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5. O “CENSO” E O SENSO NA BUSCA DO RETRATO DE UM LUGAR: FALSOS

5.1 Os censos e as favelas

Um censo demográfico corresponde à atividade de levantamento estatístico populacional com a finalidade de conhecer determinada localidade, região ou país46. Os censos realizados pelos órgãos públicos intencionam o conhecimento mais próximo de cada realidade, objetivando, dentre outras coisas, uma melhor distribuição dos recursos públicos para cada área geográfica e para setores como educação, saúde, habitação, dentre outros. Neste sentido, as políticas públicas dependem diretamente destas informações que correspondem a dados quantitativos e qualitativos sobre a vida da população.

No Brasil, na maioria dos casos o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a principal base de dados que retrata a condição dos habitantes, seja nos Estados ou municípios. O censo possibilita ainda o conhecimento de recortes menores como pequenas localidades, bairros ou distritos tanto em área urbana quanto rural. Além de retratar as condições de vida e servir de base para a definição de políticas e de repasses da União para os outros entes federativos, o censo do IBGE é utilizado como parâmetro para determinar o quantum de representação política dos Estados no Congresso Nacional.

Atualmente, o instrumento do IBGE permite analisar os seguintes aspectos: tamanho e composição da população; situação habitacional; características gerais da população; movimentos migratórios; nível de instrução; nupcialidade; fecundidade;

46 Corresponde ao levantamento de todos os domicílios, estabelecimentos e edificações em

construção, compreendendo também o recenseamento de todos os moradores – na data de referência a noite de 31 de julho para 10 de agosto de 2010 – com a aplicação dos respectivos questionários (IBGE, 2010).

força de trabalho; padrões de rendimentos individual e domiciliar, e mortalidade (IBGE, 2010). Ademais, muitas outras questões são levantadas, a exemplo de informações sobre minorias como os portadores de deficiência e as etnias indígenas, com tendência de que outros temas sejam incorporados.

No IBGE, inicialmente é realizada uma pré-coleta de dados, que corresponde aos estudos de campo referentes à atualização de mapas e cadastro nacional de endereços para viabilizar a coleta propriamente dita. Os recenseadores percorrem e aplicam os questionários nos seus respectivos setores censitários, que são “unidades de controle cadastral formada por área contínua, integralmente contida em área urbana ou rural, cuja dimensão, número de domicílios e de estabelecimentos permitem ao Recenseador cumprir suas atividades em um prazo determinado, respeitando o cronograma” (IBGE, 2010).

Cada setor é composto por quadras e faces (cada lado das quadras), sendo as quadras os trechos retangulares relativa ou totalmente definidos nas áreas urbanas (a exemplo dos quarteirões) ou os aglomerados rurais com quarteirões fechados ou abertos, limitados por estradas ou ruas. Apesar de as quadras serem classificadas pela forma, podem possuir forma irregular e serem demarcadas por elementos naturais como encostas, veios d´água ou elementos antrópicos como estradas.

Em 1950, o IBGE decidiu, pela primeira vez, incluir nos Censos a contagem da população em favelas (GUIMARÃES apud PRÉTECEILLE; VALLADARES, 2000). Neles, as favelas são categorizadas nos “setores censitários subnormais”, os quais são definidos na pré-coleta de dados e neles o pagamento por domicílio/entrevista realizada é maior, em razão das dificuldades operacionais de acesso (MARQUES et. al, 2003).

Segundo Pasternak-Taschner (2001), a conceituação oficial do órgão considerou como favelas os aglomerados que se caracterizassem pelos seguintes critérios:

- Proporções mínimas: agrupamentos prediais ou residenciais formados com número geralmente superior a cinqüenta;

- Tipo de habitação: predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente com folha de andres, chapas, zincadas ou materiais similares;

- Condição jurídica da ocupação: construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou propriedade desconhecida;

- Melhoramentos públicos: ausência, no todo ou parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada;

- Urbanização: área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento”. Entre os critérios utilizados, quatro referem-se aos aspectos físicos: tipo de habitação, tamanho do assentamento, melhoramentos públicos e urbanização (PASTERNAK-TASCHNER, 2001, p. 76).

Ocorre que muitas vezes os dados coletados pelo IBGE não condizem com as pesquisas feitas por institutos regionais e locais, sejam de iniciativa pública ou privada. Este não é um fenômeno apenas brasileiro, tendo sido destacado por Phelan na Venezuela (PHELAN, 2006; 2008). Sobre as disparidades quantitativas entre os dados produzidos sobre favelas por diferentes órgãos públicos, Pasternak-Taschner (2001) e Marques et al. (2003) trazem interessantes reflexões:

As discrepâncias comumente presentes nas informações obtidas dessa forma decorrem do fato que secretarias municipais de Habitação não são necessariamente boas produtoras de dados e tendem a gerar números populacionais díspares (TORRES et al., 2003, grifos meus).

Os dados de favelas coletados por algumas prefeituras municipais e pelo IBGE diferem bastante: em 1991, para o município de São Paulo, em mais de 50%. Trata-se de problemas ligados tanto ao conceito operacional utilizado pelo IBGE, como ao método de coleta. Para o município de São Paulo, há informações detalhadas nas últimas décadas, além das informações censitárias; para a região metropolitana, entretanto, a fonte de dados mais abrangente continua sendo o Censo Demográfico” (PASTERNAK-TASCHNER, 2001, p. 04, grifos meus).

São frequentes também as reclamações dos movimentos sociais alegando o subdimensionamento das favelas. Os questionamentos acerca da metodologia de coleta e da posterior análise ocorrem há várias décadas no Brasil, seja por pesquisadores, seja por movimentos populares, conforme demonstram os estudos de Pasternak (2001; 2016). Em suma, é possível que o processo de coleta censitário leve a distorções da realidade, o que tem sido observado. Percebe-se que tanto o conceito quanto o processo de coleta de dados incorporam problemas que tornam o resultado censitário sujeito a críticas. Apesar disto, não é possível desconsiderar a importância do instrumento.

No caso do Poço da Draga, a disparidade ocorre ao se analisar dados da esfera estadual (Secretaria de Infraestrutura – SEINFRA), da esfera municipal (Secretaria de Infraestrutura – SEINF, 2001 e Fundação Habitacional de Fortaleza – Habitafor, 2013) e federal, o Censo do IBGE, 2010. Esse fato foi notado por alguns moradores do movimento ProPoço, o que gerou insatisfação e vontade de demonstrar a real face da localidade, contrapondo-se a estes instrumentos oficiais.

Além dos censos gerais, englobando a mais vasta gama de informações (como o censo do IBGE), podem ser realizados instrumentos específicos como os censos de favelas. No Brasil, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro foram pioneiros nessa atividade desde o início da década de 1980, na busca por compreender a dimensão e as características dessa forma diferenciada de ocupação urbana, que em alguns municípios chega a abrigar parcelas significativas da população como 20%. Neste sentido, em São Paulo, um grande levantamento foi realizado em 1987 e posteriormente a Universidade de São Paulo (USP) em 1993 detectou que 19% dos residentes em São Paulo moravam em favelas (MARQUES et al., 2003).

Já no Rio de Janeiro, em 1982 a prefeitura realizou um grande levantamento chamado Cadastro de Favelas, que a partir de 1990 passou a ser muito aprimorado, sendo nomeado Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (SABREN). Por esse sistema, em 2008 foram catalogadas 1.020 favelas cariocas, o que não coincidia com os dados apurados pelo IBGE nos períodos correspondentes (CAVALLIERI, 2009). É provável que essa disparidade estatística tenha a ver com as dificuldades metodológicas ora apontadas.