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5. O “CENSO” E O SENSO NA BUSCA DO RETRATO DE UM LUGAR: FALSOS

5.3. O censo do Poço da Draga

5.3.1 Início do censo do Poço - formulação do movimento ProPoço

A ideia de realizar este censo começou a ser gestada no final de 2015, entre os meses de outubro e dezembro, dentro do movimento ProPoço, conforme apresentado na Introdução. Ainda em 2015, o ProPoço se dividiu em dois grupos de trabalho, um seria o GT Cultural - mais voltado para a realização de eventos, saraus, festas e bazares para arrecadar fundos para as atividades - e o outro era o GT científico ou acadêmico, que representava o interesse maior de Cláudio em promover oficinas, formações e pesquisas que pudessem contar com apoio de universitários e professores amigos. Já nesse período percebi uma dualidade nos objetivos do grupo, mas durante 2015 e a maior parte de 2016 os desejos individuais conviveram.

Através da existência deste GT científico, pude notar uma espécie de embrião do censo, pois Cláudio sempre externava o desejo de realizar alguma pesquisa na localidade, algo deles, por eles e para eles. De uma forma geral, destaco que em 2015 o ProPoço se concentrou em atividades culturais, e em 2016 se deu uma inversão para o eixo acadêmico, diminuindo o número de festas e bazares. Percebo que provavelmente foi difícil para o coletivo a manutenção das duas áreas com a mesma ênfase, considerando que o grupo era pequeno, nunca chegou a ter mais que sete membros.

Em seguida à realização do Censo, no final de 2016, o ProPoço sofreu perdas em razão da mudança de cidade de alguns membros e, posteriormente, de desentendimentos pessoais entre os dois principais organizadores. Antes, porém, da separação, a pesquisa ocorreu ao longo do primeiro semestre de 2016, conforme se discutirá. No final do ano de 2018, soube que o diálogo e o planejamento das ações foi retomado.

5.3.2 Os eventos mobilizadores: a oficina do SESC e a parceria com a Unifor

Em outubro de 2015, o Serviço Social do Comércio (SESC) realizou um evento com os moradores e apresentou um diagnóstico47 sobre a realidade social do Poço e algumas propostas de ação social. Segundo Cláudio e Luciana, foram apresentados dados sobre a área e as pessoas que não correspondiam à realidade. O SESC teria dito que queria propor ações, cursos e oficinas que melhorariam a vida da “comunidade”, até então vista sob os olhos da carência e da necessidade. Segundo Cláudio, a vulnerabilidade e a pobreza local foram bastante destacadas pelos profissionais, ressaltando as ausências que poderiam ser preenchidas com as ações empresariais. Neste sentido, não foram reconhecidos os avanços sociais que a própria localidade promovia, quando o governo e a sociedade não se apresentavam para assegurar direitos individuais e coletivos.

O que os indignou foram três coisas: o falseamento da realidade, por omissão ou de forma intencional; o discurso de vulnerabilidade que para eles costuma ser utilizado de forma humilhante para com os moradores, no sentido de diminuí-los como pessoas e como sujeitos políticos; e a não problematização de determinadas ausências que são reais, como a falta de esgotamento sanitário. Esse evento - que poderia ter sido como qualquer outra reunião ou oficina promovidas por entidades parceiras - se mostrou um forte mobilizador para a idealização e a realização do Censo. Já na saída deste evento, Luciana e Cláudio começaram a conversar sobre uma possível pesquisa.

A partir daí, Cláudio lançou como pauta no ProPoço a realização de um Censo do Poço da Draga, a ser apresentado no aniversário local em 2016. Esse seria um grande projeto que incluiria algumas ações e subprojetos conforme discutido em várias reuniões em outubro de 2015. Seriam elaborados: a) uma espécie de Dossiê histórico; b) um levantamento iconográfico, com oficinas de fotografia e cinema para estimular que os próprios jovens do Poço fizessem o registro fotográfico da área; c) um levantamento “etnográfico” da ocupação (termos seus), retomando a origem dos moradores e quais as transformações pelas quais o lugar passou; d) a elaboração de uma grande árvore genealógica, para verificar o entrecruzamento familiar. Essa árvore

47 Na ocasião, os técnicos disseram se basear em pesquisa anterior realizada pela Secretaria de

seria elaborada através das informações coletadas no Dossiê e no Levantamento etnográfico e, posteriormente, seria desenhada ou grafitada em um muro por artistas locais; e) a construção de uma linha do tempo na ocupação, também posteriormente transformada em mural artístico.

Cláudio inclusive afirmou que tiraria férias no mês de novembro de 201548 para estar 100% dedicado à aplicação dos questionários. No entanto, por falta de operacionalidade, a pesquisa não ocorreu em novembro de 2015, sendo aplicados os questionários entre fevereiro e junho de 2016. À época da elaboração, minha contribuição foi alertar para os riscos de uma empreitada do nível de um censo, ainda que em número reduzido de casas (menos de 300). Para contornar essa dificuldade, pensou-se em uma série de parceiros acadêmicos. Ajudei na elaboração do questionário, comentando sobre as questões objetivas e as subjetivas, sugerindo pequenas alterações, cuidando para não intervir demais, mas também sem deixar de realizar a contribuição solicitada. Foi-me solicitado que também estivesse presente nas aplicações, o que aceitei e considerei uma sorte, pois entrar na casa das famílias era o que eu vinha tentando há muitos meses.

Tão logo decidiram realizar a pesquisa, Cláudio buscou parceiros. Falou da ideia para um amigo, que indicou uma professora arquiteta que ensinava na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Assim, Cláudio entrou em contato virtual com a professora Amíria Brasil, à época na França, que se reuniu com ele tão logo voltou a Fortaleza. Dessa forma, no início de 2016 começaram as reuniões entre ela e o ProPoço, muitas das quais participei, ocasião em que se decidiu que o formulário seria composto apenas de questões objetivas.

A professora solicitou à Pró-Reitoria de Pesquisa da Unifor a formalização de seu grupo de pesquisa, cujo primeiro objetivo seria a realização do censo do Poço. Infelizmente esse apoio formal foi negado, sob o argumento de que ela ainda não era doutora49. Ela decidiu dar continuidade ao projeto mesmo assim, procurando alunos interessados em contribuir, quase todos de sua disciplina Projeto Urbanístico II. Eles se voluntariaram apesar de não ser garantida qualquer verba de apoio, sendo incerto

48 Esse fato demonstra como a elaboração e a realização da pesquisa foram subdimensionadas, ao se

achar que seria possível iniciar os trabalhos prontamente e que a coleta levaria pouco tempo.

49 Pouco tempo depois, ela defendeu sua tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo na USP, com

o título: “A ineficácia das ZEIS: um problema de legislação ou uma questão politíco-social? O caso de Fortaleza” (BRASIL, 2016). Hoje, ela leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo professora adjunta do departamento de Arquitetura e Urbanismo.

inclusive se a Universidade lhes forneceria declarações de participação, o que de fato não receberam.

Amíria orientou os alunos e juntamente com Cláudio coordenou algumas reuniões na Unifor e outras no Poço da Draga. Foram distribuídas as atribuições e ela delegou uma espécie de subcoordenação à aluna mais experiente, já que ela mesma não poderia estar presente nas aplicações por conta do doutorado. Apesar disto, certamente sem sua participação o censo não teria ocorrido, pelo menos não da mesma forma.

Posteriormente, ela incentivou os alunos que escrevessem trabalhos sobre a experiência e enviassem para eventos acadêmicos para contar como pesquisa em seus currículos e dar publicidade ao trabalho realizado. Foi a partir dessa recomendação que eles submeteram em parceria com Cláudio e Luciana um artigo para o II Seminário Nacional sobre Urbanização de Favelas – II UrbFavelas no Rio de Janeiro em 2016 (BRASIL et al., 2016).