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1. INTRODUÇÃO

1.3 Principais interlocutores: breve apresentação

1.3.2 As organizações sociais

Acerca das organizações que articulam os moradores em torno da reivindicação por direitos sociais e por melhorias na localidade, a primeira instituição criada foi a Associação de Moradores, fundada em 1980 (OLIVEIRA, 2006). As pesquisas anteriores demonstram que a Associação foi mais ativa nas décadas de 1980 e 1990, e entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 foi se esvaziando. Os motivos parecem ter sido vários: a saída das Irmãs que contribuíam com a mobilização local, as disputas envolvendo a presidência da entidade, os conflitos entre os membros católicos e evangélicos, a ocupação do Pocinho, o avanço do tráfico de drogas na localidade, dentre outros.

A localidade era marcada pelo acirramento das disputas pela presidência da Associação e uma destas culminou em um grande conflito relatado por Oliveira (2006), quando no ano de 2003 venceu as eleições um candidato evangélico. Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, o cenário de predominância das famílias católicas estava mudando com a chegada de famílias evangélicas, além do fato de muitas famílias antigas terem aderido a esta nova crença, o que coincide com o momento de expansão das igrejas neopentecostais no Brasil. Este fato incomodou vários moradores, acostumados com a forte presença da Igreja Católica no local.

Na referida eleição, a antiga presidente Dona Amélia, mãe de Cíntia, não aceitou o resultado e logo em seguida deu início a uma nova organização. Segundo Cíntia, a perda da eleição foi uma grande tristeza, sobretudo considerando que nos dez anos anteriores sua mãe exerceu o papel de liderança comunitária. Foi a partir disso que se criou a ONG Velaumar, em 28 de janeiro de 2003 (RODRIGUES, 2013). A presidente da ONG era Dona Amélia e seu objetivo era, por um lado, a representação das famílias locais paralelamente à Associação e, por outro, a realização de trabalhos sociais com crianças e adolescentes (OLIVEIRA, 2006).

Durante muitos anos tal coexistência se deu, com ambas as organizações cumprindo esse papel. No entanto, ao longo do tempo a Associação foi perdendo centralidade política, e para tanto parece ter contribuído a eleição de presidentes que

não levavam à frente as atividades que historicamente a Associação promovia, a exemplo dos atos festivos que eram conduzidos em parceria com a Igreja Católica e as Irmãs Josefinas. Atualmente a Associação existe formalmente, há um presidente, mas não existem sequer atividades. Em termos de eficácia, os moradores com quem conversei consideravam que a Associação não existia mais.

Sobre a ONG, Dona Amélia foi a presidente até seu falecimento em 2011 e a partir daí suas filhas Bruna e Cíntia assumiram a direção, assim permanecendo até então, havendo essa forte característica familiar. Bruna é a presidente, aparecendo mais publicamente em falas oficiais sobre a ONG, porém é Cíntia que se faz mais presente nas atividades cotidianas da ONG e da localidade.

Figura 6 – Logomarca Velaumar

Fonte: Arquivo pessoal de Cíntia, 2016.

Algo interessante no Poço da Draga é que em muitos casos percebi uma linha genealógica, certa sucessão de lideranças. Ou pelo menos de famílias que ocupam determinada centralidade ou reconhecimento comunitário. Tal se deu muito claramente com Dona Amélia, que foi sucedida por Cíntia e Bruna. Da mesma forma, ocorreu com outra família de pessoas que mobilizaram a localidade: Dona Álvara, mãe de Luzia e avó de Lívia e de José, que, no impedimento de Cláudio, realizava as visitas guiadas. Para mim foi algo que chamou a atenção, considerando que em outras localidades (a exemplo do Lagamar, onde desenvolvi pesquisa de mestrado) há uma nítida ruptura das gerações (GOMES, 2013). A literatura também mostra essa ruptura, como fica claro no estudo de Feltran nas periferias da grande São Paulo (2011). No Lagamar observei nas reuniões e nos atos as senhoras com idades de avós e os

jovens com idades de netos, apesar de não serem necessariamente das mesmas famílias, mas correspondendo a gerações saltadas e não seguidas.

Por último, surgiu na localidade o movimento ProPoço, formado por um grupo de amigos durante a preparação do aniversário9 de 109 anos da localidade em 2015. Tratou-se de um pequeno grupo composto inicialmente por um morador (Cláudio), uma ex-moradora (Luciana) e três amigos deles, que após o referido evento manteve-se no objetivo de promover eventos culturais no Poço, principalmente no espaço do Pavilhão Atlântico, para dar visibilidade às lutas do lugar.

É interessante notar essa característica do grupo, composto basicamente de amigos que se conheceram há vários anos quando trabalharam juntos no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), todos eles voltados de alguma forma para a temática da cultura, do patrimônio e da memória. Os que não eram moradores já frequentavam o Poço da Draga e há alguns anos tinham interesse de promover algumas atividades. Por conta do aniversário em 2015 se deu uma maior agregação e também certo direcionamento para a efetividade das atividades. O grupo tinha a ideia de desenvolver projetos para o Poço, “Pró Poço”, de ativismo e proatividade. Desde o início, ocorreu a forte centralização em Cláudio, dotado de liderança e entusiasmo notáveis.

Como foi dito, o único membro que morava no Poço da Draga era Cláudio, e neste sentido possuía voz preponderante, sendo quase sempre ele que concedia entrevistas e fazia falas públicas em nome do movimento. Ele, desde o início, ressaltava que o objetivo junto aos moradores era “retomar o entusiasmo de morar no lugar” e, para a cidade em geral, era tornar o Poço da Draga conhecido, para além dos estigmas de pobreza, de marginalidade e de violência. Foi Cláudio também quem desenhou a logomarca do grupo (FIGURA 7):

Figura 7 – Logomarca do Movimento ProPoço

Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Dentro do movimento, era notório que Cláudio possuía uma preocupação marcadamente intelectual, no sentido da produção de dados sobre a localidade, assim como na realização de eventos como debates e seminários. Cláudio demonstrava interesse em realizar pesquisas, escrever artigos, produzir conhecimento e, em suas palavras, “legitimar” a localidade e os dados por eles produzidos. Por outro lado, Luciana, que concordava com a importância destas atividades, enfatizava a necessidade de eventos culturais para fortalecer a imagem do Poço da Draga como localidade pacífica, amigável e também espaço de produção de cultura. Neste sentido, tratava-se de interesses diferenciados, mas na maior parte do tempo que acompanhei o movimento os membros tentavam equilibrar as ações. Entre o final de 2015 e o início de 2016, o grupo chegou a se organizar em dois subgrupos temáticos ou grupos de trabalho (GT): o GT cultural e o GT de pesquisa.

Estive presente nos primeiros encontros do grupo, em maio e junho de 2015, e a partir daí me aproximei das pessoas e participei de diversos eventos ao longo daquele ano. De junho a dezembro de 2015, a maioria das ações promovidas era de cunho cultural, como os saraus, as festas no Pavilhão Atlântico, as datas comemorativas como o 7 de setembro, dia das crianças, Natal, dentre outras. Durante 2015, esses eventos contaram com forte participação e organização desse movimento e, em alguns, havia ajuda da ONG Velaumar. Logo de início, notei que a ONG receou o novo grupo, talvez enxergando-o como possível rival político e não um potencial parceiro. Alguns membros do ProPoço fizeram essa análise posteriormente e, a partir disso, começaram a pensar a sua formalização em ONG ou outro formato jurídico que os possibilitasse concorrer a editais e bancar os eventos, porém isso não foi levado adiante.

Ao longo da pesquisa, pude interagir com ambos os grupos, como passarei a expor no próximo tópico. Em momentos diferentes, fui convidada por membros de cada um deles para realizar atividades na localidade. Havia eventos, no entanto, em que ambos me demandavam, principalmente aqueles que fazem parte do cronograma anual do Poço da Draga, conforme se verá.