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Parte I Enquadramento Teórico

2. As Tecnologias da Informação e Comunicação nas literacias da atualidade

2.1. Algumas especificidades da literacia digital

2.1.3. As TIC na escola

A tecnologia exerce também um forte impacto na educação e na literacia. É, por isso, importante refletir sobre esta questão, se pretendemos abordar a literacia de uma forma mais séria e mais aprofundada.

Na verdade, o próprio conceito de literacia e de alfabetização foi, de alguma forma, afetado pelo desenvolvimento das TIC, porque, na sociedade atual, a comunicação não se manifesta apenas por escrito ou oralmente, revelando-se também, como observa Meirinhos, (2000, p. 6), a nível “visual, audiovisual, multimédia, e outras, utilizando novos meios e novos suportes (…)”. Assim, atualmente, para ter acesso à informação, é necessário, segundo este autor (2000, p. 7), que haja competências nas TIC e nas “novas linguagens”, para que se possa ter acesso “à cultura da sociedade da informação”. Caso contrário, o indivíduo corre o risco de se isolar socialmente e de ver, assim, outras áreas da sua vida afetadas, designadamente, ao nível da empregabilidade.

No que respeita às consequências da expansão tecnológica, Meirinhos (2000) acrescenta que será necessário algum tempo para que sejamos capazes de as reconhecer, apontando como exemplo a forma como a escrita e a imprensa influenciaram, a nível cognitivo, a predominância do hemisfério esquerdo sobre o hemisfério direito. Com a utilização global das TIC, a comunicação visual ganha em detrimento da escrita, o que leva à predominância do hemisfério direito sobre o esquerdo. Esta situação não deixa de afetar o processo cognitivo dos indivíduos, de uma forma que ainda não foi totalmente esclarecida.

Cardoso (2009), por seu lado, relembra que, em diversos contextos educacionais, as crianças são expostas, desde cedo, a demasiada informação nos meios audiovisuais. Esta situação poderá, na perspetiva da especialista, afetar a criança que se encontra numa fase de desenvolvimento neurológico, não apenas, porque, frequentemente, os conteúdos apresentados não têm em consideração a etapa de desenvolvimento em que a criança se encontra, mas também por causa dos estímulos visuais excessivamente rápidos apresentados nas apresentações audiovisuais. A autora salienta que, deste modo, os centros visuais do cérebro serão estimulados, ao contrário do que acontece com os da linguagem. Os efeitos poderão ser tão nefastos que Olfman (2003, cit. por Cardoso, 2009) refere mesmo a ansiedade da síndrome do pensamento acelerado, que levaria o indivíduo a desenvolver uma compulsão por novos estímulos. Geraldi

(2008) fala de “obesidade de informações” que criaria um “mundo de anoréticos de reflexão”, o que permite concluir que é, efetivamente, necessário refletir sobre a forma mais eficiente de usar a informação disponível.

Na educação formal, a questão da tecnologia levanta-se de diversas formas, a começar pela utilização dos computadores portáteis, em contexto de aula, uma prática cada vez mais comum, até mesmo em etapas iniciais. Assim, vivemos, hoje, uma realidade que exige que os professores, para além dos conhecimentos que têm, sejam capazes de usar com competência as TIC, no contexto das práticas sociais.

Como Snyder (1998, cit. por Pinto, 2009, p. 135) alerta, "Devemos incorporar as tecnologias (ou, pelo menos, ter consciência da sua importância) no nosso ensino, mais ainda pelo facto de os nossos estudantes nos forçarem a mudar" (tradução nossa). Por outro lado, no entender de Bento e Marinho (2010, cit. por Dorneles, 2011), a integração do uso de computadores, em contexto de sala de aula, nomeadamente através dos programas de facilitação tecnológica, implica diversas problemáticas a considerar, para além dos aspetos práticos, como é o caso da instalação de redes wireless nas escolas. A integração e a aplicação das TIC na Educação leva a que a própria escola tenha de criar as condições necessárias para que isso possa acontecer da melhor forma possível.

Nesse sentido, Geraldi (2008), coloca uma questão pertinente ao indagar sobre qual a função da escola num mundo onde há a tecnologia e informação, à disposição da sociedade. Este autor observa que, ainda que já não nos encontremos num mundo onde escasseie ou seja difícil o acesso à informação, há, porém, pouco espaço para refletir sobre como utilizar esta mesma informação da melhor forma. O especialista salienta, ainda, a resistência, por parte, muitas vezes, dos professores, em usar a Internet e defende, ao mesmo tempo, que a escola deve refletir não sobre o melhor modo de utilizar a Internet, mas sim sobre o que a Internet promove para levar a escola a questionar-se e, logo, a reformular-se.

Face à reestruturação a que a escola está sujeita aos mais diversos níveis, em vitude da introdução e aplicação das TIC no ensino, os professores terão também de se ajustar a esta nova realidade. Smith e Curtin (1998, cit. por Pinto, 2009, p. 147), por exemplo, referem o papel que os professores podem desempenhar, relativamente à utilização dos computadores pelos alunos: "(...) A literatura sobre a Internet sugere benefícios educativos, mas aconselha os professores a orientar os estudantes no uso do computador, de modo a que se mantenha a motivação, e a que,

através da “procura” em vez da “navegação”, os estudantes tenham um sentido de direção e um propósito" (tradução nossa). No entanto, como observa Pinto (2009), a realidade é que ainda existem professores que, embora bastante conscientes relativamente à pressão a que estão sujeitos, continuam a criar resistências à adoção das novas tecnologias nas suas aulas. Independentemente disso, como conclui Crystal (2001, cit. por Pinto, 2009, p. 135), "(...) A Web oferece um leque de oportunidades sem precedentes tanto aos estudantes como aos professores".

Mercado (1998, cit. por Dorneles, 2011, p. 2) afirma mesmo que não há como resistir à mudança a que sociedade tecnológica atual obriga, apontando como o melhor caminho não apenas a integração das tecnologias de informação, no contexto de aula, como, ainda, o uso que deve ser feito delas, de modo a construir métodos de ensino inovadores. A este propósito, Meirinhos (2000, p. 1) considera que

“Utilizamos as tecnologias para amplificar os nossos sentidos e capacidades. A sua influência é tal, que altera o que sabemos, a forma como pensamos, a forma como vemos o mundo e como nos relacionamos e atuamos. Aquilo que sabemos depende das tecnologias que utilizamos. À medida que as utilizamos em determinados contextos socioculturais, vamos apropriando-nos delas, internalizando-as, vão fazendo parte de nós, como uma segunda natureza, ao ponto de se tornarem invisíveis e não nos apercebemos delas”.

Moran (2009, cit. por Dorneles, 2011), por seu lado, defende a utilização do computador e da Internet, no contexto de aula, com vista ao desenvolvimento de aulas diferentes, que poderão motivar os alunos e influenciar positivamente a relação professor-aluno. É, igualmente, importante referir que se os professores não estiverem preparados para tal realidade nem tiverem os conhecimentos que os habilitem a isso, não poderão fazer usar, plenamente, as potencialidades das tecnologias.

De facto, as TIC representam um desafio ao ensino tradicional e compete aos professores adaptarem-se ao processo educativo, e, assim, tornarem-se instrumentos de ensino mais eficientes.

Fugimoto e Altoé (2010, p. 9) realizaram um estudo, na realidade escolar brasileira, mais especificamente no ensino público da zona de Maringá, no Paraná, no qual procuraram avaliar “quais as causas da resistência dos professores da rede pública municipal de ensino ao uso do computador no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas”. Como hipótese justificativa as autoras (2010), inspiradas em Valente (1999), apontaram a lacuna existente, na cultura

informática do Brasil, que não estando ainda fortemente implementada na sociedade, particularmente nas zonas mais empobrecidas do interior, conduz, inevitavelmente, ao desconhecimento e à resistência. Ao nível da implementação da tecnologia como recurso didático, esta resistência e a dificuldade de acesso globalizado aos computadores, torna-a impossível ou impraticável. Por outro lado, Fugimoto e Altoé (2010) constataram, ainda, a existência de um número reduzido de computadores disponíveis nas escolas, o que leva a que os professores de outras áreas distintas da informática continuem a desconhecer e não desenvolvam as competências necessárias para integrar os computadores no seu processo de ensino.

2.1.3.1. O ensino online

Como observa Morgado (2001), a questão do avanço da tecnologia no ensino destaca-se, sobretudo, no desenvolvimento da educação a distância, um tipo de ensino que assenta no progresso tecnológico, mas também em aspetos pedagógicos e organizacionais (Johannensen & Eide, 2000; Duart & Sangrá, 1999, cit. por Morgado, 2001).

Neste âmbito, importa salientar a importância do ensino online, que “possibilita um tipo de aprendizagem que se inscreve nos paradigmas construtivistas, e que se diferencia de outras formas de ensino a distância" (Morgado, 2001, pp. 3-4). O mesmo autor (2001, p. 4-5), apoiando-se no trabalho de Duarte e Sangrá (1999), descreve três tipos de modelos de organização do ensino online: i) modelos focados no papel do docente, que consistem na transferência das técnicas, estratégias e métodos do ensino presencial para o ensino online; ii) modelos que focam, particularmente, a tecnologia, onde o professor é um transmissor de conteúdos e o aluno um utilizador da tecnologia; iii) modelos que se centram no aluno, que, no seu entender da autora, são"mais uma intenção do que uma prática".

Mason (1998, cit. por Morgado, 2001, p. 6), por seu lado, propõe outros modelos de ensino a distância, apoiando o primeiro modelo na noção "de relativa permanência e imutabilidade dos conteúdos e materiais". Este especialista considera, assim, que estes materiais são suficientemente relevantes para serem transmitidos por professores que não são responsáveis pelo seu desenvolvimento. O autor assume, desta forma, uma abordagem que afasta os conteúdos a ensinar da própria docência. Ao nível das novas tecnologias, este modelo procura uma utilização pragmática destes instrumentos, sem se afastar, contudo, da visão tradicional do ensino

a distância. O segundo modelo perspetiva o professor e o estudante como elementos mais ativos no processo, favorecendo-se, para isso, as tarefas de interação online, tendo em conta que a dimensão online ocupa metade do tempo dos estudantes, o que é complementado por conteúdos e materiais especificamente concebidos para o efeito. O último modelo apontado por Morgado (2001) procura conjugar a questão do conteúdo com a tutoria, de tal modo que estes não sejam dois aspetos distintos, mas sim um só. Neste modelo, procura-se o desenvolvimento de uma

“"comunidade de aprendizagem", constituída, exclusivamente, online e, ao mesmo tempo, o favorecimento de aspetos, tais como a interação e a colaboração entre elementos e dinamismo dos conteúdos, construídos, em parceria, pelos próprios indivíduos e pelas atividades desenvolvidas” (Morgado, 2001, p. 6).

Nesta secção, procurámos focar não apenas exemplos de literacias associadas às novas tecnologias, como nos centrámos ainda, em particular, sobre a importância das TIC, no contexto de sala de aula, um aspeto pouco consensual no estado de arte atual existente, e também nos media, em geral, como tivemos a oportunidade de verificar.

O campo de estudo da (s) literacia (s) está em permanente evolução e as TIC vieram promover algumas reflexões inovadoras que, para além da literatura científica, acabaram, igualmente, por afetar a aplicação prática, em contexto de ensino formal e não formal, e, consequementemente, por determinar e influenciar, de algum modo, a elaboração e a implementação do currículo.