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2. COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM DESAFIO PARA A ESCOLA PÚBLICA

2.3 As Novas Tecnologias e a Cibersociedade

As transformações sociais e econômicas ao longo da história da humanidade foram acompanhadas de inovações tecnológicas. Desde a invenção da roda, passando pelos meios de transporte, revoluções industriais e mudanças nos meios de comunicação, pode-se afirmar que a concepção de tempo e de espaço foi se alterando conjuntamente com as revoluções tecnológicas.

O advento de novos meios e suportes de comunicação ao longo da história causaram profundas alterações na noção espaço-temporal dos indivíduos (THOMPSON, 1998). Com a criação da imprensa por Gutenberg (século XV) e posterior massificação dos impressos (século XIX), a aquisição de conhecimentos por meio da leitura saiu do monopólio da Igreja e da Aristocracia e as informações antes transmitidas basicamente pela tradição da cultura oral passaram a ser acessíveis a diversas classes sociais minimamente alfabetizadas28.

Durante o século XIX, o surgimento do telégrafo e do telefone tornou possível a comunicação escrita e oral à distância e em tempo real, o que antes demorava dias, semanas e até meses por meio de cartas, passa a ocorrer no mesmo instante e de forma dialógica. No fim deste mesmo século, o surgimento da fotografia e, posteriormente, do cinema, transportam as imagem da vida real para as telas, causando um misto de espanto e fascinação no espectador.29 O século XX pode ser caracterizado como o ano das inovações

nas comunicações: surge o rádio, popularizando de vez a transmissão de notícias a todas as classes sociais30, e a televisão, levando uma imagem da realidade com a mais perfeita

28 Como aconteceu com o personagem real Menochio, que teve sua história relatada em O queijo e os vermes, no qual o autor Carlo Ginsburg descreve a trajetória do moleiro Menochio perseguido pela

Inquisição por possuir idéias consideradas heresias. Estes pensamentos eram frutos de leituras que Menochio fazia de livros proibidos e clandestinos, mas que, graças ao advento da imprensa, foram popularizados.

29 Cabe aqui relembrar a primeira exibição da filmagem dos irmãos Lumière, em Paris, que retratava um

trem em movimento na direção da câmera. Nesta exibição, as pessoas ficaram assustadas com a imagem, como se o trem fosse passar por cima delas.

30 Apesar do compartilhamento de informações divulgadas em jornais impressos entre diferentes classes

(como quando acontecia nas tabernas com o advento da imprensa), o alto número de analfabetos se constituía enquanto um impedimento de acesso aos impressos. Esse é um dos fatores que transformou o

verossimilhança, que passam a ser transmitidas ao telespectador, o qual nem precisa se levantar do sofá para ver o que se passa do outro lado do planeta: a tela da TV vira uma janela para o mundo. Posteriormente, as inovações tecnológicas e o desenvolvimento de satélites possibilitaram o acompanhamento de acontecimentos do mundo inteiro através da televisão, muitas vezes ao vivo.

Em 1989, véspera do boom das novas tecnologias de informação e comunicação, cai o muro de Berlim, símbolo de ruptura entre períodos demarcados: o fim da divisão do mundo em blocos socialista e capitalista, o fim da guerra fria e o início de uma era caracterizada pelo capitalismo unificado mundialmente31. O processo de reestruturação capitalista, iniciado nos anos 80, resultado de mudanças no sistema econômico e tecnológico, pode ser definido como capitalismo informacional, um novo estágio do sistema capitalista caracterizado pela reestruturação organizacional e econômica (CASTELLS, 1999). O início da década de 90 batiza oficialmente o neoliberalismo no Brasil, abrindo de vez o país ao mercado internacional, às multinacionais, à divisão internacional do trabalho, à globalização político-econômica e sociocultural, dentro de um contexto global de profundas transformações na sociedade, como descreve CASTELLS:

A revolução da tecnologia da informação é, no mínimo, um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, induzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura. (...) As revoluções tecnológicas são caracterizadas por sua penetrabilidade, ou seja, por sua penetração em todos os domínios da atividade humana, não como fonte exógena de impacto, mas como o tecido que essa atividade é exercida. Por outro lado, diferentemente de qualquer revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação. A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia

rádio no meio de comunicação oficial de todas as classes sociais, seguido, posteriormente, pela televisão. Segundo Censo 2000 do IBGE, o número de televisores é maior que o de geladeiras nos domicílios brasileiros.

31 De acordo com MARTÍN-BARBERO (2006, p. 255), “desde finais dos anos 1980, o cenário da

comunicação na América Latina é protagonizado pela ‘novas tecnologias’. Vistas a partir dos países que desenvolvem e produzem essas novas tecnologias de comunicação via satélite, televisão a cabo, videotexto, teletexto etc., elas representam a nova etapa de um processo contínuo da aceleração da modernidade que agora estaria dando um salto qualitativo – desde a Revolução Industrial até a Revolução Eletrônica – do qual nenhum país pode estar ausente sob pena de morte econômica e cultural. Na América Latina, a irrupção dessas tecnologias delineia, entretanto, uma multiplicidade de questões, desta vez não dissolvidas pelo velho dilema: dizer sim ou não às tecnologias é dizer sim ou não ao desenvolvimento, porque a questões deslocam o problema das tecnologias em si mesmas para o modelo de produção que implicam, seus modos de acesso, aquisição e emprego; deslocamento de sua incidência em abstrato sobre os processos de imposição, deformação e dependência que trazem consigo ou, numa palavra, de dominação, mas também de resistência, refuncionalização e redefinição. O surgimento de tais tecnologias na América Latina se inscreve, em todo caso, num velho processo de esquizofrenia entre modernização e possibilidades reais de aproximação social e cultural daquilo que nos moderniza. Informatização ou morte! – é o lema de um capital em crise, precisando com urgência vital expandir o consumo da informática.

nuclear, visto que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da sociedade industrial (CASTELLS, 1999, p. 50).

A mudança do capitalismo em função da aceleração tecnocientífica e econômica (SANTOS, 2003, p.140), o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e comunicação, a Internet e o início da World Wide Web (WWW)32, em 1993 - maior rede informática de comunicação – impulsionam novas formas de relação social: passa-se da fase dos computadores pessoais (PC), para a dos computadores conectados (CC) (LEMOS, 2004: 102). A partir de então, termos como desterritorialização, intemporalidade, simultanedade e virtualidade33 passam a ser utilizados, para caracterizar o que alguns autores chamam de era da informação, pós-modernidade, sociedade pós-industrial, revolução eletrônica, globalização (SANTOS, 2003, p. 140): anulam-se as fronteiras espaço-temporais e as informações passam a ser trocadas em questão de segundos de um canto a outro do mundo.

Na Era da Informação, tempo e espaço são flexíveis, formando cidades informacionais, num processo caracterizado pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos34: fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação horizontal, fluxos de imagens, sons e símbolos, fluxos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica (CASTELLS, 2000, p. 437). “O conceito Era da

32 A Internet tem origem na física e nas políticas de defesa dos Estados Unidos durante o período da Guerra

Fria. Segundo Briggs & Burke (2006, p. 300-301), “ela foi inicialmente estabelecida em 1968-69, com o indispensável apoio financeiro do governo norte-americano por meio da Arpa, Administração dos Projetos der Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, fundado em 1957 como parte da resposta do governo ao Sputnik. No início, tratava-se de uma rede limitada (Arpanet), compartilhando informações entre universidades ‘hi-tec’ (outra palavra nova) e outros institutos de pesquisa – em 1975 havia dois mil usuários. Graças ao tipo de informação que estava sendo compartilhada, um elemento essencial de sua razão de ser era que a rede pudesse sobreviver à retirada de qualquer computador ligada a ela e, na realidade, até á destruição nuclear de toda a ‘infra-estrutura’ de comunicações (...). Essa era a visão do Pentágono. A visão das universidades era que Net oferecia ‘acesso livre’ aos usuários professores e pesquisadores, e que eram eles comunicadores.” Segundo Castells (1999, p.368, a ARPANET é predecessora da Internet e “foi criada como estratégia militar para possibilitar a sobrevivência das redes de comunicação em caso de ataque nuclear.”

33 Segundo Castells (1999, p. 486), “a cultura da virtualidade real associada a um sistema multimídia

eletronicamente integrado contribui para a transformação do tempo em nossa sociedade de duas formas diferentes: simultaneidade e intemporalidade.”

34 De acordo com Castells, “o espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo

compartilhado que funcionam por meio de fluxos” (1999, p. 436). “Por fluxos, entendo as seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade” (CASTELLS, 1999: 437). Para o autor, existem três camadas de suporte materiais do espaço de fluxos: 1) conceito de impulsos eletrônicos (microeletrônica, telecomunicações, processamento computacional etc.); 2) nós (centros de importantes funções estratégicas) e centros de comunicação; 3) organização espacial das elites gerenciais dominantes (e não das classes) que exercem as funções direcionais em torno das quais esse espaço é articulado.

Informação passou a designar não apenas o conjunto dos instrumentos técnicos disponíveis ou a capacidade de produzir, armazenar e distribuir dados, mas o próprio uso político resultante de tal processo” (SOARES, 1997, p. 11). Nesta nova Era, “desenvolvem-se tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas que agilizam, intensificam e generalizam as articulações, as integrações, as tensões, os antagonismos, as fragmentações e as mudanças socioculturais e político-econômicas, pelos quatro cantos do mundo” (IANNI, 2000, p. 160).

O mundo passa a se interconectar por meio das novas tecnologias imerso nas contradições próprias ao sistema: apesar das possibilidades de comunicação oferecidas pela rede mundial de Internet, o poder continua concentrado nas mãos de poucos, daqueles que detêm os meios de produção, o capital, as riquezas e, conseqüentemente , as novas tecnologias e o controle das informações em nível internacional estão nas mãos dos que detêm o controle político e militar do mundo35. Segundo Graham,

(...) em la actualidad existen pruebas para pensar que la riqueza relativa se expresa em Internet de forma similar que em cualquier outro médio, la calidad de las páginas web de los anunciantes comerciales es mucho mayor que la de mayoria de los indivíduos y grupos pequeños. Esto es probable que siga siendo así e, como diferencia em calidad significa diferencia em impacto, las evidentes desigualdades que existían em las formas anteriores de expressión política – televisión, carteles, anuncios de periódico, etc. – es probable que se repitan em Internet (GRAHAM, 1999, p. 87).

Paralelo às inovações tecnológicas ao longo da história, persistem as desigualdades sociais, econômicas e políticas36. A Sociedade da Informação habita um espaço “que se sustenta no ar, desenraizado, volante, virtual e sideral, em toda uma vasta, complexa e

35 As centrais de informação estão concentradas em alguns pontos políticos e econômicos do mundo, sendo

que a grande central da rede de Internet se localiza nos EUA. A criação dos softwares ainda é monopolizada pelas grandes multinacionais (Microsoft e Macintosh) e existem diversos movimentos de Software Livre que lutam pela implementação de softwares sem custo financeiro ao usuário. Segundo Venício Lima , em artigo baseado em pesquisa de Eric Klinenberg, Fighting for Air: The Battle to Control

America’s Media, “pesquisas recentes mostram que entre os 20 sites mais visitados, 17 eram vinculados

aos grupos tradicionais de informação. Ademais, os "novos gigantes" – Yahoo!, AOL e IBS – dependem quase exclusivamente das informações produzidas pela grande mídia tradicional. Cerca de 60% de 1.903 artigos publicados por 9 dos principais sites eram despachos das grandes agências de notícias colocados online”. Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=416IPB001. Acesso em: 20 de novembro de 2007.

36 Segundo dados da ONU (Apud BAUMAN, 1999, p. 27), “a riqueza dos 358 maiores bilionários globais

equivale à renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres (45% da população mundial). Em 1991, 85% da população mundial recebiam apenas 15% da renda global. Segundo John Kavanagh (Apud BAUMAN, 1999: 27), “a globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e espetacular com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial” .

eficaz rede sistêmica, por meio da qual se articulam mercados e mercadorias, capitais e tecnologias, força de trabalho e mais-valia” (IANNI, 2000: 160), na qual se mantêm as disparidades entre as classes sociais, historicamente construídas e estabelecidas. Segundo CITELLI (1999, p. 13),

O discurso filosófico-político, em sua vertente crítica, igualmente se encarregou de construir sistemas explicativos que apontam os extremos de uma sociedade cujas conquistas técnicas e tecnológicas foram dirigidas para o reino pouco sagrado da acumulação do valor e da asséptica racionalização produtiva. As decorrências imediatas de tal procedimento são encontradas nas massas em êxodo permanente à busca de emprego, na síndrome do medo que corrói corpo e espírito, na insegurança gerada pelas formas reprodutivas a fazerem solo de orquestra para o grande concerto do lucro e da posse regido pela ‘minoria próspera.’”

Segundo a lei geral teorizada por Karl Marx e Friedrich Engels, aplicável a qualquer tipo de sociedade, as transformações tecnológicas e as mudanças dos meios de produção impulsionam mudanças ao longo da história, conectando estrutura econômica, social e política à estrutura produtiva37.

A idéia da necessidade da permanente alteração nos instrumentos de produção – em seus conseqüentes movimentos que atingem a cadeia de relações sociais, visto aí residir um dos principais elementos vitalizadores do capital – não é nova. Há 150 anos Marx e Engels, em O manifesto comunista, mostraram qual a lógica dominante e impulsionadora da globalização capitalista na sua constante necessidade de promover o desenvolvimento técnico visando à otimização dos processos produtivos. Na retórica militante de O manifesto e sob as circunstâncias em que o capital era operado nos meados do século XIX, os criadores do socialismo científico escreveram: ‘A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção e, com isso, todas as relações sociais .’” (CITELLI, 1999, p. 139).

A nova revolução tecnológica se transforma na grande impulsionadora de mudanças político-econômicas e socioculturais da sociedade contemporânea, em que a máquina informatizada passa a ser a grande mediadora das relações humanas em diferentes âmbitos de nossas vidas: do caixa eletrônico no banco e no supermercado ao computador como principal instrumento de trabalho em diferentes áreas profissionais, da automação e robotização das grandes indústrias aos mercados financeiros internacionais. No entanto,

37 Em Para a crítica da economia política, escrito em 1857, Karl Marx escreve: “O resultado geral a que

cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona em geral o processo em geral de vida social, político e espiritual (MARX, 1875: 30).

As promessas de que o desenvolvimento tecnocientífico iria permitir a inclusão progressiva de todos numa sociedade moderna esfumaram-se e só se mantêm no ar graças ao assédio permanente que as mídias e a publicidade fazem à mente dos espectadores (SANTOS, 2003, p. 126).

Os efeitos da introdução destas novas tecnologias são sentidos em todas as classes sociais, independente do acesso direto das pessoas ao aparato tecnológico: o desemprego estrutural ocasionado pelo novo modo de produção e a dinamização das transações comerciais, por meio da informatização de empresas e bancos, são marcos antagônicos desta nova era. Em meio às contradições próprias do sistema, surge um novo campo, a cibersociedade, dotada de um ciberespaço e de uma cibercultura, alterando as noções espaço-corporais e introduzindo novas formas de relacionamento entre as pessoas.