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1 2 O PAPEL DA LEGI SLAÇÃO N A VALORI ZAÇÃO E DESVALORI ZA ÇÃO FUN DI ÁRI A

29Por conseguinte, as Políticas Habitacionais estão também sujeitas aos efeitos de mer-

cado em seus diversos programas, desde subsídios ao acesso à habitação social, como tam- bém na promoção destas, na viabilização da urbanização e/ ou regularização de assentamen- tos precários ou na intervenção em cortiços.

I sso acontece porque a habitação é um ‘bem diferentemente único’. Essa diferencia- ção se dá, conforme explica O’Sullivan (Ibidem, p. 433), devido às características inerentes à habitação, que são expressas em: a) heterogeneidade – tamanho, programa, localização, idade etc.; b) imobilidade – é geralmente impraticável levá-la de um lugar para outro; c) durabilidade – com certa manutenção ; d) valor de investimento geralmente alto; e e) custos de alteração de local de moradia – deixando toda a outra localização, com sua vizinhança, equipamentos urbanos, e utilidades para trás. São justamente essas características que in- terferem no mercado habitacional – no que será objeto de investimento do mercado tradi- cional e o que será subsidiado pelo governo.

Considerando que parte significativa da diferenciação da habitação está relacionada a sua inserção urbana, antes de apresentar a legislação vigente e os instrumentos direciona- dos à produção de habitação de interesse social/ regularização de assentamentos de interes- se social, cabe fazer, brevemente, alguns apontamentos sobre a valorização13 14 das localiza-

ções urbanas.

É fato que o preço da moradia15 está intrinsecamente relacionado com sua localiza- ção, ou seja, com o preço aplicável ao terreno, à terra urbana16. Sendo assim, quanto maior

for a demanda por moradia em uma determinada localização, maior será o valor desta (e da moradia construída sobre ela). O aumento da demanda por moradia e do valor da localiza- ção estimula o mercado imobiliário formal a investir na região.

Entretanto, uma grande parcela da população requer valores mais baixos para adqui- rir um imóvel ou terreno e não tem condições de participar da aquisição de imóveis pelo mercado formal. Pode-se dizer que, em geral, conforme apontam O’Sullivan (Ibidem) e Villa-

13 Segundo O’Sullivan (Ibidem), deve-se distinguir dois conceitos: o preço da terra e o valor de mer-

cado. O preço da terra pode ser comparado ao aluguel. Já o valor de mercado inclui o fator de inte- resse sobre uma determinada localização. Utiliza-se aqui como base o conceito de preço da terra.

14Nesta pesquisa não será desenvolvido esse tema. Para maior aprofundamento ver Déak (1989). 15 O valor da habitação pode ser entendido como o quanto o morador está disposto a pagar por metro

quadrado por residências em diferentes localidades da cidade, conforme explica O’Sullivan (2003, p. 177).

16 O’Sullivan (Ibidem) aponta que terrenos utilizados para fins residenciais, comerciais ou industriais

podem, a princípio, gerar um lucro constante, e conclui: “[ ...] o preço da terra é definido como o pa- gamento anual em troca do direito de uso desta terra: o preço da terra é sinônimo de aluguel da ter- ra. Dada a simples relação entre aluguel/ renda e valor, é fácil fazer a tradução de aluguel da terra para valor de mercado: simplesmente dividindo a renda anual pelo índice de interesse do mercado” (Grifo no original, tradução da autora).

ça (2001), desconsideradas as intervenções do governo, esses valores mais baixos são obti- dos à medida que aumenta a distância em relação ao centro (e relativamente aos subcen- tros), pois entram em jogo fatores como o custo com transportes (tempo e dinheiro) e com infraestrutura (inicialmente), à exceção das localidades exclusivas.

O zoneamento apresenta mecanismos que podem alterar, para mais ou para menos, o valor de uma localização habitacional. I nicialmente, a legislação de uso e ocupação do solo paulistana mostrou-se essencialmente segregadora, buscando garantir a exclusividade e qualidade dos terrenos e residências da elite. Foi o caso de bairros como Campos Elíseos, Higienópolis e Jardins Paulista/ América/ Europa, entre outros, sendo que alguns, até hoje, carregam no zoneamento a característica de permitir apenas o uso residencial.

Apresenta Rolnik (op. cit., p. 189) que a legislação que assegurava grandes lotes cir- cundados por jardins para o uso residencial pode ser entendida como protetora, pois:

[ ...] limitava as possibilidades de uso e ocupação, funcionando como barreira, associada a uma estratégia de investimentos massivos em projetos infra- estrutura e desenvolvimento urbano, que equipam e valorizam a zona com fi- nanciamentos dos cofres públicos e dos capitais privados.

No mesmo sentido, Gottdiener e Hutchison (2000) afirmam ser esse tipo zoneamento talvez a mais importante ferramenta de exclusão, pois em geral, quanto maior o lote, mais cara a casa. Nessa lógica, famílias com renda aquém do que vincula-se ao lote, são automa- ticamente instaladas fora dessas áreas. Aqueles autores (Ibidem, p. 234 – tradução da auto- ra) apontam que “o resultado de tais práticas é a segregação por renda, tendo em vista que os menos favorecidos devem procurar por moradia nos subúrbios, nas poucas comunidades que tornam isso possível”.

Complementam Gottdiener e Hutchison (Ibidem) que, geralmente, o ‘zoneamento de exclusão’ está associado à variabilidade da qualidade dos serviços locais nos subúrbios, que geralmente é baixa. Verifica-se que grande parte dos equipamentos públicos e usos institu- cionais encontram-se em qualidade e diversidade distribuídos nas áreas mais ‘privilegiadas’ da cidade, indicando, dessa forma, conforme explicam os autores (Ibidem, p. 234 – tradução da autora), que a “segregação de renda familiar por zona residencial perpetua as desigual- dades dos serviços sociais, e permanece uma infeliz característica dos subúrbios”.

Em São Paulo, essa distribuição relativa dos equipamentos agravou-se com o esprai- amento da cidade a partir da das linhas de ônibus na década de 1930. Conforme aponta Rolnik:

[ ...] a flexibilidade do serviço de ônibus, ao contrário dos bondes e trens, cujo raio de influência era limitado pela distância entre estações, combinada com

CAPÍTULO 1    ■   PRODUÇÃO E GESTÃO DO ESPAÇO URBANO NAS APRMs DA RMSP:CONFLITOS E PERSPECTIVAS 

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um modelo de expansão horizontal, trazia a solução para a crise de moradia

com a autoconstrução em loteamentos na periferia (op. cit., p. 161). Completa a autora que:

[ ...] a contraposição de tais espaços (um contido no interior da moldura da legislação urbanística e outro, três vezes maior, eternamente situado numa zona intermediária entre o legal e o ilegal) pode ter inúmeros significados. Do ponto de vista da geografia da cidade, configuram paisagens que apresentam graus distintos de prestígio e, consequentemente, de valor de mercado de lo- calizações (Ibidem, p. 181).

Cumpre salientar que os padrões de ocupação determinados por lei podem levar, e levam na maior parte das vezes, à valorização da terra urbana dotada de infraestrutura, co- mo é o caso das áreas estritamente residenciais de alto padrão, nas quais o lote mínimo é de 500m² , conforme legislação vigente. Para ser acessível à população de baixa renda, tem-se que permitir lotes mínimos menores, observando, contudo, o limite de ‘congestionamento’, para a viabilização – com qualidade – da habitação.

Por outro lado, o zoneamento também pode tornar-se um mecanismo de indução da queda do preço da terra e até de sua desvalorização, se não previstos outros instrumentos que possibilitem a destinação da área ao que deseja o Poder Público. Com relação à área urbana e ao ambiente construído, esse é o caso, por exemplo, das Zonas Especiais de I nte- resse Social, delimitadas sobre áreas destinadas à habitação de interesse social, regulariza- ção fundiária e requalificação de cortiços.

Embora as especificidades dessas zonas sejam tratadas com maior aprofundamento nos próximos capítulos, cabe aqui fazer algumas considerações. Nas áreas particulares de- marcadas como Zonas Especiais de I nteresse Social (ZEI S), por estarem vinculadas as novas construções ou parcelamentos à destinação de Habitação Social, o interesse do mercado imobiliário fica restrito, ou seja, apenas as empresas interessadas no mercado habitacional, e de interesse social, terão interesse em realizar empreendimentos nesses terrenos ou edifica- ções. Assim sendo, com a ‘diminuição da procura’, tende a diminuir o preço da terra.

Em contrapartida, de forma a alcançar os objetivos construídos para essas Zonas, a legislação paulistana de uso e ocupação do solo estabeleceu incentivos ao empreendedor privado, expressos principalmente pela redução de taxas inerentes à aprovação dos empre- endimentos e pela possibilidade de alcançar uma área construída maior que em outras zonas da cidade, também sem pagar nada a mais por ela. Coloca-se, também, a possibilidade da transferência do potencial construtivo do terreno em ZEI S para outra localidade da cidade, de forma que, mesmo que a intenção do empreendedor não seja a destinação de interesse social, possa ser efetuada doação do terreno à Municipalidade, que será responsável pela referida destinação.

Já no caso da legislação de controle do uso e ocupação em áreas ambientalmente protegidas – com definição legal de sua proteção –, somente a elaboração de zoneamento ambiental e da delimitação de parques e áreas de proteção (como as Áreas de Proteção Permanente – APPs – ao longo de cursos-d’água; e as Áreas de Proteção Ambiental – APAs) talvez não seja o suficiente para a proteção do meio ambiente, tendo em vista que a simples delimitação para preservação não será eficiente se a ocupação urbana for mais lucrativa.

No sentido de promover a proteção do meio ambiente, os parques e APAs são um ca- so particular porque, além de seu caráter público, possuem uma utilização e uma legislação específicas, embora seja necessária a instituição de zoneamento ambiental, fiscalização e de áreas de borda (diminuindo os impactos sobre as áreas protegidas). Esses fatores, na práti- ca, não impedem, mas dificultam muito, as possíveis invasões por lotes urbanos clandesti- nos, além de viabilizar formas de ação de reversão dessa ocupação.

Já as áreas que possuem características ambientais a serem preservadas, sejam pú- blicas ou privadas, não atingirão os objetivos de manutenção do seu estado original, ou da mínima interferência, se isso não for mais ‘valioso’ do que sua ocupação por usos urbanos como a habitação, por exemplo. Essa concepção tem conduzido a tentativas de implementar dispositivos de pagamento pelos serviços ambientais prestados por uma determinada área, conforme apontam Sepe e Gomes (2008).

A legislação atual de proteção aos mananciais compreende as questões das ocupa- ções preexistentes, da necessária melhora da qualidade de vida de seus habitantes e da promoção de saneamento ambiental. Além disso, essa legislação incorpora alguns mecanis- mos de compensação pela manutenção das condições originais dos terrenos.

A aplicação da legislação de proteção aos mananciais editada na década de 1970, por outro lado, representa um bom exemplo de que o controle do uso e ocupação do solo po- dem não ser suficientes para conter a ocupação urbana (embora boa parte das margens das represas Guarapiranga e Billings tenham sido mantidas em seu estado natural). Observa-se que essa primeira legislação de proteção aos mananciais, ao restringir e/ ou vetar a ocupa- ção, e não tratar da questão da valorização destas áreas tal como se encontravam, acabou propiciando sua ocupação irregular e clandestina – fora da lei, porém mais interessante aos proprietários do que a manutenção da área verde.

É nesse contexto que, atualmente, se coloca a perspectiva de gestão das Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRMs) da RMSP, bem como de atuação do Poder Público, mediante novas articulações possíveis visando à recuperação socioambiental dos assentamentos precários à luz de novos instrumentos legais e urbanísticos aplicáveis às irre- gularidades existentes. Compreender a importância dos novos arranjos possíveis de serem

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