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As propostas curriculares de Recife e Paulista

Foto 36 — Café da manhã com a família

4 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO: fazendo caminhos e

4.1 A EDUCAÇÃO INFANTIL EM PERNAMBUCO: um estudo

4.1.4 As propostas curriculares de Recife e Paulista

Nesta seção, abordaremos os documentos curriculares publicados e distribuídos pelas redes de ensino de Recife e de Paulista. Procuramos, nas propostas, a organização e as concepções de criança, infância e educação infantil.

A proposta de Recife, intitulada Política de Ensino da Rede Municipal do

Recife/Educação Infantil, publicada em 2015, faz parte de uma coleção de seis

cadernos referentes às modalidades e etapas da educação básica (exceto Ensino Médio). O caderno destinado à educação infantil é dividido em seis capítulos. O primeiro trata da introdução: apresenta os princípios e a estrutura da proposta. O segundo expõe o contexto da educação infantil e seu marco regulatório nacional e local. Enquanto o terceiro discorre sobre os princípios e concepções da prática pedagógica que se relacionam com os fundamentos teóricos filosóficos. O quarto capítulo desenvolve as diferentes linguagens vivenciadas na educação infantil, junto às matrizes curriculares das áreas, de acordo com os eixos: oralidade, arte, meio ambiente, conhecimento lógico matemático, diversidade e valorização das diferenças e tecnologias. O quinto capítulo aborda a organização curricular, enquanto o sexto e último capítulo apresenta as considerações finais.

A proposta explicita princípios e concepções, baseados nos documentos oficiais da legislação brasileira: Parâmetros de qualidade para a educação infantil

(2006), Indicadores de qualidade para a educação infantil (2009); LDB (1996); DCNEI (2009). Bem como fundamenta-se em paradigmas acadêmicos: Kramer (1993, 2003, 2006), Rosseti–Ferreira e Mello (2009), Freire (1996, 1983), Oliveira (2002), Piaget (1990), Vygotsky (2003) e Walon (2007). Estes referendam uma concepção de criança como sujeito histórico e de direitos. Como pode ser vista nos trechos da proposta:

A ideia de criança como sujeito ativo, competente, membro de um grupo, capaz de perceber e interagir com o meio, e, portanto, construtora de conhecimento e cultura, é mais recente e deve ser contemplada no fazer pedagógico da Educação Infantil. (RECIFE, 2015, p. 16).

[...] Considera a criança como centro do planejamento curricular, sujeito histórico e de direitos nas interações, relações e práticas cotidianas. (RECIFE, 2015, p.32).

Asseguram os formuladores que o documento tem como “finalidade construir um corpo comum do trabalho pedagógico das unidades educacionais” (RECIFE, 2015, p.135) da rede para fortalecimento das práticas pedagógicas, tendo a criança como centro do processo e vendo-a como sujeito histórico e de direitos.

A infância é identificada como uma categoria histórica, criada no século XVIII, portanto não única, nem universal, mas vivenciada em diferentes contextos e culturas. Assim, “a infância é pensada na Rede Municipal de Ensino do Recife - RMER, como uma categoria histórica e não como um estágio da vida”. (RECIFE, 2015, p. 32).

A concepção de educação infantil perpassa todo o documento. Traz uma visão pedagógica de educação infantil presente no encaminhamento do trabalho com os eixos de ensino, gerados a partir das linguagens infantis, nas orientações didáticas e, sobretudo, no encaminhamento das questões que tratam o educar e cuidar como base conceitual, como podem ser vistos nos excertos subsequentes:

Conceber a Educação Infantil como direito de todas as crianças, espaço de descobertas, experimentos e construções de novas aprendizagens. (RECIFE, 2015, p.15).

[...]Na Educação Infantil, a prática educativa é permeada pelo entendimento do contexto da criança nos aspectos sociais, afetivos, emocionais e cognitivos. (RECIFE, 2015, p. 26).

[...] O conceito de educar vai muito além do ato de transmitir conteúdos: é estimular o raciocínio, aprimorar o senso crítico, ampliar conhecimentos, ensejar condições, para que a criança construa sentidos através das interações com o meio social e cultural do qual faz parte. (RECIFE, 2015, p. 26).

[...] O conceito de cuidar é amplo. Dentre outras definições, pode ser entendido pela ação de preservar, guardar, apoiar, tomar conta; tem relação com auxiliar o outro na tentativa de propiciar seu bem estar. Os dois elementos (educar e cuidar) completam-se e consolidam o atendimento de qualidade na Educação Infantil. (RECIFE, 2015, p.30)

[...] Com o respaldo legal, reafirma-se a natureza educativa das unidades de Educação Infantil, de modo que o atendimento à criança é fundamentado numa perspectiva pedagógica, e não, assistencialista, como ocorria anteriormente. (RECIFE, 2015, p.30)

A proposta coerente com a legislação vigente orienta os professores a vivenciarem uma prática pedagógica (BRASIL, 2006; LDB, 1996; DCNEI, 2009), que se pauta na valorização da criança e da “educação infantil como um direito de todas as crianças, espaço de descobertas, experimentos e construções de novas aprendizagens” (RECIFE, 2015, p. 15). Apresenta os estruturantes: referencial teórico, conteúdos, objetivos e direitos de aprendizagem em todos os eixos relativos às linguagens e, por fim, nas considerações finais, expõe o processo em que a proposta foi elaborada, de forma participativa, com a representação de vários segmentos que compõem o Grupo Ocupacional do Magistério (GOM).

Com relação à cidade de Paulista, sua proposta pedagógica é datada de 2012, abarca as modalidades e etapas da educação básica, com exceção do Ensino Médio. Apresenta três capítulos: a apresentação; um texto introdutório, denominado: “Desenvolvimento sustentável com inclusão social”; e, no terceiro capítulo, o texto intitulado: “Educação numa perspectiva do desenvolvimento sustentável”. Nesse último, apresenta os fundamentos e as diretrizes (aprendizagem e cidadania, avaliação, pedagogia de projetos) da proposta. Por fim, os componentes curriculares: Arte, Ciências, Direitos Humanos, Educação Física, Ensino Religioso, Geografia, História, Língua Estrangeira Espanhol e Inglês, Língua Portuguesa e Matemática. Todos vêm precedidos de uma introdução, com reflexões em torno da fundamentação específica da área e do trabalho metodológico, em seguida, apresentam sua matriz curricular.

O texto aborda os princípios que respaldam o trabalho na escola com os estudantes. Ressalta a compreensão geral de educação, “como um direito de todos e do processo de inclusão educacional, numa perspectiva coletiva da comunidade escolar”. (PAULISTA, 2012, p.15). Completa ainda que a Secretaria de Educação, “junto ao coletivo da rede traça diretrizes, amplas e flexíveis, mas obrigatórias”

(PAULISTA, 2012, p. 15), que conduzirão o processo didático no município. A seguir, o objetivo do documento descrito na sua introdução:

Esse documento tem por objetivo oferecer subsídios para o trabalho didático pedagógico e colaborar na consolidação das escolas públicas municipais de Paulista como espaços inclusivos e de qualidade, que reconheçam e valorizem as diferenças, sejam elas de origem social, cultural, cognitiva e/ou emocionais. (PAULISTA, 2012, p. 14).

No que diz respeito à análise das concepções de criança, de infância e de educação infantil, o documento da Secretaria de Educação de Paulista traz as abordagens sobre criança em diferentes seções. No componente História, é explicitada a concepção de crianças como “sujeitos históricos que participam da realidade objetiva, juntamente com os adultos, seus responsáveis” e de educação infantil, destacando que é “assentada em princípios que contribuem para o enriquecimento das experiências vividas”. (PAULISTA, 2012, p. 152 e 153). Na seção que trata da avaliação, abordam sobre o conceito de criança, restrito a um parágrafo, conforme excerto a seguir:

Uma criança é alguém que já tem uma história singular, já tem uma tradição, já tem uma identidade. Suas formas de agir sobre o mundo se dão principalmente através das brincadeiras, como ações culturalmente contextualizadas [...] Na brincadeira a criança experimenta e expressa sua compreensão do mundo. E, como espaço de valores, é também um espaço de poder. (PAULISTA, 2012, p. 24).

A concepção de criança que a proposta apresenta está explicitada nessas seções e não fundamenta a proposta como um todo, o que torna insuficiente uma reflexão mais aprofundada sobre as concepções de infância, criança e educação infantil, consequentemente não auxilia o professor em sua prática pedagógica.

Com relação aos outros componentes curriculares, não foram mencionadas as especificidades do trabalho com crianças. Houve aqueles que explicitaram em seus textos introdutórios aspectos que trataram da educação infantil vinculados à abordagem do componente, a saber: Arte, Geografia, Ciências, Direitos Humanos e Cidadania, Educação Física e Ensino Religioso, Língua Portuguesa e Matemática.

Em Arte, o texto focaliza em seus três eixos de trabalho: artes visuais, artes cênicas e música. Explicita recursos metodológicos, materiais mais adequados para a exploração dos conteúdos nessa faixa etária e expõe algumas situações de atividades específicas.

Geografia traz, no texto introdutório, um parágrafo tratando da educação infantil e, na listagem das competências, elas são elencadas apenas para o grupo V55, excluindo a creche e o grupo IV.

No componente Ciências, no que diz respeito à lista de competências, a creche não é contemplada. Para a pré-escola, é indicado o trabalho com quatro eixos (Nosso corpo, espaço e movimento; Nós, os outros seres vivos e os seres não vivos; Nós e os animais; Alimentação e saúde: necessidades imperativas). Quanto ao texto introdutório, são explicitadas algumas características do desenvolvimento das crianças do ponto de vista da Psicologia, como também, apresentado um objetivo específico da área:

[...] dentre os objetivos fundamentais do ensino de ciências, na educação infantil, destacamos alguns relacionados à formação de atitudes, [...] por exemplo, ser associado atividades que possam permitir à criança observar o mundo físico, reconhecer características de seres vivos e, mais adiante, no processo de ensinar e aprender estabelecer relações de causa e efeito entre os diversos fenômenos discutidos em ciências da natureza. (PAULISTA, 2012, p.65).

Com relação ao componente Direitos Humanos e Cidadania, são descritos conteúdos e competências para a faixa etária da educação infantil, além de comentários para a reflexão do(a) professor(a) sobre direitos humanos e a sua relação com crianças. Salientam que os(as) professores(as) sejam capazes de relacionar os conteúdos dos RCNEI com as competências elencadas no eixo: tolerância no contexto da diversidade, como mostram os excertos a seguir:

Pensar a educação para os direitos humanos e cidadania para a educação infantil, inclusive [...] para crianças de 0-3 anos, pode parecer uma tarefa pretenciosa, entretanto, se levarmos em consideração que certos princípios de todas as disciplinas são introduzidas nos primeiros anos de vida, não há razão para que os princípios dos direitos humanos e cidadania fiquem fora desta extraordinária fase de apreensão da realidade”. (PAULISTA, 2012, p. 80)

[...] sugere-se que os(as) professores(as) encontrem suas próprias estratégias, e que estas sejam eficazes para relacionar os conteúdos indicados pelo RCNEI – (Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil), [...] com as competências propostas. (PAULISTA, 2012, p. 81)

55 Neste município, a educação infantil está organizada em creche - crianças de 0 a 3 anos (grupos I, II, III) e pré-escola – crianças de 4 e 5 anos (grupos IV, V).

Em Educação Física e Ensino Religioso, apesar de constarem, como indicador ao trabalho do(a) professor(a), competências e conteúdos a serem tratados para a educação infantil, não há nenhuma menção, em seu texto introdutório, às especificidades desse segmento.

Sobre as línguas estrangeiras: o Inglês não consta em educação infantil, nem é indicado para o trabalho, o Espanhol sim, para as creches e pré-escolas. No texto introdutório, há informações sobre as relações entre o componente e a educação infantil e orientações para o professor, ainda que com pouca argumentação teórica, conforme pode ser visto no trecho a seguir:

Nessa fase não se devem inserir no ensino noções gramaticais e discussões de caráter linguístico. O trabalho deverá privilegiar atividades lúdicas e de caráter participativo, assegurando às crianças o desenvolvimento de habilidades esperadas para esta fase do ensino. Na verdade a inserção do espanhol funciona mais como um mecanismo que auxiliará o desenvolvimento da criança em seu caráter moral, mostrando- lhes os valores e princípios que são importantes para a formação e constituição da cidadania. (PAULISTA, 2012, p.173).

Os componentes Língua Portuguesa e Matemática trazem, em seu texto introdutório, aspectos sobre o ensino na educação infantil, porém de forma incipiente, uma vez que são áreas que apresentam diversas pesquisas e indicações para o professor nessa etapa de ensino.

A leitura das duas propostas pedagógicas revelou que a da cidade do Recife traz explicitamente seus contextos de apropriação da política local e nacional para a educação infantil, evidencia aspectos de política como: formação dos profissionais em creches e pré-escolas, um projeto político pedagógico que respalda a implementação de uma política voltada a essa etapa do ensino.

Os componentes curriculares são baseados em linguagens, organizados da seguinte forma: a oralidade, a leitura e a escrita; a formação de leitores na educação infantil; arte; conhecimento lógico-matemático; ambiente natural e social; diversidade e a valorização das diferenças e tecnologias. De igual forma, sugere, como eixos norteadores do cotidiano da educação infantil, a ludicidade e interação, aspectos essenciais concernentes à concepção de criança e de educação infantil assumida no texto.

Também são apresentados aspectos pautados na legislação vigente e nas entidades que são referência em educação infantil na área acadêmica: Associação

Nacional de Pesquisa em Educação (Anped) e na política: Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB).

O município do Paulista, na organização do seu documento, inclui a EI em cada componente curricular; não há um texto específico abordando as concepções de criança e educação infantil que respaldam o trabalho pedagógico com esse segmento. Na maioria dos componentes curriculares, foram explicitados aspectos que tratavam do fazer pedagógico com a educação infantil, como já foi apontado anteriormente. No componente História, houve uma diferenciação, ele trouxe as concepções de crianças e de educação infantil escritas em seu texto introdutório. Outros limitaram-se a escrever em seus textos orientações didáticas, como podemos ver no trecho abaixo:

Na educação infantil o ensino e a aprendizagem das artes visuais deverão ocorrer a partir de inúmeras situações nas quais os estudantes as experimentem sensorialmente, através do tato, visão, olfato [...] diversos suportes de formas e tamanhos... (PAULISTA, 2012, p. 34)

O documento do referido município para a educação infantil apresentou argumentos conceituais frágeis, não ofereceu suporte teórico, nem ancoragem política, fragmentado e pouco articulado, tanto com a produção acadêmica, quanto com os documentos oficiais que tratam da política nacional para esta etapa. Limitou- se a traçar, tangencialmente, considerações isoladas para seus componentes, sem contextualizar as especificidades cultural e social das crianças desta cidade.

Ademais, seu conjunto não expressou uma articulação dos componentes curriculares entre si e, transversalmente, entre cada componente nas diferentes etapas da educação básica, denotando uma perspectiva segmentada de proposta curricular, uma vez que privilegia o trato “disciplinado” de cada área em detrimento da busca de sua integração.

O estudo exploratório indicou um município da RM que reunia mais elementos constitutivos das políticas para a educação infantil. Para tanto, consideramos a oferta da educação infantil, a existência de escolas próprias e professores(as) efetivos(as) (concursados(as) em seu quadro de funcionários, bem como a existência de Conselho Municipal de Educação, de Sistema de Ensino próprio e de uma proposta pedagógica própria, sistematizada e fundamentada quanto às

concepções de criança e de educação infantil. Esses foram critérios que nos levaram a definir o município do Recife como lócus da investigação.