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Parte I Enquadramento Teórico

4. O papel e a importância da formação dos professores para a construção de uma literacia mais

4.5. A formação de professores ao serviço da literacia

4.5.1.3. Para uma prática reflexiva mais consistente

Gimeno Sacristán (1999) considera que uma das grandes utopias no ensino é esperar que este seja realizado de forma reflexiva ou racional em cujo processo são ponderados e refletidos todos os passos. O autor, inspirado no trabalho de Sykes (1986), sistematiza como obstáculos para a prática educativa reflexiva aspetos como as limitações do ser humano no processamento de informação; o contexto organizativo que favorece a alheação; a singularidade do trabalho no ensino, que dificulta a seleção de critérios a controlar e a refletir; o facto de a socialização profissional consistir, essencialmente, em etapas da formação do professor em que não são valorizados aspetos relativos à reflexão; a seletividade do ensino, que atrai indivíduos que não desenvolvem atitudes reflexivas.

Apesar de todas estas dificuldades e da impossibilidade de uma prática reflexiva completa, é importante desenvolver a prática reflexiva, o mais possível, em prol de um ensino de qualidade.

Nessa perspetiva, Loghran (2006, cit. por Flores, Hilton & Niklasson, 2010) sistematiza vários tipos de práticas reflexivas. Uma dessas práticas tem a ver com a comparação das vivências atuais e passadas. Analisa, de uma forma crítica, as estratégias de resolução de problemas utilizadas, criando ou ajustando padrões de comportamento, o que poderá desenvolver estratégias de rotina. Outra estratégia refere-se à comparação, ao nível da prática, entre a situação atual e as situações observadas ou relatadas relativamente à prática de outros docentes, o que

poderá originar um movimento de repetição comportamental, no sentido de manter um comportamento tradicional. A última prática descrita tem a ver com a comparação entre a situação real atual e as expectativas que o professor desenvolve a vários níveis, nomeadamente em relação aos resultados e comportamento dos alunos, entre outros, o que pode originar estratégias de "tentativa-erro".

Day (2004, cit. por Flores, Hilton & Niklasson, 2010, p. 24) sistematiza também vários tipos de práticas reflexivas, nomeadamente "a preparação do trabalho que tem de ser feito, que representa um feedback limitado e circunscrito à experiência do Eu sobre o Eu"; "os incidentes críticos, que podem conduzir a um maior crescimento profissional quando os professores analisam" a sua prática quotidiana; "a reflexão autobiográfica, que proporciona formas de recuperar, reconstruir e recapturar acontecimentos e realizações", o que pode ser realizado através da utilização de instrumentos, tais como os diários ou os relatos de situações que ocorrem, durante a prática profissional docente; por fim, "a investigação-ação colaborativa" que, a partir da noção das necessidades existentes, procura alcançar a mudança do professor, a nível individual, mas também operar mudanças, no seu contexto, ou seja, na escola.

Relativamente à questão da investigação-ação, segundo Latorre (2004, p. 24), esta pode ser definida como "uma indagação prática realizada pelos professores de forma colaborativa com a finalidade de melhorar a sua prática educativa através de ciclos de ação e reflexão", tornado relevante, no âmbito da prática reflexiva. Moreira (2001a) afirma, a este respeito, que pesquisar a própria prática é um processo de regulação que ajuda a construir um certo tipo de pessoa e de profissional.

Medeiros (2002) refere que a investigação-ação, em contexto de colaboração, "é entendida como uma estratégia de formação cujo objetivo é o estudo da "praxis"”. Acrescenta, ainda, que “a investigação-ação é um processo dinâmico que se desenvolve com a colaboração de vários intervenientes (...), numa espiral reflexiva constituída por ciclos de quatro fases que se articulam e complementam entre si recursivamente: a planificação, a ação, a observação e a reflexão".

Observamos, assim, a predominância de um processo fortemente focado na reflexão, já que não pode ocorrer planificação sem reflexão. A ação decorre da planificação, proporcionando a observação do próprio trabalho docente, dos resultados alcançados e do trabalho dos pares,

constituindo etapas durante as quais os indivíduos recolhem dados essenciais para uma reflexão da prática docente

Assim, no âmbito da formação de professores, é, segundo alguns estudiosos (Schon, 1990; Alarcão, 1996, cit. por Pimenta, 1999, p. 28), necessário contemplar a questão do professor reflexivo, encarado como "um intelectual em processo contínuo de formação". Da mesma forma, Nóvoa (1992, p. 25) considera que a formação deverá adotar uma perspetiva crítico-reflexiva que "forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de formação auto-participada". Nesse sentido, o autor sugere a existência de três dimensões na formação do docente: produzir a vida do professor, no sentido do desenvolvimento pessoal; produzir a profissão docente, no sentido do desenvolvimento profissional; produzir a escola, no sentido do desenvolvimento organizacional.

É fundamental considerar esta abordagem no âmbito da formação de professores, tendo em conta que a mesma implica que a formação de professores seja um processo contínuo, e que, portanto, falar de formação inicial e contínua é, no fundo, falar de duas etapas de um mesmo processo. Ao mesmo tempo, no processo de formação, existe um elemento de autoformação, ou seja, os próprios formandos refletem sobre os saberes que adquiriram em relação às experiências que vão tendo, e nesse processo, assim como na troca de experiências que ocorre, durante a formação, vão-se criando os saberes relativos à prática, isto é, "aquele que constantemente reflete na e sobre a prática" (Pimenta, 1999, p. 29). Esta noção de professor que aprende por si mesmo, ao refletir, é, por isso, fundamental.

A realidade do ensino, nomeadamente na disciplina de Filosofia, que deveria “ensinar a pensar” distancia-se bastante deste objetivo e parece mesmo, por vezes, que deixou de se ensinar os alunos a pensar. Ao invés, focam-se, predominantemente, de uma forma geral, os aspetos concretos que integram os conteúdos definidos pelo currículo nacional e podem ser medidos e classificados, de acordo com estratégias de avaliação previamente delineadas. Nessa linha de pensamento, pode, de alguma forma, esperar-se que os formandos que viveram todo o seu percurso escolar básico e secundário sem serem incentivados a pensar, aprendam a refletir sobre as suas práticas e experiências, até mesmo ao nível do ensino superior?

É em função desta e de outras realidades que as competências e a formação dos professores deverão, no nosso entender, ser repensadas.

Nesse sentido, é importante refletir e apontar pistas relevantes para a construção da literacia não só a nível teórico, mas também para a prática educativa.

Em síntese, é importante desenvolver todos os esforços para promover o hábito da prática da leitura e da escrita, de modo a que os indivíduos se tornem aptos para uma utilização efetiva do texto impresso, e incorpore quer a leitura quer a escrita na sua vivência, não apenas como uma obrigação escolar, mas também como forma de encontrar prazer e satisfação. Desta forma, o indivíduo tornar-se-á capaz de utilizar a leitura e a escrita no seu quotidiano, enriquecendo, assim, a sua vivência e ampliando, simultaneamente, as suas competências de cidadania plena, o que favorece a perspetiva da literacia voltada para as práticas sociais.

Por outro lado, é igualmente importante, no âmbito desta problemática da literacia, aprofundar a discussão em torno do Efeito Mateus, tendo em conta que o ambiente acaba, de alguma forma, por influenciar o nível de literacia da leitura dos indivíduos. Efetivamente, um contexto estimulante ao nível do material impresso poderá possibilitar ao indivíduo um maior conhecimento e enriquecimento a esse nível. Porém, há que ter em conta que um ambiente com essas características poderá também limitar-se a transmitir um conhecimento “à superfície” e não efetivo do material impresso a que se expõe as pessoas. Ou seja, o facto de se reconher um autor e/ ou revista e obra escrita não significa necessariamente que os tenha lido e/ ou consultado. Estes são, pois, fatores a considerar, quando se estuda o nível de literacia dos alunos, por exemplo. Este aspeto torna-se ainda mais relevante, se considerarmos a quantidade de meios de difusão e comunicação, uns mais e outros menos globalizados, que estão, cada vez mais, à nossa disposição, no quotidiano. É o caso, por exemplo, da Internet que expõe virtualmente uma panóplia enorme de material impresso, mais concretamente, jornais, revistas, obras (ebooks, por exemplo), entre outros.

Neste contexto, conclui-se, portanto, que é essencial refletir sobre a criação e o aprofundamento de programas e projetos focados no desenvolvimento da literacia, desde a denominada literacia emergente, isto é, pré-escolar (que também pode acontecer, nalguns casos, em casa, que, ao passar pela fase de escolarização, chega à literacia na idade adulta, encarada como uma aprendizagem ao longo da vida. Para isso, é preciso contemplar tanto a leitura como a escrita, de forma a integrar, o mais possível, ao contrário do que tem acontecido, a escrita na literatura e programas de ação promovidos no contexto da literacia.

Assume-se que o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido a nível estatal e nacional, no Brasil, em prol da literacia tem sido valorizado e valioso ao ponto de ter possibilitado uma evolução significativa a esse nível. Com efeito, observou-se uma diminuição da percentagem de analfabetos no Acre.

Foram estas e outras reflexões que ajudaram a dar forma à investigação que decidimos levar a cabo, tendo em mente, numa área do saber ainda emergente no Brasil, o grau de literacia detido pelos estudantes, a necessitar, por isso, de uma reflexão e análise mais aprofundadas, pela importância que a mesma tem para o sucesso escolar e/ ou profissional e para uma inserção social mais eficaz do indivíduo.

Delineadas, de um modo mais abrangente, algumas das linhas teóricas e concetuais que enformaram, direta ou indiretamente, o presente estudo, propomo-nos, na segunda parte do nosso trabalho, retomar, de um modo mais aprofundado, algumas delas, com vista a explicitar e fundamentar a abordagem metodológica adotada.

5. "… a passagem do letramento existente ao letramento desejado…"



Chegado é, pois, o momento, após a apresentação do enquadramento teórico, de justificar nesta secção, cuja descrição retoma novamente o título da tese, a razão de ser do estudo feito.

A nossa investigação tem como objetivo principal equacionar modos de atuação que visem analisar a literacia existente no meio selecionado para o estudo, a partir da análise do letramento/ literacia, conforme ilustra o título da tese.

Partiu-se, para o efeito, de indicadores de literacia obtidos em estudantes dos cursos de Letras (Português, Francês, Espanhol e Inglês) do 1º e 4º anos da Universidade de Acre, no Brasil, através de checklists destinadas a reconhecer autores e revistas em de várias áreas do conhecimento e de um questionário sobre conhecimentos de literacia e Media. De referir que as checklists aplicadas foram adaptadas à realidade da Universidade do Acre com a devida autorização dos seus autores, neste caso Stanovich e West (1986).

Procurámos, ao mesmo tempo, auscultar os professores dos diferentes cursos de Letras da Universidade de Acre, no sentido de apurar as respetivas representações relativamente ao nível de literacia dos estudantes.

Os dados recolhidos tendem, assim, a responder aos objetivos que se apresentam, a seguir, na Parte II do nosso estudo, consagrada ao enquadramento metodológico, descrição, e análise dos dados obtidos, assim como à discussão dos resultados e respetivas conclusões.

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