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OUTRO EXEMPLO DE RELAÇÃO CONTRATUAL: A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PARTE I

3.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS FARMACÊUTICA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

3.3.3. OUTRO EXEMPLO DE RELAÇÃO CONTRATUAL: A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

As transferências de tecnologia são consideradas um mecanismo efetivo para diminuir o hiato tecnológico entre os países desenvolvidos, pioneiros que encontram-se na fronteira tecnológica e os países em desenvolvimento, comumente classificados como seguidores tecnológicos. A capacidade de crescimento e progresso tecnológico dos seguidores está intimamente ligada à capacidade de usufruir dos conhecimentos tecnológicos produzidos pelos países desenvolvidos, desta forma sendo válido identificar como premissa que as empresas públicas potenciais participantes das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs)9 devem ter capacidade de

absorção tecnológica (ALONSO, 2013 e 2015).

ALONSO (2013) ressalta que a operação de novos processos ou comercialização de novos produtos de acordo com o especificado não indicam a taxa de sucesso de uma transferência de tecnologia, pois isso nem sempre significa um aumento na capacitação tecnológica. Para BARBOSA (2009), a capacitação tecnológica engloba conhecimentos mais profundos, habilidades e competências que possibilitam a geração de mudanças incrementais contínuas, que melhorem o desempenho da tecnologia em uso e modifiquem os processos conforme as exigências do mercado.

Sendo a qualidade um importante direcionador das operações farmacêuticas, alcançar um padrão e mantê-lo demanda grande esforço das organizações, para além do mero cumprir com os requisitos regulatórios. Na rotina produtiva, o ambiente, operadores, equipamentos, insumos, práticas, conhecimento são variáveis que podem ter impacto deletério na qualidade do produto, logo atuar proativamente e neutralizar possíveis desvios pode ser um grande desafio dentro da firma, mas quando o processo envolve parcerias colaborativas com outras organizações, o desafio ganha uma nova dimensão. Considerando a dificuldade de um fluxo de elementos (informações, materiais, equipamentos, práticas, operadores, ideias e conhecimentos) nos sistemas produtivos industriais dinâmicos acontecerem de forma articulada, sincronizada, integrada e coordenada dentro da fronteira da organização, quando o processo produtivo é compartilhado com outras organizações, essa passagem de bastão pode ser mais complexa.

Cumprir com os requisitos regulatórios não assegura a robustez e consistência das práticas. A função qualidade, neste ambiente de relações contratuais tripartite ficam

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mais suscetíveis à racionalidade limitada e oportunismo, dado que contratos são, por natureza, incompletos à medida que são incapazes de prever todas as possíveis fontes de litígio entre as partes, sendo insuficientes em pontos em que deveriam não sê-los e apresentam a capacidade finita de descrever os infinitos estados da natureza, predispor medidas para execução da operação, se ou quando, sofrem alterações. (WILLIAMSON, 1985; CAULLIRAUX & SALLES, 2011; CAMINHA & LIMA, 2014).

LOPES (2016), em seu estudo doutoral, indica entre as conclusões obtidas que a melhoria das negociações contratuais pode levar a uma melhor condição de benefícios mútuos entre as partes, identificados como oportunidades de melhoria dos processos de transferência de tecnologia de vacinas.

Em estudos sobre transferência de tecnologia, o principal impasse detectado não é a viabilidade do acesso à tecnologia, e sim as condições contratuais da transferência, e seus custos. Adicional aos custos da aquisição de determinada tecnologia, que já embutem os royalties, a assistência técnica ou mesmo valor fixo estipulado em contrato, devem ser computados neste montante a resultante de determinados termos da negociação, ou seja, das cláusulas restritivas, que são impostas às práticas comerciais, restringindo as condições de transação, caso sejam aplicadas, por exemplo, em acordos de transferência de tecnologia. FURTADO (2012) apresenta uma lista de condições do Código de Conduta de Transferência de Tecnologia, no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (“TOT Code”), que deveriam ser banidas de acordos de transferência de tecnologia, por caracterizarem práticas comerciais restritivas:

“Grant-back provisions”: provisões que visam requerer que o comprador transfira melhorias desenvolvidas por ele sobre a tecnologia contratada, exclusivamente para o fornecedor;

• Restrição à possibilidade de questionamento, pelo comprador, da validade do direito de propriedade intelectual reivindicado pelo fornecedor da tecnologia;

“Exclusive dealing provisions”: restrição da possibilidade do comprador de investir em tecnologia similar ou substituta;

• Restrição da possibilidade do comprador de pesquisar ou desenvolver, ou adaptar a tecnologia fornecida;

• Requerimento de utilização pelo comprador de pessoas, bens ou serviços especificados pelo fornecedor;

• Regulação pelo fornecedor de preços dos produtos produzidos utilizando a tecnologia fornecida;

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• Imposição de obrigações para o comprador sobre o uso dos direitos de propriedade intelectual após a expiração dos referidos direitos.

Apesar disso, o estudo de FURTADO (2012) detectou uma condição contratual restritiva reconhecidamente presente nos contratos de transferência de tecnologia que avaliou: a restrição de uso, mercados e territórios, notadamente a restrição à exportação, onde detentores de patente frequentemente impõem em licenças voluntárias restrições às exportações do produto licenciado, e com isto limita a possibilidade do licenciado de auferir rendimentos financeiros derivados de economia de escala em suas instalações fabris.

Se os contratos não dão conta, as inspeções sanitárias atuais, outro mecanismo para certificação de boas práticas ainda encerram um olhar de compliance, checando processos e procedimentos pontuais, mas não sendo capaz de atuar no sistema da qualidade, conforme projetado nas diretrizes harmonizadas do ICH Pharmaceutical Quality System Q10. Na rotina produtiva, a característica do nível de maturidade das práticas ainda é muito reativa, de modo geral apenas atendendo, mesmo que não integralmente, o requisito legal.

Logo, apesar da intensa regulação do setor e das iniciativas de padronizar as regras para avalizar o consumo global do produto farmacêutico, a coordenação corrente ainda carece de um instrumento que torne a linguagem regulatória e do mercado comuns, visando um melhor compartilhamento de recursos na cadeia para atingir uma qualidade consistente, além de o mero cumprir a regulação.