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OS DEBATES E EMBATES EM TORNO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Foto 36 — Café da manhã com a família

3 O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: políticas e prática

3.3 OS DEBATES E EMBATES EM TORNO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Em 2015, o MEC instalou a discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), constituindo-se assim em mais uma tentativa para se estabelecerem parâmetros à feitura de currículos para as diferentes etapas da educação básica no Brasil, em acordo com a Constituição Federal (1988), em seu Artigo 210, a LDB (1996), por meio do Artigo 26 e com o Plano Nacional de Educação (2014), por via de sua meta 7.1, dispositivos descritos a seguir, pensados na lógica de um projeto de sociedade curricularmente mais justa:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. (BRASIL, 1988, p. 83).

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma

base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de

ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (BRASIL, 1996).

Meta 7.1 Estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e a

base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de

aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local (BRASIL, 2014 p. 01). (Grifos nossos)

Os três diplomas legais extraídos anteriormente apresentam aproximações e distinções quanto à matéria. A Constituição Federal refere-se a conteúdos mínimos para uma formação básica comum, a LDB e o PNE (2014-2024) estabelecem o dever do Estado de instituir a Base Nacional Comum dos currículos. A CF prevê uma formação comum implementada em nível do ensino fundamental; a LDB e o PNE propõem uma base nacional comum para duas etapas da educação básica, o ensino

fundamental e o ensino médio. Em todos os dispositivos legais, preveem o respeito à diversidade regional, local, cultural, artística. Nenhum dos três diplomas considera a educação infantil na construção de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Apenas o PNE cita a necessidade de diretrizes curriculares para toda a educação básica. Nesse sentido, o CNE, por meio de sua Resolução n° 4/2010, dispôs sobre as Diretrizes Curriculares para a educação básica, o que implicava, necessariamente que, ao fazer referência à construção de uma base nacional comum para a educação básica, estava-se incluindo a educação infantil. (BARBOSA

et al., 2016). Percebe-se um outro nível de tensão estabelecido no início da feitura

de um novo documento nacional.

Assim, em meio a discussões sobre a BNCC, o Estado, face a essa Resolução, contemplou a EI nas discussões propostas pelo MEC, por meio de seminários e debates, iniciados em 2015 e vivenciados em diversas capitais do Brasil. A consulta resultou em mais de 12 milhões de contribuições até março de 2016, todavia não se conheceu a metodologia por meio da qual essas contribuições foram tratadas e sistematizadas, pois, nesse mesmo ano, o país atravessava um golpe jurídico-midiático-parlamentar34 e as questões que vinham sendo discutidas no governo legitimamente instituído foram suspensas.

O fato é que, até o afastamento da presidenta Dilma Rousseff (agosto de 2016), as discussões já haviam produzido duas versões da base para a educação infantil. Essa segunda versão foi contestada pelo governo Michel Temer, dando lugar a uma terceira versão, modificada por um grupo de especialistas escolhidos pelo MEC. Esta terceira versão foi apresentada em audiências públicas, todas receberam críticas da sociedade civil organizada. Novo acirramento de ideias e de princípios emergiu, uma vez que esta versão da BNCC, rechaçada por movimentos sociais e entidades, entre elas a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), e o Movimento interfóruns de Educação Infantil do Brasil – (MIEIB), foi sobrepujada e

34 Saviani (2018, p. 781) analisa essa questão com as seguintes palavras: “a aprovação do impedimento da presidenta reeleita, sem que ficasse caracterizado o crime de responsabilidade, único motivo previsto na Constituição para justificar o impeachment, caracterizou-se como um golpe jurídico-midiático-parlamentar. Em consequência, rompeu-se a institucionalidade democrática, abrindo margem para todo o tipo de arbítrio. Assim, estamos vivendo um verdadeiro suicídio democrático, ou seja, as próprias instituições ditas democráticas golpeiam o Estado Democrático de Direito pela ação articulada da grande mídia, do Parlamento e do Judiciário, que, pelo golpe, se apossaram do Executivo”. (EDUCAÇÃO &. SOCIEDADE, CAMPINAS, v. 39, nº. 144, p. 779-794, jul.- set., 2018, p. 781).

homologada pelo CNE em 20 de dezembro de 2017, sem que o ensino médio tivesse sido incluído. A base curricular comum do ensino médio só veio a ser homologada em 04 de dezembro de 2018, portanto, às vésperas de se encerrar o mandato do presidente ilegítimo.

Em 2018, a Base para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental entrou em fase de implementação nas escolas assessoradas por uma comissão organizada pela UNDIME e CONSED, as quais propõem a revisão das propostas curriculares de todo o Brasil até 2020.

A BNCC é um dos documentos que está, hoje, na ordem do dia das discussões sobre currículo. Antes de tudo, por ter sido o mais recente documento a ser apresentado à sociedade, mas também por ter sido homologada em meio a muitas críticas e em um contexto social bem tumultuado, dada a ruptura com a ordem democrática. Dentre as várias críticas formuladas, destacamos a que consta de um documento assinado, conjuntamente, por pesquisadores do grupo de trabalho (GT) 12 Currículo, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e da Associação Brasileira de Currículo (ABdC, 2015).

As críticas fundam-se em vários argumentos contrários à elaboração da BNCC. Dentre elas, ressaltamos: “1) A própria ideia da necessidade de um currículo comum; 2) a metodologia utilizada para essa construção; 3) os fundamentos conceituais, metodológicos e teóricos explicitados pela terceira versão” (ABdC/ANPED, 2015, p. 15). A questão central seria a proposição de um “currículo nacional”, desconsiderando que o nacional é objeto sempre em disputa e que a defesa da BNCC e um

currículo comum ancoram-se em um princípio curricular homogeneizador e universalista que tem graves cisões com a possibilidade de diálogo com a multifacetada e diversa realidade das escolas básicas brasileiras. (ABdC/ANPED, 2015, p.15).

Em síntese, as críticas voltaram-se, sobretudo, para as questões políticas envolvidas na elaboração da BNCC, a forma de operacionalização e a concepção exposta pelo documento. (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016).

3.4 A educação infantil na BNCC

Na BNCC, no que se refere propriamente à educação infantil, as discussões se dão nas especificidades que a diferenciam do ensino fundamental. Do ponto de vista da estrutura, o texto apresentou-se de maneira diferenciada daqueles do restante da educação básica. Foram propostos como organizadores do currículo os campos de experiências; esses eixos são articulados a objetivos e direitos de aprendizagem, não vinculados à disciplina escolar ou à área de conhecimento; trata-se de uma ideia respaldada nas concepções que embasam as DCNEI. (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016).

No texto da BNCC para a educação infantil, são incorporados concepções e princípios propostos nas DCNEI, a saber: concepção de criança como sujeito de direitos, educar e cuidar como concepção indissociada e os princípios de interação e brincadeira como eixo estruturante da prática pedagógica, como pode ser visto a seguir:

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), em seu Artigo 4º, definem a criança como:

sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009).

Ainda de acordo com as DCNEI, em seu Artigo 9º, eixos

estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Educação

Básica são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização ( BNCC, 2017, p. 35)

Outros aspectos também podem ser observados no texto que compõe a BNCC: a defesa da educação das crianças; a organização curricular diferenciada de uma listagem de conteúdos a serem cumpridos; uma concepção de educação que propõe um currículo construído a partir de “orientações nas quais os professores possam desenvolver suas práticas, respeitando as dimensões da infância e dos direitos das crianças”. (CAMPOS e BARBOSA, 2015, p. 359).

Para Barbosa et al. (2016),35 as DCNEI são referências para esta Base e para a legislação brasileira, pelo seu caráter normativo e, sobretudo, por evidenciarem um amadurecimento do trabalho com crianças. Por essa razão, a permanência de tais princípios foi garantida nessa terceira versão. Nesse sentido, as críticas a BNCC para essa etapa voltam-se para as questões gerais do documento, como ressalva o GT 07 da ANPEd36 (2015, p. 10):

A primeira ressalva a ser feita refere-se ao processo metodológico estabelecido pelo MEC para elaboração da terceira versão da BNCC- EI. O MEC atribuiu, a especialistas, a autoria da nova versão, em detrimento do diálogo com a sociedade, em especial com professores(as) e demais profissionais que atuam na Educação Infantil.

[...]Outro aspecto a ser destacado é o enxugamento da parte introdutória de apresentação da Educação Infantil (de 5 páginas na 2ª versão para 3 páginas na 3ª versão) o que significou uma redução conceitual, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento e aprendizagem das crianças pequenas e às questões relacionadas à linguagem.

[...] A terceira versão da BNCC - EI materializa retrocessos no campo da Educação Infantil, em especial, apontando para um enfraquecimento da especificidade da primeira etapa da educação básica. As crianças pequenas e os bebês deixam de ser nomeados, a creche diminui sua tão recente visibilidade e a pré-escola como conceito volta a ser ativada. A Educação Infantil deixa de ser vista em sua singularidade e especificidade para ser tomada como um pré-requisito para escolarização. Concepção que vigorou fortemente nos anos 1970 e 1980 no Brasil, e que parece ser ressuscitada nesta 3ª versão.

As críticas aparecem nos traços de concepções que restringem a especificidade da etapa, que havia se pensado que estivessem superadas conceitualmente dos documentos brasileiros, uma educação infantil preparatória e uma outra crítica quanto à metodologia adotada para a consulta pública em que houve questionamentos sobre o processo democrático da feitura da BNCC e sua legitimidade.

Há pesquisadores, como Campos e Barbosa (2015), que apresentaram defesa a esse documento, no que se refere à educação infantil, argumentando que a

35 Foram assessores que participaram da consultoria a BNCC para a Educação Infantil. Vale salientar que eles fizeram parte do grupo que elaborou o texto introdutório para a consulta pública, participaram da construção da 1ª e 2º versão da BNCC e fizeram parte do grupo que não concordava com a forma que os encaminhamentos da 3° versão tomaram. São pesquisadores que atuam na militância da Educação Infantil e permaneceram na equipe da construção e implementação da BNCC.

36Disponível em:

BNCC não tratou de listagem de conteúdos e que, ao ser discutida nos diferentes espaços educativos, promoveu-se um currículo fruto do trabalho coletivo, alicerçado em uma prática pedagógica, especialmente na ressignificação dessa prática docente-discente, superando uma possível visão de currículo escolarizante.

Ainda segundo Campos e Barbosa (2015), a BNCC-EI servirá como referência para a tomada de decisão e não uma imposição para as equipes escolares, uma vez que se acredita no potencial dessas equipes, tendo em vista as especificidades do desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos. Resguardando que nas instituições e Secretarias de Educação, também existem conflitos e disputas de diferentes concepções, portanto, acredita-se que cada rede, cada instituição ressignifica seu currículo; e seus documentos oficiais constituem um norte para essa atuação.

Abromowicz, Cruz e Moruzzi (2016) explicitam bem esse contexto paradoxal que vive a BNCC-EI, que apesar de várias críticas, dizem saber e reconhecer,

[...] que há um enorme esforço, inclusive por parte de algumas(alguns) pesquisadoras(es) envolvidas(os) na construção da base, em tentar pensar a educação infantil em uma perspectiva não escolar e o currículo em uma perspectiva não conteudista. No entanto, no esforço teórico aqui empreendido, essas tentativas são insuficientes na medida em que a própria ideia da existência de uma base comum impossibilita romper com a epistemologia que a erige (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016, p. 52).

Outros debates surgiram em torno da BNCC; dentre eles, faremos referência às ideias de Abromowicz, Cruz e Moruzzi (2016), que compartilham da opinião de que ela se propõe a ser “comum”, o que supõe a existência de um espaço “universal”, uma vez que se defendem, nas próprias diretrizes, a diversidade como princípio e a dificuldade de disputa e de liberdade, por parte do(a) professor(a), de trabalhar seu conteúdo em sala de aula. As ressalvas feitas por Abromowicz, Cruz e Moruzzi (2016) vão nessa linha de argumentação e suscitam questões importantes para o debate sobre a BNCC:

A suposição de que há um espaço universal, onde se possa produzir algo que seja comum, genérico e ao mesmo tempo, unificador, a partir de acordos possíveis se assenta sob uma ideia de consensos que pressupõem o "não uso" explícito da força e do poder. Ou seja, a apologia ao conceito de universal pressupõe a ideia subjacente da BNCC de que há uma unidade possível na multiplicidade e que ela pode ser realizada sem a utilização de uma força unificadora (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016, p. 48).

Estes argumentos nos fazem refletir acerca do campo controverso em que se vivenciam o currículo e os contextos nos quais eles são materializados, seja do ponto de vista social, político ou pedagógico. Reafirmamos a ideia de que não existe currículo consensual; currículo é mais do que modelos ou conteúdos programáticos, é um posicionamento político e uma prática pedagógica, como defende a pedagogia freireana. (SANTIAGO, 2006b).

A força política hegemônica em torno da BNCC apresenta e homologa um texto controverso, fruto de embates e de acordos que resultaram no texto final, que contribuirá para muitos debates, embates e disputas políticas em torno da EI. O texto final, para uns, significou que o movimento social ou as concepções hegemônicas no MEC, até o ano de 2016, não tiveram a mesma força/poder político e econômico das correntes de oposição (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016, p. 51). Como defendem os autores:

defendemos a ideia de que a educação infantil deve-se orientar por uma perspectiva em que prevaleçam as experimentações, as criações de novos possíveis, os pensamentos, a partir do faz-de- conta e das brincadeiras, algo impossível de ser encapsulado, universalizado e vendido como mercadoria. (ABROMOWICZ, CRUZ e MORUZZI, 2016, p. 52).

Para outros, a BNCC-EI “parece ser o ‘mapa’ para não se perder no processo37” (CAMPOS E BARBOSA, 2015, p. 362), pois uma educação infantil justa curricularmente, sem padrões compensatórios, com respeito aos direitos das crianças de 0-5 anos, significa, hoje, garantir-lhes os direitos de conviver, brincar, explorar, expressar, conhecer-se. É preciso colocar em evidência o valor conferido às crianças e aos profissionais que delas cuidam e as educam. E segue-se na luta pela participação na formulação das políticas de conhecimento, afinal as políticas que levam à materialidade do currículo advêm de disputas e conquistas e/ou retrocessos.

Em suma, as principais ações políticas do ponto de vista legal e institucional, em nível federal, que apontaram uma visão de infância na perspectiva do direito, ora com consensos possíveis e ora com disputas de concepções e operacionalizações, foram enfatizadas nesse capítulo. Foram documentos que reafirmaram e

37 Como dizia o compositor Ivan Lins: “No balanço de perdas e danos, já tivemos muitos desenganos, já tivemos muito que chorar, mas [...] desesperar jamais.... já vivemos muito nestes anos, afinal de contas não tem cabimento entregar o jogo do 1º tempo [...]”.

convergiram sobre o papel da educação infantil para o desenvolvimento integral da criança e apontaram também para a necessidade de um maior investimento na formação de professores(as) e de gestores(as) com vistas à ampliação de conhecimento teórico por parte desses profissionais.

Ademais, no cenário atual em relação às políticas públicas para a educação infantil, existe um descompasso entre as conquistas legais, os avanços conceituais e as condições de atendimento à criança, sobretudo as de 0-3 anos, especialmente quanto aos recursos para se ampliar o atendimento. São descompassos que mostram o tamanho do desafio encontrado para que a instituição com qualidade desejada na educação infantil do País seja legitimada. Desafio este que diz respeito ainda à superação do caráter compensatório e ao respeito à criança, além da valorização dos profissionais que trabalham com creches e pré-escolas (SIMÕES, 2015), como também, as demandas que enfrentam os Conselhos Municipais de Educação e os Sistemas Municipais de Educação, em relação ao planejamento, gestão, estrutura física, de pessoal e administrativo.

Corroborando as questões tratadas, alguns(as) pesquisadores(as) (AMORIM, 2011; BARRICELLI, 2007; BARBOSA, 2009) trazem o olhar da academia em relação aos descompassos entre os princípios da política curricular prescrita e sua efetivação na prática pedagógica, uma vez que os desafios para sua materialização estão cada vez presentes e urgentes, sob o risco de se ver fragilizar a defesa do direito da criança ter uma escola de qualidade. Dessa maneira, elas identificaram, em suas pesquisas sobre o currículo da educação infantil, tais descompassos, suas possíveis consequências e as possíveis saídas para o enfrentamento da melhoria ao atendimento para as crianças e, consequentemente, para a sociedade como um todo.

A pesquisa de Amorim (2011) é um estudo com crianças de 0 a 3 anos. Os descompassos entre os documentos oficiais e o currículo em ação revelaram a distância entre proposta curricular, planejamento mensal de professores(as) e prática pedagógica, resultando no predomínio de ações espontâneas e improvisadas. A autora argumenta que os descompassos reforçam a negação do direito da criança pequena a uma educação infantil de qualidade e atentam contra as políticas públicas de educação que avancem na direção da ampliação dos espaços político-pedagógicos no interior de creches, para que seus profissionais possam elaborar e implementar localmente suas propostas pedagógicas.

Os estudos de Barricelli (2007) constataram a existência de diferentes versões de currículo por meio da análise das representações que se configuram sobre a criança, o(a) professor(a), a concepção de ensino e aprendizagem e os conteúdos constantes de documentos oficiais nacionais e locais (da cidade de São Paulo). Entre os achados de expressão, está o caráter lacunar do currículo da educação infantil no tocante aos conteúdos a serem desenvolvidos com as crianças.

Já para Barbosa (2009), a compreensão do currículo para essa faixa etária constitui um desafio radical, uma vez que, ao analisar propostas curriculares, foram encontradas duas situações opostas. Uma apontava para propostas que traziam apenas os princípios curriculares, introduzindo uma concepção aberta de currículo. Outra, extremamente fechada, que não passava de uma listagem de conteúdos, combinada, inclusive, com indicações de “como iam ser trabalhados os conteúdos explicitados”, isto é, por meio de qual metodologia e, em alguns casos, até “quando” deveriam ser ensinados, denotando um estrito controle sobre o trabalho docente. Nesse sentido, a autora sustenta que o currículo precisa ser visto, não apenas como um plano prévio de ensinar para a vida, mas também como abertura à experiência de viver junto e coletivamente a prática cotidiana. E complementa que:

a dificuldade está em mudar nossa concepção de currículo [...]. Empreender essa mudança implica priorizar a atitude de respeito à condição humana de buscar sentidos para o viver junto. Trata-se de um currículo comprometido com escolhas ― prudentes, mas também apaixonadas ― pelo que efetivamente importa para o significado da vida, para aquilo que torna a vida digna de ser vivida. (BARBOSA, 2009, p. 08).

Podemos perceber que os olhares para as consequências e as saídas explicitadas nos achados das pesquisas indicam a necessidade de avanços nas políticas públicas locais e nacionais de incentivo à participação dos atores escolares no entendimento sobre currículo, sua elaboração e implementação de seus documentos curriculares, tendo em vista os princípios, concepções e práticas com vistas à garantia dos direitos de educação e cuidado das crianças e aos professores, melhor qualidade de trabalho e valorização profissional.

Entender o cenário das políticas para a educação infantil, como elas foram concebidas e implementadas, assim como o que estabelecem os documentos oficiais para esta etapa de ensino, solicita o entendimento da contribuição da