mil potenciais candidatos a novo produto. Desses, apenas duzentos e cinquenta avançam para os estudos pré-clínicos. Desse quantitativo, somente cinco aspirantes prosseguem para a fase de estudos clínicos, e se o processo for bem-sucedido, um novo produto chega ao mercado. O alto custo de desenvolver um novo medicamento também repercute fortemente na descontinuidade do ciclo de desenvolvimento de novos produtos, desde a sua descoberta até a fase de ensaios clínicos (KESSEL, 2011; PHRMA, 2013). Essa elevada taxa de insucessos explicita o risco tecnológico envolvido nesse processo, sendo objeto da Pesquisa Translacional, que estuda as dificuldades atuais de se transformar as inovações em saúde em ativos disseminados e adotados pelos usuários (consumidores e pacientes) (PHRMA, 2013; MALLET, 2015) (FIGURA 9).

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FIGURA 9: O PROCESSO DE P&D FONTE: ADAPTADO PHRMA, 2013

A etapa de transição da pesquisa básica até o início dos estudos clínicos é definida como “Vale da Morte”, e evidencia a desarticulação entre os pesquisadores, ocupados com a descoberta e os médicos, com os pacientes. Existe uma significativa inconsistência entre o substantivo número de artigos e patentes publicadas em todo o mundo, que não se materializam em produtos postulantes aos ensaios clínicos, destacando o gap existente entre o momento de descoberta de uma potencial aplicação clínica e a comprovação de sua segurança e eficácia em humanos (BUTLER, 2008; MALLET, 2015). Por vezes a pesquisa básica se inicia sem foco e acontece de maneira descolada da pesquisa aplicada, tendo como consequência que o composto recém- descoberto seja entregue para o departamento de desenvolvimento tecnológico de qualquer maneira, dissipando assim a oportunidade de que a transferência de conhecimento entre as áreas seja realizada de maneira sistemática e integrada (FIGURA 10).

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FIGURA 10: A PESQUISA TRANSLACIONAL CRUZANDO O “VALE DA MORTE” FONTE: BUTLER, 2008

O emergir das empresas Contract Research Organizations (CROs), segundo PIACHAUD (2002), deveu-se a alta incidência de defeitos congênitos resultantes do desastre da talidomida, que deu origem à integração do Ato Kefauver-Harris no sistema jurídico norte-americano no ano 1962. Esta legislação exigiu das empresas farmacêuticas o fornecimento de prova de eficácia adicional do produto em suas novas solicitações de registro, para além da já obrigatória prova de segurança. A inclusão deste novo requisito resultou em ampliação dos ensaios clínicos Fase III. A demanda para a composição do dossiê para registro de novos produtos aumentou significativamente. O impacto combinado do Ato Kefauver-Harris, com o consequente aumento da pesquisa nos Estados Unidos, ajudou a transformar o que fora uma vez uma indústria artesanal de consultores e laboratórios independentes no que agora é conhecido como a indústria CRO. A presença de CROs na indústria farmacêutica é,

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portanto, um fenômeno que tem estado presente no processo de desenvolvimento ao longo dos últimos anos, e que tem crescido significativamente desde a década de 60.

A biotecnologia tornou-se um importante aliado da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos medicamentos, tendo um papel relevante no aumento de produtos disponíveis para tratamento de doenças e melhoria da eficiência do processo de descoberta de drogas (RASMUSSEN, 2004). As novas tecnologias de interesse das grandes empresas farmacêuticas não emergiam internamente, mas alcançavam as Big Pharmas por meio de alianças ou contratos de serviços para desenvolvimento por empresas start ups. Com esses novos agentes, as alianças entre as empresas farmacêuticas e as empresas de biotecnologia, e destas com outras biotechs se tornaram corriqueiras na indústria farmacêutica, aumentando a complexidade das operações, mas fornecendo como alternativas viáveis mecanismos de transferência de tecnologias de plataforma e acesso a redes de distribuição global.

A crescente pressão sobre as empresas farmacêuticas para aumentar a sua produção de novos medicamentos na condição global de recessão, o progressivo aumento do custo do processo de P&D, o recrudescimento das exigências do aparato regulatório, com impacto no decréscimo do número de registros de novos produtos podem ser percebidos como restrições que promoveram uma busca de alternativas por parte da indústria. Segundo PIACHAUD (2005), não é de estranhar que muitas empresas farmacêuticas, bem como de biotecnologia, tenham adotado a terceirização como uma forma de controlar os custos, aumentar seus recursos internos, a fim de obter o máximo de valor. Para RUIZ & PARANHOS (2012), o novo rumo ditado pela biotecnologia levou a indústria farmacêutica, destituída dessa competência central, a procurar por novos parceiros com o intuito de maximizar as fontes de conhecimento para geração de inovações. Como eles começaram a reavaliar as suas próprias competências e decidir a melhor maneira de reorientar as suas atividades de P&D da maneira mais custo efetiva possível, as empresas lançaram mão de uma terceirização proativa em vez de uma de base tática.

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