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Parte I Enquadramento Teórico

3. O currículo da conceção à implementação no Brasil e em Portugal

3.2. Os atores do processo curricular

Gimeno Sacristán (2007, cit. por Castro, 2010) considera o currículo a expressão de uma intenção e conteúdo, devendo, para servir os objetivos que se propõe atingir, ser implementado com eficácia.

Esta afirmação leva-nos a refletir sobre os elementos que, para lá dos órgãos centrais de administração, estão envolvidos no desenvolvimento curricular, em particular a escola, os professores e os alunos, ainda que não se possa esquecer o papel do contexto social e cultural.

Lima (2005) salienta, relativamente à escola e ao currículo, que, pelo facto de a escola ser um espaço de alargamento da experiência humana, não deve cingir-se ao quotidiano da criança, mas contribuir para lhe dar novos conhecimentos, tornando-se, desta forma, o currículo um instrumento de formação humana.

Moreira (2008) não deixa de salientar também a tensão que se verifica, no currículo, entre as aprendizagens de aplicabilidade quotidiana e aquelas que “permitam ir além do mundo imediato”.

Segundo Machado (2010), não se pode falar de currículo como se fosse um elemento independente da instituição de ensino onde o mesmo é ou pretende ser implementado. No entender desta autora, um currículo tem de ter em conta as necessidades específicas das instituições de ensino em função das quais é desenvolvido. Efetivamente, como salientam Reis e Alves (2010, p. 197), numa perspetiva que concebe o

"currículo como projeto, é importante que o currículo prescrito a nível nacional, uniforme para todas as escolas/ agrupamentos, seja adaptado à especificidade concreta de cada uma, possibilitando uma adequação curricular coerente, consistente e adequada, que se materializa com a construção dos projetos de escola/agrupamento".

Por seu lado, Gardner (1999), relativamente à questão das disciplinas, em particular, defende que a educação deve “possibilitar o acesso ao coração intelectual, à alma experiencial de cada disciplina.”, acrescentado, ainda, que a mesma é “bem-sucedida se equipa os estudantes

com um sentido de como o mundo pode ser visto de acordo com diferentes tipos de lentes” (Gardner (1999, p. 157).

Por seu lado, Roldão (2003, pp. 16-17), relativamente ao ato de ensinar, alerta para o o facto de “Ensinar, ou seja, fazer com que alguém aprenda – ter sido muito largamente preterido em favor de ‘dar matérias’, predominantemente pela via da fala do professor” (Roldão, p. 16), ao invés de “garantir que se aprenda aquilo de que se vai precisar, pessoal e socialmente, para uma boa integração social.” (Roldão, p. 16).

Leite (2003b, p. 125), por sua vez, define o conceito de “escola curricularmente inteligente” como uma

“instituição que não depende exclusivamente de uma gestão que lhe é exterior, porque nela ocorrem processos de tomada de decisão participados pelo coletivo escolar e onde, simultaneamente, ocorrem processos de comunicação real que envolvem professores e alunos e, através deles, a comunidade, na estruturação do ensino e na construção da aprendizagem”.

Na visão de Pacheco (2000), num processo de revisão curricular, os professores podem, por exemplo, ser encarados como elementos que deverão simplesmente implementar as mudanças que foram decididas por outrém, ou pode, em contrapartida, procurar-se incluí-los no processo, fomentando-se, assim, o seu desenvolvimento profissional. A propósito do mesmo assunto, Leite (2006, p. 72) chega mesmo a questionar “a qualidade de um currículo que é completamente construído nas costas dos professores, ou que não os tem como parceiros, e que os concebe como meras correias de transmissão do que é prescrito de forma universal”.

Apesar da importância inegáveldo professor, no processo de construção e implementação do currículo, é importante não esquecer que este, assim como a prática docente e o ensino, na sua globalidade, são, na realidade, desenvolvidos para o aluno. Porém, o aluno parece, de um modo geral, ser encarado como um elemento com pouco poder decisivo e a quem é dada pouca autonomia. Perrenoud (1995, p. 119), por exemplo, refere, a este propósito, que

"este fraco poder traduz, na lógica da organização, a dependência das crianças e dos adolescentes relativamente aos adultos. Considerados como imaturos, irresponsáveis, incapazes de gerirem a sua própria vida, os menores são, na escola como fora dela, colocados sob a vigilância e o poder de adultos supostamente indulgentes e responsáveis".

Rudduck (1997), por seu turno, lembra o papel do aluno neste processo, argumentando que é importante ter em conta as experiências do aluno, no processo de ensino e aprendizagem, e

ter respeito “perante aquilo que eles têm a dizer sobre as suas experiências de aprendizagem" (Rudduck, 1997, p. 2).

Não se pode, assim, ignorar, como nota Apple (1999, p. 59), que

"o currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo".

Em síntese, o currículo acaba por ser o produto de uma representação social. Desse modo, como observa Gimeno Sacristán (2000, p. 124), na escola “(...) não se aprende tudo, nem todos aprendem o mesmo, daí que o primeiro problema curricular tem um significado social e político".

Como relembra Machado (2010), no desenvolvimento de um currículo, os interesses do Estado e da comunidade académica poderão ser coincidentes ou não, sendo que, nesta última situação, se criam obstáculos que é necessário ultrapassar, com vista a uma adoção eficaz do currículo, na prática do ensino.

Com efeito, a construção do currículo é um processo tão complexo e social que Goodson (2005, p. 8, cit. por Souza, 2010, p. 50) afirma que nele "convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos "nobres" e menos "formais", tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de controlo".

A questão do currículo é de tal modo complexa que nos merece uma reflexão mais aprofundada, sendo, nesse sentido, importante refletir sobre os contextos teóricos que suportam o desenvolvimento curricular, na atualidade, isto é, sobre os quadros teóricos de referência focados no currículo.