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4 3 ASPECTOS DO PROCESSO DE I N TERVEN ÇÃO N OS ASSEN TAMEN TOS EN QUADRADOS COMO ZEI S EM ÁREA DE

MAN AN CI AI S

A Zona Especial de I nteresse Social de tipo 1 foi criada com o objetivo de reconhecer áreas urbanas ocupadas por favelas e loteamentos irregulares ou clandestinos e permitir, além da regularização destes assentamentos precários, a construção de conjuntos habitacionais destinados às comunidades abrangidas, dentro do perímetro já ocupado pelas mesmas. As intervenções nas ZEI S 1 dependem essencialmente das iniciativas do Poder Público, com a inclusão dessas áreas em Programas Habitacionais, definidos segundo as diretrizes dos Planos de Habitação do Município, do Estado e da União, tanto na forma de intervenção como na forma de financiamento.

No que diz respeito ao programa de regularização desses assentamentos (que incluem muitas vezes construção de conjuntos de HI S), cabe dizer que os procedimentos a serem adotados variam segundo as características da ocupação de cada assentamento demarcado como ZEI S. Assim, encontram-se diferenças quanto à localização, mais ou menos inserida na malha urbana, quanto à forma de ocupação – loteamento ou favela –, quanto à dimensão da área ocupada e suas características geotécnicas, quanto ao grau de consolidação, quanto à densidade e à vulnerabilidade, e quanto à origem dos terrenos, que podem ser públicos (da classe de bens de uso comum do povo4 ou de domínio público) ou

particulares.

Essas diferenças de um assentamento para outro são justamente o que implica na articulação das ZEI S com outros instrumentos jurídicos e urbanísticos – também distintos –, de forma a possibilitar a regularização fundiária particular de cada situação.

Com relação aos loteamentos, pode-se dizer que em geral estão localizados em terrenos particulares. Sua produção está diretamente relacionada à legislação incidente, à dinâmica imobiliária e à intenção do proprietário/ loteador. Dentro disso, e de acordo com o procedimento adotado pelo loteador, os loteamentos podem ser definidos como clandestinos – quando não foi dada entrada na Prefeitura com pedido de licenciamento –, ou irregulares –

4 Bens públicos são divididos em três categorias pelo art. 99 do Código Civil: (i) bens de uso comum

do povo – aqueles necessários a todos os cidadãos como ruas, praças, rios, mares, que não devem ser privativos de ninguém; (ii) bens de uso especial – destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; (iii) dominicais – que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

CAPÍTULO 4    ■   REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NOS MANANCIAIS SUL E A RELEVÂNCIA DAS ZEIS

165 quando a Prefeitura toma ciência do loteamento clandestino ou da execução de loteamento aprovado em desacordo com o projeto analisado e autorizado inicialmente.

Conforme aponta Pasternak (2009, p. 1), “a irregularidade do loteamento ocorre quando em razão de irregularidades urbanísticas e jurídicas. As irregularidades jurídicas decorrem de obstáculos para o registro, como incorreções no título de propriedade da gleba” e também estão relacionadas à conclusão das obras e não efetuação do registro no Cartório de Registro de I móveis. Já com relação às irregularidades urbanísticas, as principais, relacionadas pela autora, são:

• O loteador obtém a aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, mas não executa as obras de infraestrutura necessárias que constavam do projeto aprovado.

• O loteador não executou vias públicas de circulação e/ ou a demarcação de logradouros públicos (implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público).

• O projeto de loteamento foi aprovado pelo Poder Público, mas a obra não atende ao traçado oficial do loteamento.

• Combinações diversas entre os itens acima. (Ibidem, loc.cit.)

A correção das infrações, no caso dos loteamentos, é de responsabilidade compartilhada do loteador e da Municipalidade, sem prejuízo das sanções aplicadas ao loteador, nos termos da Lei Federal nº 6.766/ 79. A elaboração do Plano de Urbanização das ZEI S fica, consequentemente, a encargo do loteador, em conjunto com a PMSP. Entretanto, caso o loteador seja omisso, a Municipalidade deverá assumir a responsabilidade total, elaborar o projeto e executar as obras, sem prejuízo do repasse dos custos ao infrator, conforme metodologia aplicada na regularização de loteamentos tratados pela SEHAB, explicada a seguir.

As favelas, por sua vez, por serem fruto de invasão coletiva ou gradual, estão em total desacordo com a legislação urbanística. Também são irregulares juridicamente por estarem localizadas de forma ilegal sobre terrenos públicos ou particulares, o que aumenta o grau de vulnerabilidade dessas comunidades, uma vez que a ocupação não autorizada, conforme aponta Silva (1997, p. 172), “constitui-se em violação do direito de propriedade e dá o direito de expulsão pelos proprietários. Essa expulsão, esgotados os meios pacíficos de persuasão, é feita por despejo judicial, a partir de ações de reintegração de posse, solicitadas pelos proprietários ou detentores legítimos da posse”.

Nas favelas, por não ser identificável o agente promotor da ocupação, a responsabilidade da intervenção de urbanização e regularização fundiária é do Poder Público, mediante a elaboração e aprovação de um Plano de Urbanização, abrangendo desde as questões referentes à implantação da infraestrutura básica e à adequação do sistema viário,

como à construção de equipamentos urbanos e de conjuntos habitacionais necessários, e finalmente, a regularização fundiária.

Em relação à origem da propriedade dos terrenos, cumpre dizer que sua caracterização está diretamente relacionada aos instrumentos articulados para a regularização jurídica dos lotes. Pode-se destacar:

1) loteamentos: transferência feita pelos meios tradicionais pelo proprietário, mediante a abertura do registro individualizado dos lotes. Geralmente, o loteamento é feito sobre uma ou mais glebas, que possuem registro único, porém, a aquisição dos lotes depende do registro individual dos terrenos, averbado na matrícula de registro da gleba original e a partir daí gerando nova matrícula;

2) favelas em terrenos particulares: a) desapropriação mediante edição de Decreto de Utilidade Pública (DUP) ou de I nteresse Social (DI S); b) doação pelo proprietário à Municipalidade, mediante o instrumento da transferência do potencial construtivo do terreno; c) titulação como concessão do direito real de uso, averbada no Cartório de Registro de I móveis;ou d) usucapião especial urbana;

3) favelas em terrenos públicos da classe de bens de uso comum do povo: a) requer a desafetação inicial dessas áreas, por meio de Decreto de Desafetação, para áreas de domínio público;

4) favelas em terrenos de domínio público: a) concessão de uso especial para fins de moradia (individual ou coletiva); b) autorização para estabelecimentos comerciais; c) concessão do direito real de uso.

Em relação aos instrumentos jurídicos para a efetivação da regularização fundiária de favelas em terrenos de domínio público, cumpre salientar que a concessão de uso especial para fins de moradia tem sido mais comumente aplicada a partir de sua previsão legal (2001). Conforme destaca Alfonsín (op.cit., p. 67), “embora muitas administrações municipais já estivessem utilizando o instrumento da concessão de direito real de uso em seus programas de regularização fundiária, havia muita dificuldade em registrá-lo pela via coletiva, dada a não previsão desta forma pela lei e a rigidez dos cartórios de registro de imóveis”.

Nesse aspecto, Fernandes (2006b, p. 35) acrescenta que há controvérsias quanto à aplicação da concessão do direito real de uso, considerando que, “ainda que tenha afinidade

CAPÍTULO 4    ■   REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NOS MANANCIAIS SUL E A RELEVÂNCIA DAS ZEIS

167 com outras formas de direitos reais, previstas no Código Civil, como a enfiteuse5, a

concessão de direito real de uso foi efetivamente criada pelo Decreto-Lei Federal n. 271/ 67, que nunca foi devidamente regulamentado”.

Com relação às áreas particulares, Silva (1997, p. 55-56) aponta que a transferência da posse por meio do instrumento da desapropriação “é complexa, pois envolve não apenas a questão dos direitos – público e privado –, como o questionamento da necessidade de recurso a esse instrumento”. As desapropriações são, em geral, muito onerosas aos cofres públicos e devem ser plenamente justificáveis conforme os fundamentos legais – por necessidade de utilidade pública ou interesse social –; entretanto, não devem ser regra. A autora (Ibidem) salienta que a necessidade de desapropriações é maior quando há “falta de reserva (ou má utilização) de áreas públicas e a falta de exigências de doação no processo de parcelamento ou de adensamento das cidades”. No caso da legislação de uso e ocupação do solo de São Paulo, a possibilidade de doação de uma área indicada como ZEI S é gravada nos artigos 24 e 25 da Lei Municipal nº 13.885/ 04, vinculada à transferência do potencial construtivo do terreno doado e ao interesse da Municipalidade em receber o terreno em doação.

Entretanto, nas favelas ocupando áreas particulares, como a doação depende da manifestação do proprietário, o instrumento de transferência da posse mais adequado, sempre que possível de ser adotado, é a usucapião urbana especial. Com relação às favelas, em acréscimo, Fernandes (2006b, p. 35) aponta que “naquelas favelas ocupando áreas públicas, ou nos casos em que, não cabendo a usucapião, é necessário proceder à desapropriação das áreas, por princípio não deve haver a privatização das áreas, através da venda ou doação posterior dos lotes, mas sim a outorga de títulos de concessão de direito real de uso aos ocupantes”.

Com relação à regularização jurídica, Fernandes (Ibidem, p. 36) ressalta que dificuldades decorrentes do processo de regularização dos lotes podem refletir no resultado esperado de um determinado programa e devem ser consideradas quando da formulação dos mesmos. O autor aponta que:

[ ...] dificuldades crônicas resultam de problemas de identificação dos proprietários e moradores; custos de demarcação de áreas; obstáculos cartorários; problemas com a transferência de ocupantes de áreas de risco ou inadequadas etc. As políticas de titulação dos lotes individuais têm enfrentado dificuldades ainda maiores, sobretudo devido aos altos custos envolvidos na

5 Enfiteuse é uma forma de direito real de uso prevista no Código Civil (1916, art. 678), e, conforme

explica o site jurisway.org.br, “o conceito de enfiteuse pode ser definido como o direito que uma pessoa adquire de usar, gozar, fruir de determinado bem imóvel alheio, mediante uma remuneração paga anualmente, que se denomina foro”.

desapropriação das áreas de propriedade privada, para posterior transferência aos ocupantes, ou, no caso de áreas públicas, da necessidade de desafetação das mesmas. Contudo, tais dificuldades são em parte resultado das opções jurídico-políticas tomadas – conscientemente ou não – pelos formuladores dos programas de regularização de favelas. (Ibidem, loc. cit.)

Para melhor elucidar as questões relativas à regularização fundiária, passa-se a discorrer sobre o processo de regularização dos assentamentos precários pela Prefeitura do Município de São Paulo.

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