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Capítulo IV – A Animação Sociocultural nos Seniores, Intervenção Social,

4.4. A ASC nas Autarquias

A abordagem da temática da ASC nas autarquias, em Portugal, tem, de uma forma bem definida e vincada, dois vetores, antes de abril de 1974 e depois do 25 de abril de 1974.

Todos sabemos que Portugal antes do 25 de Abril de 74 vivia imerso num regime ditatorial onde não era possível a nada nem a ninguém expressar-se da forma que queria. Os cidadãos não podiam de forma nenhuma ter qualquer tipo de vontade ou opinião, pois só era permitido que vivessem consoante aquilo que lhes era imposto.

De certa forma a ASC surge como forma de combate a todas estas regras que eram impostas e que não permitiam a ninguém expressar-se e exprimir-se. As autarquias, estruturas de poder político, eram nada mais nada menos que caixas-de- ressonância do poder fascista instalado em Portugal, as autarquias locais tinham como função essencial fiscalizar a atividade comunitária fruto do regime implantado, e eram estruturas altamente burocratizadas.

Reforçamos esta ideia com aquilo que Lopes (2008, p.135) afirma,

“Portugal (…), esteve sob o domínio de um regime totalitário de 1926 a 1974. Durante estes opressivos 48 anos foram suspensas as liberdades de expressão, de associação e de reunião, o que, se por um lado, condicionou a evolução natural da Animação Sociocultural (…) também é verdade que essa suspensão levou à descoberta de processos criativos capazes de tornear e ultrapassar estas condicionantes. Por isso, não deixa de ser verdade que a interdição de liberdade originou formas de Animação

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originais impulsionadas pelo recurso à imaginação que procurou superar e vencer as amarras impostas.”

Os presidentes de Junta de Freguesia, denominados à época como regedores, os Presidentes de Câmara e até os Governadores Civis eram nomeados pela administração central, uma vez que a realidade de eleições autárquicas não se colocava num regime fascista. Ora desta forma as autarquias não tinham um quadro de competências em matéria social e sociocultural que privilegiasse a qualquer tipo de iniciativa nessa área, aliás muito pelo contrário, os Presidentes de Câmara e os Governadores Civis eram pessoas de muito pouca sensibilidade social, um pouco também fruto da sua profunda ligação ao meio militar e às estruturas rígidas controladas pelo regime vigente.

Apesar de existirem sinais de ASC antes da revolução dos cravos, é com a mesma que começamos assistir em Portugal a uma mudança de atitude e de uma participação social que até então era completamente inexistente e impensável, e

“As actividades culturais irromperam de uma forma mais ou menos espontânea, à margem da lógica das instituições com o objectivo de darem corpo a um anseio de expressão colectiva na resolução de diversos problemas através de projectos de intervenção concretos.”

Lopes (2008, p.153)

A animação sociocultural, antes de abril de 1974, era algo praticamente inexistente em Portugal e muito menos nas autarquias, uma vez que todas as atividades de animação sociocultural eram literalmente controladas pelo regime, através das conhecidas comissões de censura que estavam presentes em todas as realizações de índole cultural quer fosse o cinema, o teatro, os concertos de dança e música, ou nos jogos tradicionais; em suma não existia manifestação sociocultural oficial que não fosse controlada pelo poder político. Não existia a preocupação de promover a animação sociocultural junto das comunidades.

Com a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, os caminhos para democratização da cultura e do ensino abrem-se de forma espantosa. É uma época de grande massificação do Associativismo em todas as suas vertentes e as comunidades começam a organizarem-se em vários movimentos dentro do associativismo e da cultura. Começamos a ter inúmeras associações de moradores, grupos musicais, associações de estudantes, diversas associações juvenis.

120 Já no final da década de 70 chegam os primeiros Centros Culturais, Companhias de Teatro, Grupos de Teatro Amador e começamos a caminhar para os primeiros passos na criação de projetos de intervenção sociocultural, com a democracia como pano de fundo para que todos tenham acesso e possam ser atores passivos e/ou ativos destes projetos.

Assiste-se então em Portugal a uma completa libertação de um regime altamente opressivo e repressivo e todos, mas mesmo todos, começam a expressar-se através da chamada “cultura popular” (Lopes (2008, p.154)), e dessa forma conseguem libertar-se e participarem ativamente naquilo que é e deve ser a cidadania e participação social.

Existiram no entanto diferentes fases da ASC, após o 25 de Abril e num Portugal que começa a estar integrado num regime democrático e que são elas,

“1- A fase revolucionária da ASC – período compreendido entre 1974 e 1976; 2- A fase constitucional da ASC em Portugal – entre 1977 e 1980; 3- A fase patrimonial da ASC – entre 1981 e 1985; 4- A fase da transferência da ASC do poder central para o poder local – entre 1986 e 1990; 5- A fase multicultural e intercultural da ASC – entre 1991 e 1995; 6- A fase da ASC no contexto da Globalização – com inicio em 1996 até ao presente.”

Lopes (2008, p.156)

Porque o que pretendemos neste capítulo é abordar a temática da ASC no que se refere às autarquias, pois foi nesse âmbito que levamos a cabo a nossa investigação, a fase da ASC que mais nos interessa e na qual iremos incidir é na 4, pois o que nos interessa é perceber de que forma a ASC surge no âmbito das autarquias locais.

Com a revisão constitucional de 1976, as autarquias locais ganham legitimidade constitucional e são realizadas as primeiras eleições autárquicas, e dessa forma os Presidentes de Junta começam a ser eleitos através do voto de todos os cidadãos.

As autarquias passam a dispor de um quadro de competências delegadas pela administração central que vai de encontro àquilo que necessitam as comunidades no que diz respeito à realização de projetos de intervenção comunitária, voluntariado, animação e animação sociocultural e desta forma os autarcas começam a perceber que terão que se munir de ferramentas que permitam a massificação do associativismo popular. Nesta altura e com a adesão de Portugal à União Europeia, os autarcas consciencializam-se de

121 que as autarquias têm que estar perto das pessoas, valorizar as pessoas e simplificar-lhes a vida e só através de uma forte componente social+cultural (sociocultural) poderão fazer com que as comunidades/freguesias que governam avencem e progridam quer do ponto de vista social quer do ponto de vista cultural.

É aí que as autarquias começam a recrutar profissionais da animação sociocultural para dar resposta aos projetos em curso, promover novas políticas de apoio comunitário e aprofundar as respostas às populações. Reforçamos esta questão como o que nos diz, Lopes (2008, p. 275), “Verifica-se por parte do poder local, um crescente interesse na ASC, encarando-a como um método eficaz de mobilizar vontades e recursos.”

Como já foi referido, a adesão à União Europeia permite que o País possa candidatar a ASC a muitos investimentos da área a fundos comunitários, e isso está bem presente no Primeiro Quadro de Apoio Financeiro a Portugal, por parte da UE, levando à construção de raiz de vários edifícios, tais como Centros de Convívio, Teatros, Bibliotecas, Centros Educativos, vários apoios a instituições que se tinham fundado logo apos o 25 de abril de 1974.

Assistimos a uma nova realidade; é que a animação sociocultural do ponto de vista autárquico não inclui só os jovens, a população ativa, as crianças mas também os seniores passam a ser um público alvo, com a construção de valências de Lares e Centros de Convívio para os mais velhos, fruto também do aparecimento das Instituições Particulares de Solidariedade Social, as denominadas IPSS.

É a partir dos anos 80, que o Poder Central se desresponsabiliza por completo de tudo o que tem a ver com a ASC, transfere todas as questões relacionadas com a mesma para o Poder Local e só estes organismos podem contratar animadores socioculturais uma vez que os mesmos são necessários e fundamentais para o desenvolvimento de políticas de proximidade. Assistimos a uma profunda alteração no que se refere aos organismos que contratam Animadores devido a esta transferência do poder central para o poder local,

“(…) as entidades empregadoras da Animação deixam de ser a FAOJ, a Junta Central das Casas do Povo, o INATEL, A Secretaria de Estado da Cultura, ou seja, deixam de ser organismos ligados ao poder central, para passarem a ser estruturas ligadas ao poder local.”

122 Constamos, conforme referimos, que como nos diz Santos, que o Poder Local começa a estar cada vez mais “perto” e interessado na população e daí, conforme referido, a importância do desenvolvimento local/comunitário tornar-se tão importante para as mesmas,

“Estas (Câmaras Municipais) passam a encarar a acção sócio-cultural e o associativismo como alavancas essenciais de um desenvolvimento territorial local, incidindo em matérias como o desenvolvimento comunitário, a promoção de políticas de emprego, a dinamização turística, a ocupação dos tempos livres e a acção formativo-profissional-educativa.”

Santos, cit in Lopes (2008, p.275)

Continuando a fazer o périplo pela ASC nas autarquias e percebendo que o poder local começa a estar intimamente ligado a esta prática assiste-se, nos anos 90 a profundas alterações tais como “A criação de Centros de Animação Cultural Municipais”, “A extinsão de IJ e a criação do IPJ”, “Novos Cursos técnico- profissionais no domínio da Animação”, “Projectos de Animação Sociocultural”, tais como, “O Teatro como meio de Animação Sociocultural”, “O projecto manifesta” entre outros, as quais de alguma forma vieram fazer com que a ASC não se esgote num único objetivo e que prolifere por todo o Mundo e que se assista a formas de ASC distintas mas em que todas elas fizeram sentido e permitiram um crescimento exponencial em diversas áreas. (Lopes, M. (2008))

Na realidade dos nossos dias é já pouco provável uma autarquia viver sem técnicos e projetos de animação sociocultural, pois as solicitações vêm de todo o lado e em todas as equipas de intervenção no terreno ou de planificação estratégica é necessário que os técnicos de animação sociocultural estejam presentes; senão vejamos: com o alargamento das competências autárquicas ao nível social, educativo, cultural e turístico, é necessário que os técnicos de animação sociocultural estejam presentes e integrem equipas multidisciplinares para aumentar a eficácia da resposta, como por exemplo a necessidade nas atividades extracurriculares ao nível do ensino, ao nível social.

Essa transversalidade vai desde a organização e planificação de projetos com os mais diversos públicos ate à presença nas Comissões de Proteção Jovens e Menores, ao nível cultural e do voluntariado. Torna-se indispensável: A presença nos projetos de

123 expressão cultural, nos projetos de voluntariado sejam os mesmos direcionados ou de índole transversal a toda a população, ao nível turístico.

Sendo Portugal um País de serviços e de turismo torna-se imperioso, ainda mais neste quadro de crise que atravessamos que os profissionais da animação sociocultural procurem respostas neste sector que permitam às autarquias promover o seu território junto de outros povos e culturas.

Devemos ter sempre na nossa prática diária de Animadores integrados nas Autarquias (Câmaras Municipais ou Juntas de Freguesia) a questão que nos é apresentada por Lopes, M. (2008, p.300)

“Conceber o desenvolvimento local como estratégia de reforço das práticas comunitárias e como meio alternativo de globalização, e ainda, como recusa a uma intervenção descontextualizada e desligada da participação dos cidadãos.”

Em jeito de conclusão podemos afirmar categoricamente, aquilo que foi mencionado no início deste capítulo; existe um tipo de política autarquica antes da animação sociocultural entrar no panorama autárquico e existe um depois com enormes e excelentes projetos espalhados por todas as populações de Portugal, deixando ainda muito por fazer e aprofundar sobretudo no interior do País onde é mais difícil chegar às comunidades fruto da migração, da emigração, das vias de comunicação, das tecnologias de informação e porque não dizer fruto ainda de um Estado altamente centralizado e centralizador que temos nos dias de hoje.

Terminamos com o auguro de que os animadores continuem a animar cada um dos utentes que se encontra integrado nos seus projetos e que a ASC não se esgote, pois agora, mais que nunca pode proliferar e expandir-se, conforme Lopes (2008, p.309) nos refere

“(…)encerramos os anos 90, na esperança que a década vindoura seja de clarificação, porque, mais do que nunca a Animação Sociocultural tem espaço, tem sentido, basta só olhar para a desertificação rural, para o superpovoamento do litoral, o aumento do ócio na terceira idade, os hospitais sem vida, as escolas sem interligação dos diferentes espaços educativos, as prisões do tédio, a comunicação artificial em vez da humana, a democracia distante e distanciada das pessoas e cada vez mais ritualista e de participação calendarizada. Esta é a prova provada que o tempo carece de programas de Animação, contudo este tempo também necessita que os

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poderes, local e central, adoptem e apoiem a Animação Sociocultural e não a remetam para a margem do sistema.”

A Junta de Freguesia de Ramalde é um exemplo de uma autarquia que promove, junto dos seniores, atividades de Animação Sociocultural e procura que todos os utentes/fregueses se sintam motivados a participar ativamente em todas as atividades e a tudo o que diz respeito à comunidade onde se encontram inseridos.

Um dos campos de atuação é o trabalho com seniores, quer no que se refere ao assistencialismo, quer no que se refere à intervenção, pois se por um lado existe uma preocupação com os seniores que estão em suas casas, acamados, sozinhos e isolados, sem nenhum elo de ligação com a vizinhança, outros há que são bastante ativos e participam, mobilizam esforços e têm uma frequência quase diária nas atividades da Junta.

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Capítulo V – Técnicas e Recursos para a