• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.3 A FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.3.1 Assistência Social: Direito Fundamental Social

Vamos resgatar a conceituação prolatada no item acima do presente trabalho. A assistência social é um subsistema de proteção social, direito fundamental social do cidadão necessitado e dever do Estado, que provê os mínimos sociais, realizado por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e privada, com caráter subsidiário, específico e gratuito, de natureza não contributiva, por meio de benefícios e serviços, prestados com eficiência e qualidade.

Partindo-se das premissas contidas no próprio conceito, podemos afirmar que assistência social é um direito social fundamental e por essa razão, não se encontra topograficamente inclusa no art. 5º da CF, que disciplina os direitos e garantias individuais. A assistência social tem sua previsão constitucional no art. 6º - Dos Direitos Sociais, que se desdobram no Título VIII - da Ordem Social, situando-se entre os vários capítulos, no Capítulo II, Seção IV.

O princípio da dignidade da pessoa humana e, por consequência, a preservação da vida são bases constitucionais que embasam e justificam grande

82 parte dos direitos individuais e coletivos. Mas a assistência social integra os direitos sociais e sua fundamentação deve estar embasada, em outros princípios constitucionais, que não apenas nesse. A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça social, conforme art. 193 da Constituição Federal.

É lógico que a situação dos hipossuficientes tem amparo constitucional, com supedâneo em seu direito à dignidade da pessoa humana e a preservação da vida. Com muito acerto esses princípios são norteadores da assistência social, o que leva ao respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária (art. 4º, inciso III, Lei nº 8.472/93).

O trabalho é o instrumento que lhe propiciará a preservação da vida com dignidade. Sem trabalho a vida digna pode estar ameaçada e, a partir de então, os direitos assistenciais existem para minimizar essa situação, o que, por si só, já justificaria a fundamentalidade.

Para justificar a nossa posição, vamos nos socorrer dos ensinamentos de Robert Alexy. O autor alemão conceitua os direitos fundamentais, “como posições jurídicas a tal ponto relevantes, que o seu reconhecimento não pode ser pura e simplesmente ser deixada à disposição da maioria parlamentar simples”.198 Para ele, os direitos sociais são direitos subjetivos, com natureza principiológica, sujeitando-se a um processo de ponderação no caso concreto.

Nessa ponderação estará, de um lado, o direito social e, do outro, princípios como os da democracia e da separação de poderes. A possibilidade da tutela jurisdicional dependerá da proporcionalidade. Assim, serão levadas em consideração todas as dificuldades fáticas e jurídicas envolvidas no processo, bem como a existência da margem de liberdade para os poderes públicos.199

___________________________________________________________________ 198

ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. 2. ed.Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 335/446.

199SARMENTO, Daniel. A proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In Direitos Sociais – Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Coord. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2010, p. 567.

83 Flavia Piovesan ao se manifestar sobre os direitos fundamentais (que ela chama de direitos humanos200

) ensina que na seara dos direitos fundamentais sociais incide uma principiologia própria, diferente dos outros direitos, pois

Aplica-se, pois, aos direitos sociais o regime jurídico dos direitos humanos, com sua lógica e principiologia próprias. A adequada hermenêutica dos direitos sociais requer princípios específicos atinentes a estes direitos e princípios gerais aplicáveis aos direitos humanos. Dentre os princípios relacionados aos direitos sociais, destacam-se: a) o princípio da observância do minimum core obligation; b) o princípio da aplicação progressiva; do qual decorre o princípio da proibição do retrocesso social; c) o princípio da inversão do ônus da prova; e d) os deveres dos Estados em matéria de direitos sociais e níveis mínimos essenciais de cada direito.201

A assistência social tem um regime jurídico diferente do direito privado, principalmente em razão da análise dos resultados alcançados. Foram estabelecidos critérios diferenciadores dos direitos civis, porque compete ao Executivo e a toda a sociedade, em gestão participativa, implementar as situações fáticas. Ela atua nas vulnerabilidades e nas situações de necessidade, tendo como objetivo a proteção da família, maternidade, infância, adolescência e velhice.

Ainda, deve habilitar e reabilitar as pessoas com deficiência, integrando-as na vida comunitária. Também se instituiu o programa de transferência de renda, para as pessoas com deficiência e aos idosos, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. São situações que justificam a sua classificação como um direito social fundamental, uma vez que, nas palavras de Robert Alexy são “posições jurídicas a tal ponto relevantes, que o seu ___________________________________________________________________ 200A grande diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais pode ser traduzida pelas lições de Ingo Wolfgang Sarlet: Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). In SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos

direitos fundamentais – uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.

ed. São Paulo: Editora do Advogado, 2009, p. 29.

201PIOVESAN, Flávia. Direitos Sociais: Proteção Nos Sistemas Internacional e Regional Interamericano. Revista Internacional de Direito e Cidadania / Instituto Estudos Direito e Cidadania, v. 2, n. 5. Erechim, RS: Habilis. Out. 2009, p. 80

84 reconhecimento não pode ser pura e simplesmente ser deixada à disposição da maioria parlamentar simples”.202

A LOAS corrobora com essa assertiva quando, em seu art. 1º, anuncia que “a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.“

A justificativa que a assistência não integra o rol dos direitos fundamentais não pode ser aceito. Com muito acerto, Ingo Wolfgang Sarlet, ao analisar a concepção dos direitos fundamentais na Constituição Federal, se posicionava no seguinte sentido:

A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo de direitos fundamentais ressalta, por sua vez, de forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que nas cartas anteriores os direitos sociais se encontravam positivados no capítulo da ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter meramente programático.203

[...] Aliás, na doutrina nacional já foi virtualmente pacificado o entendimento de que o rol dos direitos sociais (art. 6º) e o dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 7º) são – exemplo do art. 5º, § 2º, da CF – meramente exemplificativos”, de tal sorte que ambos podem ser perfeitamente qualificados como cláusula de abertura204. A assistência social, por ser um direito fundamental social, também tem uma dimensão objetiva e, por essa razão, segundo Daniel Sarmento, uma das suas consequências é o reconhecimento de sua eficácia irradiante. Irradiante porque penetra no ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para a legislação, a administração e o judiciário.

O autor ainda afirma que essa eficácia não se exaure com a utilização da técnica, mas que transcende, uma vez que deve ser operacionalizada no dia a dia do direito, em suas aplicações mais corriqueiras e não apenas em momento de crise. Concluiu sua linha de raciocínio ao dizer que “os direitos ___________________________________________________________________ 202ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. 2. ed.Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 335/446.

203

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais – uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. São Paulo: Editora do Advogado, 2009, p. 66. 204SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais – uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. São Paulo: Editora do Advogado, 2009, p. 82-83.

85 fundamentais deixam de ser concebidos como meros limites para o ordenamento, e se convertem no norte do direito positivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional”.205

Mas, apenas criar o direito não é certeza de que o mesmo será eficaz. Para que esse direito seja realizado plenamente e entregue ao necessitado, será necessário um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. A Constituição instituiu a assistência social como direito do cidadão, direito esse que será instrumentalizado por meio de políticas públicas.

Coadunando com essa visão, Alessandra Gotti Bontempo nos diz que a preocupação com a eficácia das normas constitucionais é:

[...] redimensionada em se tratando dos direitos sociais, na medida em que a grande maioria desses direitos previstos na Constituição de 1988 são enunciados sob a roupagem de normas programáticas que são, em um primeiro momento, endereçadas aos Poderes Públicos: ao legislador, já que necessitam de concretização legislativa; ao administrador, para a implementação das políticas públicas que buscam efetivá-los; e aos juízes, quando apreciam as demandas judiciais que visam garantir a sua concretização.206

Assim, será necessário analisarmos as ações dos três poderes. O Executivo deve propor as políticas públicas207, com ação-coordenação, processo e programa. Para isso será necessário um planejamento constante das vulnerabilidades sociais; a alocação de recursos necessários e todo o instrumento que permita que se implemente a política pública. Como toda e qualquer política, deve ter um ciclo: formação, execução, controle e avaliação.208 O Legislativo deve cumprir o seu papel normativo e, fiscalizar, dentro da sua competência, as ações do Executivo.

___________________________________________________________________ 205SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed., 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 125.

206

BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais: eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2005. p. 193.

207Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados - processo eleitoral, processo de planejamento, processo judicial - visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. BUCCI, Maria Paula Dallari. O Conceito de política pública em direito. In Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula Dallari Bucci. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39. 208MASSA-ARZABE, Patricia Helena. Dimensão jurídica das Políticas Públicas. In Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula Dallari Bucci. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 70.

86 O Congresso Nacional poderá sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, bem como fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta209. O Tribunal de Contas, ao exercer sua competência constitucional, será um auxiliar técnico do Poder Legislativo, na análise das contas prestadas. Ao Judiciário competirá a avaliação da lógica distributiva e da existência de ofensa à legalidade, quando judicializada a matéria.

2.3.2 A teoria da dimensão dos Direitos e sua repercussão na