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180 A partir do levantamento das especificidades dos processos de regularização fundiária de assentamentos precários definidos como Zonas Especiais de I nteresse Social de tipo 1 (ZEI S 1) pela Legislação Municipal vigente, bem como da ressaltada importância desse instrumento para as ações estratégicas em área de mananciais – no contexto da legislação ambiental vigente –, busca-se, neste capítulo, aprofundar dois casos de intervenção no município de São Paulo, um iniciado pelo Programa Guarapiranga e outro já pelo Programa Mananciais.

O trabalho fundamentou-se na análise das relações e conflitos do conjunto dos parâmetros urbanísticos, e diretrizes ambientais e urbanas, propostas para os mananciais sul do Município de São Paulo com o duplo objetivo: da recuperação socioambiental dos assentamentos (pressão habitacional) e da preservação do meio ambiente, mediante a redução das cargas poluidoras e o estabelecimento final do saneamento ambiental da microbacia.

Sendo assim, foram sistematizados os casos considerados exemplos referenciais relevantes ao estudo aqui proposto, analisados à luz das possibilidades advindas da aplicação das legislações vigentes. Para tanto, foram feitos levantamentos dos cadastros municipais e dos processos administrativos existentes para os locais, selecionado material cartográfico e iconográfico, realizadas entrevistas com técnicos e atores que participaram do processo de planejamento e gestão dos casos, além de visita de campo, para conhecimento das áreas de estudo.

Procurou-se escolher um caso em cada sub-bacia, mas que apresentassem as mesmas condicionantes pela legislação municipal: o Jardim I poranga/ Jardim Esmeralda na sub-bacia Guarapiranga; e o Cantinho do Céu/ Gaivotas, na sub-bacia Billings – ambos localizados na subprefeitura da Capela do Socorro. Os critérios de escolha destes casos fundamentaram-se também em sua relevância, apontada pelo Poder Público, e pela divulgação de sua experiência: o projeto desenvolvido para o I poranga/ Esmeralda fez parte da exposição Brazil: Favelas Upgrading, apresentada em Veneza, no Pavilhão Brasileiro, na

8ª Mostra Internazionale D’Architettura, em 2002; e o caso do Cantinho do Céu, foi

apresentado na Bienal de Veneza de 2010 e premiado na XVI I Bienal Panamericana de Arquitetura de Quito, que também aconteceu em 2010, além do recebimento da menção honrosa no Prêmio I AB SP 2010.

No caso do Jardim I poranga/ Esmeralda, o projeto implantado foi uma das referências para a constituição da metodologia de urbanização de favelas adotada até hoje pela SEHAB, guardadas as devidas e necessárias relações e atualizações realizadas periodicamente. Além disso, a verificação da manutenção das características da intervenção, decorridos mais de

CAPÍTULO 5 ■ PROJETOS DE RECUPERAÇÃO SOCIOAMBIENTAL EM MANANCIAIS: O EXEMPLO DE DOIS CASOS 

181 dois anos do término da obra, e os relatos dos moradores – que têm orgulho de morar no I poranga – demonstram a importância e o alcance das ações de regularização de assentamentos precários em mananciais.

O Cantinho do Céu/ Gaivotas, embora ainda em obras, apresenta uma proposta de intervenção inovadora, buscando integrar o bairro à água, e uma metodologia de intervenção que já vem sendo reconhecida como referência a ser seguida em outros casos.

A pesquisa teve acesso aos processos administrativos relativos ao Jardim I poranga e ao Cantinho do Céu: processo nº 1983-0.000.077-11, que trata da regularização do

loteamento Jardim I poranga; e processo nº 1988-0.000.987-5, originado a partir de denúncia de loteamento clandestino abrangendo toda a área do Cantinho, e que trata da regularização dos loteamentos Lago Azul e Lago Dourado; processos estes que foram gentilmente disponibilizados para consulta pela SEHAB.

Nesses processos, foi possível obter os principais dados sobre os loteamentos e alguns dados sobre as favelas contíguas (origem, localização, dimensão, proprietários, responsáveis pelo loteamento etc.) e também sobre as infrações cometidas. Consta também desses processos todos os procedimentos realizados pela Municipalidade para notificar a ação irregular, punir os infratores, auxiliar os moradores, conter os avanços da ocupação e buscar a regularização urbanística das áreas.

O principal objetivo deste capítulo, mediante a seleção dos casos, é identificar as principais potencialidades e desafios da aplicação do instrumento ZEI S em área de mananciais, considerando especialmente que as ações de regularização propiciadas por este instrumento devem ser capazes de garantir a recuperação socioambiental do assentamento e a melhoria da qualidade da água das sub-bacias.

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5 .1 CRI TÉRI OS METODOLÓGI COS

Nos estudos de caso apresentados nesse capítulo, busca-se apresentar um quadro pormenorizado segundo uma organização básica em comum para os dois assentamentos. Essa organização envolve a caracterização das condições do assentamento, bem como a atuação do poder público para resolver a questão, além das implicações da análise das possibilidades de regularização à luz da legislação aplicável desde o início da ocupação até a presente data. Nesse sentido, são considerados aspectos urbanísticos, ambientais, legais, institucionais e de organização social.

Mediante essa metodologia, a intenção foi possibilitar tanto uma visão da complexidade de cada assentamento, como também análises comparativas. A clara identificação dos diferentes contextos, entretanto, é fundamental para a compreensão das práticas (do loteador e administrativas) e dos programas desenvolvidos, dentro das circunstâncias específicas em que ocorreram.

O núcleo de ação Jardim I poranga/ Jardim Esmeralda, localizado na sub-bacia Guarapiranga, é constituído, na verdade, pelos loteamentos contíguos Jardim I poranga e Jardim Presidente, que, posteriormente à aprovação do projeto de loteamento e arruamento, tiveram suas áreas verdes ocupadas por favelas. Esses loteamentos foram executados anteriormente à vigência da Legislação de Proteção aos Mananciais (LPM), da década de 1970, e a atuação do loteador, após iniciadas as obras de execução das vias e firmados os contratos de compra com os moradores, associada à incipiente fiscalização pelo Poder Público, conduziu à caracterização da irregularidade dos mesmos. Nos anos 1990, considerando a precariedade do assentamento como um todo (loteamentos e, principalmente, suas favelas), é iniciada a intervenção pelo Programa Guarapiranga, porém ainda sem uma metodologia definida. As ações no local são concluídas cerca de 10 anos depois, no ano de 2007, já no âmbito do Programa Mananciais, porém não efetivando a regularização fundiária, tornada possível pela regulamentação da lei ambiental específica – pelo Decreto Estadual nº 51.686/ 07 –, no mesmo ano do término das obras públicas.

O núcleo de ação Cantinho do Céu/ Gaivotas, localizado na sub-bacia Billings, é constituído, na verdade, pelos loteamentos contíguos Lago Azul, Lago Dourado, do Cisne e Cantinho do Céu, que foram executados sem a anuência da Prefeitura, e já na vigência da Legislação de Proteção aos Mananciais (LPM), da década de 1970. As áreas verdes destes loteamentos também foram ocupadas por favelas, e os moradores do assentamento como um todo lutaram durante anos para obter intervenções para implantação de infraestrutura urbana básica. A situação crítica de precariedade do assentamento conduziu à demarcação

CAPÍTULO 5 ■ PROJETOS DE RECUPERAÇÃO SOCIOAMBIENTAL EM MANANCIAIS: O EXEMPLO DE DOIS CASOS 

183 da área como Plano Emergencial em 1998 (conforme disposto na nova Legislação de Proteção e Recuperação dos Mananciais) e também, desde a década de 1990, o Ministério Público Estadual passou a interferir diretamente no caso do assentamento. Recentemente, entre os anos de 2007 e 2008, foi iniciada a intervenção pelo Programa Mananciais, vislumbrando-se, a partir da regulamentação da legislação específica da sub-bacia Billings em 2010, a possibilidade de regularização urbanística e fundiária.

Na elaboração do quadro dos estudos de casos, procurou-se padronizar a forma de apresentação para permitir melhor observação conjunta e discussão final proposta. O roteiro da metodologia fundamentou-se em cinco tópicos: 1) Caracterização da área de estudo, 2) Processo de ocupação da área, 3) I ntervenção pelo Poder Público, 4) Situação atual e 5) Possibilidades de regularização pela legislação vigente. O tópico 1 apresenta tanto a inserção urbanística e caracterização social da área de estudo quanto as especificidades da microbacia destacada. O tópico 2 inclui tanto o processo de ocupação da área, produzido pelo loteador e pelos moradores, quanto as práticas institucionais decorrentes, também como processo. Já o tópico 3 apresenta as motivações para a intervenção pelo Poder Público e as propostas desenvolvidas para o local. Em seguida apresenta-se a situação encontrada no local após a intervenção pelo Poder Público. O último tópico procura discorrer sobre as possibilidades de regularização do assentamento, no sentido completo do termo, à luz das legislações vigentes: municipal e estadual (específicas de cada sub-bacia).

A análise comparativa dos dois casos é apresentada no item 4 deste capítulo, no qual procurou-se destacar as implicações da demarcação dos assentamentos como Zonas Especiais de I nteresse Social (ZEI S).

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5 .2 . JARDI M I PORAN GA/ ESMERALDA

Figura 5.1. Mapa de situação do núcleo urbanizado Jardim I poranga/ Esmeralda e dos loteamentos Jardim Presidente e Jardim I poranga.

Fonte.:Elaborado pela autora com base nos dados do Habisp (2010). Base do Mapa: Google Earth, 2008.

O núcleo urbanizado denominado Jardim I poranga/ Esmeralda abrange parte dos loteamentos irregulares Jardim I poranga e Jardim Presidente e as favelas contíguas denominadas Jardim Esmeralda e Jardim I poranga – lindeira ao loteamento de mesmo nome. Tendo em vista a contiguidade desses assentamentos, procurou-se analisá-los como um todo, no que doravante será denominado apenas de núcleo I poranga/ Esmeralda. A situação da área está indicada na figura 5.1 acima, sendo que as favelas estão abrangidas pela área indicada como núcleo urbanizado.

Esses assentamentos, no total, ocupam área2 de 516.000m² , distante cerca de 30 km

do centro da cidade e localizada na sub-bacia Guarapiranga, zona sul do Município de São

2 Constam as seguintes áreas: Jardim Presidente = 239.953,60m² (conforme consta no Habisp);

Jardim I poranga = 203.440,00m² (conforme consta no processo administrativo nº 1988-0.000.983-5); favelas: aproximadamente 72.400m² (calculados com base na demarcação constante no Habisp, considerando apenas as áreas não sobrepostas aos loteamentos).

CAPÍTULO 5 ■ PROJETOS DE RECUPERAÇÃO SOCIOAMBIENTAL EM MANANCIAIS: O EXEMPLO DE DOIS CASOS 

185 Paulo, no distrito de Cidade Dutra, Subprefeitura Capela do Socorro. Já o perímetro da ação inicial desenvolvida pelo Poder Público foi definido considerando a porção desses assentamentos precários localizada em fundo de vale, o que encerra uma área3 de

aproximadamente 175.187,00 m² .

As características comuns a estes assentamentos – melhor descritas a seguir –, tornaram primordial a intervenção na área por meio do Programa Guarapiranga, em parceria com o Programa Córrego Limpo – também do Governo do Estado de São Paulo –, em prol do saneamento ambiental da microbacia de drenagem e da recuperação socioambiental dessas ocupações. As ações foram iniciadas no ano de 1996, na segunda etapa4 do Programa

Guarapiranga, e finalizadas em 2007 – já pelo Programa Mananciais, em parceria com o Programa Córrego Limpo.

O núcleo é, hoje, considerado urbanizado. Entretanto, a regularização fundiária ainda não foi efetivada e as áreas referentes aos loteamentos irregulares (aquelas que extrapolam o perímetro do núcleo) também aguardam ações para a sua regularização. Tal fato indica a complexidade desse tipo de intervenção, que envolve, além de dificuldades técnicas relacionadas às soluções criativas e duráveis, as questões legais e longos processos de análise e implantação.

Tendo em vista tratar-se de uma área cuja intervenção manteve-se conservada decorridos mais de dois anos do término das obras, que foi considerada referência para a constituição da metodologia de urbanização de favelas, e considerando ainda que existem questões legais pendentes, o seu estudo vem ao encontro das intenções desta pesquisa, principalmente levando em conta as possibilidades que existiam na época de sua realização, em contraposição àquelas advindas da aplicação da legislação vigente: ambiental (LPRM/ sub-bacia Guarapiranga) e de uso e ocupação do solo (ZEI S).

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