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Os assentamentos precários representam um número significativo de moradias que devem ser objeto de intervenção do Poder Público, e, especialmente nas áreas dos

mananciais sul, a priorização das intervenções é ainda maior, dada as características ambientais que se pretende recuperar.

O jurista Edésio Fernandes (2006a, p. 17) destaca, nesse sentido, que, embora as camadas populares não sejam as únicas associadas às formas de ilegalidade urbana – citando os condomínios fechados e as casas de alto-padrão construídas em locais de preservação ambiental, por exemplo –, é justamente em relação a essas que a intervenção do Poder Público torna-se mais urgente, “dadas as graves consequências socioeconômicas, urbanísticas e ambientais desse fenômeno”, afetando não só seus moradores, como também a cidade e sua população como um todo.

No que interessa a esta pesquisa, e sem pretender esgotar o tema, este capítulo procura discutir os principais conceitos relacionados à regularização dos assentamentos precários e os aspectos legais e jurídicos para a sua efetivação no Município de São Paulo, com destaque para a aplicação das Zonas Especiais de I nteresse Social (ZEI S). Busca-se salientar, especialmente, as questões relativas à regularização dos assentamentos precários localizados nos mananciais sul do Município de São Paulo, para os quais a legislação específica recentemente promulgada apresenta instrumentos diferenciados.

Nesse sentido, no item 1 são apresentadas algumas reflexões gerais sobre o conceito de regularização e os principais aspectos envolvidos nas ações de regularização de favelas e loteamentos no Município de São Paulo. Em seguida, discorre-se sobre a importância da utilização da ZEI S como instrumento de reconhecimento dos assentamentos precários e das áreas subutilizadas, bem como a relevância de sua aplicação, em articulação com outros instrumentos previstos em legislação, para o cumprimento da função social da propriedade e da cidade.

No item 3, destaca-se a relevância do instrumento ZEI S e da definição das áreas de recuperação ambiental (ARAs) – pela legislação específica estadual – para a efetivação da regularização dos assentamentos precários localizados nas Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRMs) das sub-bacias Guarapiranga e Billings. Neste item, busca-se também identificar os principais aspectos da estrutura de licenciamento imbricada no processo de regularização dessas áreas, de forma a embasar a análise apresentada no capítulo 5.

CAPÍTULO 4    ■   REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NOS MANANCIAIS SUL E A RELEVÂNCIA DAS ZEIS

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4 .1 A REGULARI ZAÇÃO URBAN Í STI CA E FUN DI ÁRI A DE

LOTEAMEN TOS E FAVELAS: CON CEPÇÃO E I MPLI CAÇÕES

As graves implicações da ocupação urbana precária e ilegal – que, conforme destaca Fernandes (2006b), não se restringe às camadas populares, mas as afeta mais diretamente – têm sido discutidas pelos administradores e planejadores urbanos, principalmente ao longo das duas últimas duas décadas, na intenção de “formular programas de regularização fundiária de tais assentamentos informais, visando a promover a urbanização das áreas e a reconhecer em alguma medida os direitos de seus ocupantes”, explica Fernandes (Ibidem, p. 30).

No Brasil, os programas de regularização, conforme ressalta Fernandes (Ibidem), “têm sido implementados em diversos municípios, desde meados da década de 1980, e sobretudo a partir do começo da década de 1990, abrangendo tanto as favelas quanto, em menor escala, os chamados loteamentos ‘clandestinos’ e/ ou ‘irregulares’1”.

Deve-se destacar que esse tipo de programa, que se enquadra na temática do ‘desenvolvimento local’ – uma vez que busca o desenvolvimento das comunidades estabelecidas em assentamentos precários –, é fundamental para a consecução do duplo objetivo que se propõe para as áreas de mananciais paulistas: a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e a recuperação socioambiental da área ocupada. No Município de São Paulo, nas APRMs, a regularização de assentamentos precários é objetivo do Programa Mananciais, o qual possui ações orientadas para cada comunidade em situação precária, concentrando os investimentos numa porção pequena do território.

A regularização de assentamentos precários é, entretanto, uma tarefa complexa que envolve desdobramentos de seu próprio conceito: regularização de assentamentos precários implica em regularização urbanística (legal), combinada com a regularização fundiária (como regularização jurídica dos lotes), e que dependem de intervenções de urbanização e recuperação socioambiental dessas áreas. Alfonsín (2006, p. 57) aponta que em algumas cidades do Brasil é comum a aplicação da regularização fundiária com ênfase em um determinado aspecto:

1 De modo geral, no Brasil, conforme explica Fernandes (2006, p. 30), “os programas de regularização

de favelas têm sido mais sistemáticos e consistentes do que os programas de regularização de loteamentos, refletindo a maior mobilização dos moradores em favelas, o que talvez possa ser explicado por sua condição jurídica mais precária e sua maior vulnerabilidade política e socioambiental”.

[ ...] em alguns locais, a ênfase recai meramente na regularização jurídica dos lotes. Em outras cidades, na recuperação urbana do assentamento, através da urbanização da área. Em outras áreas, observa-se ainda uma grande preocupação com a regularização urbanística dos assentamentos, procedendo-se a muitas iniciativas de transformação de áreas afetadas originalmente para outros usos em Áreas Especiais de I nteresse Social (AEI S).

A regularização dos assentamentos precários, tratada como regularização fundiária, deve ser entendida, entretanto, como um conceito abrangente de todas as possibilidades advindas das legislações vigentes que tratam do tema. Para Alfonsín (Ibidem, p. 60), a melhor definição de regularização fundiária é:

[ ...] um processo conduzido em parceria pelo Poder Público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que prioritariamente objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e acessoriamente promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto.

Como bem salienta a referida autora (Ibidem), não se trata de etapas de um processo, mas das diferentes dimensões de uma política pública. Sendo assim, os processos de regularização fundiária devem atender simultaneamente e de forma integrada as seguintes dimensões:

a) regularização jurídica dos lotes: envolve a demarcação da área para titulação e posterior averbação no Registro de I móveis. Contempla, conforme definição da minuta do PMH (2010, p.120):

[ ...] em áreas públicas a demarcação da área a ser titulada, com elaboração de decreto municipal para a sua desafetação, a demarcação dos lotes individuais e a emissão de títulos de concessão de direito de uso (real ou especial) e a previsão de antes da conclusão desse processo assegurar alternativas para garantia da segurança na posse, através de termos de permissão de uso onerosa ou não e outros instrumentos. Em áreas particulares, onde a averbação não é possível, compreende a orientação para ajuizamento de ações de usucapião ou a emissão de documento de legitimação de posse.

b) urbanização do assentamento: ações de intervenção contemplando, conforme definição da minuta do PMH (Ibidem), “a implantação de redes de infraestrutura pública e condominial de abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia elétrica domiciliar e pública, pavimentação, drenagem, eliminação de risco geotécnico, canalização de córrego e remoção de famílias e implantação de áreas verdes”;

c) adequação à legislação urbanística: nesse caso, devendo ser previsto – anteriormente ao início das ações – um instrumento urbanístico que altere os parâmetros

CAPÍTULO 4    ■   REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NOS MANANCIAIS SUL E A RELEVÂNCIA DAS ZEIS

151 legais previstos para a área. No caso de São Paulo, as ZEIS e as ARAs (mediante a elaboração de PRI S) cumprem este papel.

d) acompanhamento social: envolvendo ações de mobilização e conscientização das comunidades envolvidas para a participação em todo o processo de intervenção. Também abrange ações de informação e esclarecimento, bem como a articulação de redes com órgãos públicos, privados, ONGs e movimentos de moradia, visando à inclusão social e à adequada conservação e manutenção dos empreendimentos ou áreas que sofreram intervenção da SEHAB, conforme definição da minuta do PMH (2010).

À vista do exposto, os programas que envolvem a regularização de assentamentos requerem, por óbvio, a possibilidade de utilização de instrumentos urbanísticos e jurídicos que os viabilize. Conforme destaca Alfonsín (2006), os instrumentos mais frequentemente adotados nas cidades brasileiras, de uma forma geral, são: as Zonas Especiais de I nteresse Social, a Concessão do Direito Real de Uso, a usucapião urbana e a Lei Federal nº 6.766/ 79 em conjunto com as legislações de parcelamento do solo municipais. Para as APRMs das sub-bacias Guarapiranga e Billings, destaca-se também a Área de Recuperação Ambiental (ARA 1) e a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia.

A tabela 4.1, a seguir, apresenta a síntese dos principais instrumentos, aplicados conforme o tipo de assentamento. Embora a transferência do potencial construtivo mediante a doação de terrenos particulares em ZEI S também esteja relacionada ao processo de regularização fundiária em alguns casos, como veremos, sua aplicação não é direta ou frequente (até o momento), motivo pelo qual não foi mencionado este instrumento na tabela.

Tabela 4.1 – Síntese dos instrumentos para a regularização fundiária – RMSP OBJETO I NSTRUMENTO UTI LI ZADO CONCEI TO Assentamentos habitacionais caracterizados por irregularidades jurídicas ou urbanísticas na ocupação do solo urbano. Zonas Especiais

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