CAPÍTULO I – A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO SUBSISTEMA DA SEGURIDADE SOCIAL
1.2 SUBSISTEMAS DA SEGURIDADE SOCIAL: SAÚDE, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
1.3.4 Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios
Fez parte da história de nosso país a corrosão dos valores pagos, seja em forma de salários ou em forma de benefícios. Para evitar essa situação, o constituinte expressamente previu a irredutibilidade do valor dos benefícios e,
___________________________________________________________________ 78BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr. 2006, p. 21.
79NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A justiça social em Aristóteles, Kant e Rawls. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 12. jan-março, nº 46, São Paulo: RT, 2004, p. 213.
80SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário. 6. ed., reformulada, vol. 25. São Paulo: Saraiva, p. 18.
81DERZI, Heloisa Hernandez. Os benefícios da pensão por morte: regime geral de previdência social. São Paulo: Lex, 2004, p. 72.
38 especificamente para os benefícios previdenciários, assegurou o reajustamento para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, na forma da lei (art. 201, § 4º).
A irredutibilidade do valor dos benefícios é uma garantia, mas para preservar o valor nominal ou o valor real dos benefícios? Duas correntes surgiram acerca dessa questão. Autores como Fábio Zambitte Ibrahim82
, Italo Romano Eduardo83
, Marcelo Leonardo Tavares84
e Marly Antonieta Cardone85
são partidários da preservação do valor real, enquanto que Daniel Machado Rocha86
e Sérgio Pinto Martins87
se posicionam pela irredutibilidade do valor nominal. A primeira corrente se fundamenta na perda do poder aquisitivo dos benefícios, que são corroídos pela inflação e que precisam ser reconstituídos ao status quo. A segunda corrente se pauta na impossibilidade da diminuição do valor do benefício, percebido pelo segurado. É salutar mencionar que a irredutibilidade do valor dos benefícios está relacionada com o valor nominal e que não se confunde com a manutenção do valor real dos benefícios previdenciários.
Outra visão da questão é agregada por Uendel Domingues Ugatti. Alega que as prestações percebidas pelo segurado, no caso da previdência, têm natureza alimentar, e por essa razão constituem dívida de valor, não podendo sofrer desvalorização, a fim de que o poder de compra seja mantido. Não é admissível, para ele que exista essa perda, pois a seguridade social, no seu entender, visa garantir o mínimo vital, e se a regra não for obedecida, se criaria submínimos, em flagrante desrespeito à sua função primordial.88
Também se posiciona pela irredutibilidade do valor nominal a autora Zélia Luiza Pierdoná e postula que, em relação à manutenção do valor real “não encontrará fundamento de validade, na Constituição, o indexador fixado pelo legislador que não preservar o valor real do benefício previdenciário” e, ainda, frisa ___________________________________________________________________ 82IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 58.
83EDUARDO, Ítalo Romano e outro. Curso de Direito Previdenciário. 5. ed. Rio de Janeiro: Elservier, 2008, p. 20.
84
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 5. 85
CARDONE, Marly Antonieta. Previdência, assistência, saúde: o não trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: LTr. 1990, p. 31.
86ROCHA, Daniel Machado e outro. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, ESMAFE, 2006, p. 40.
87 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 78.
88UGATTI, Uendel Domingues. O princípio constitucional da contrapartida na seguridade social. São Paulo: Ltr, 2003, p. 41.
39 que, a “manutenção do valor real é dirigida apenas a uma das áreas da seguridade (previdência social), e a irredutibilidade do valor dos benefícios destina-se a toda a seguridade social.”89
Segundo Wagner Balera, partidário da corrente pela irredutibilidade dos valores - real e monetário -, ao se assegurar a irredutibilidade do valor dos benefícios, a Constituição prestigia a “garantia individual que protege o direito adquirido” e “a modificação unilateral do direito” [...] “criaria a desordem social”. Conclui pontuando que:
Os benefícios são prestações pecuniárias que não podem sofrer modificações nem em sua expressão quantitativa (valor monetário), nem em sua expressão qualitativa (valor real).
A fim de que essa diretriz se cumpra, é necessário que a legislação estabeleça o adequado critério de aferição do poder aquisitivo do benefício. Poder aquisitivo que, se vier a ser reduzido, deve de pronto ser recomposto mediante reajustamento periódico do valor da prestação devida.90
Devemos mencionar que a constituição federal assegura somente para os benefícios previdenciários, o reajustamento dos benefícios para preservar, em caráter permanente, o valor real, na forma da lei (art. 201, § 4º). Nada foi preceituado para o reajustamento dos benefícios assistenciais.
A questão foi objeto de Recurso Extraordinário e o Supremo Tribunal Federal se filiou à corrente da irredutibilidade do valor nominal. Como afirmou Sérgio Pinto Martins, “a jurisprudência do STF se firmou em que a irredutibilidade é a nominal e não a real, que envolve o que se pretende receber, para que não haja perda do poder aquisitivo em decorrência da inflação”91 e, ainda, condicionada à lei ordinária.92
___________________________________________________________________ 89PIERDONÁ, Zélia Luiza. A proteção social na Constituição de 1988. Revista de Direito Social nº 28. Notadez, Porto Alegre, 2007, p. 17.
90
BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr. 2006, p. 21. 91MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, 23. ed. 2006. São Paulo: Atlas, p. 55. 92
Previdência social. Irredutibilidade do benefício. Preservação permanente de seu valor real. - No caso não houve redução do benefício, porquanto já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que o princípio da irredutibilidade é garantia contra a redução do “quantum” que se recebe, e não daquilo que se pretende receber para que não haja perda do poder aquisitivo em decorrência da inflação. - De outra parte, a preservação permanente do valor real do benefício - e, portanto, a garantia contra a perda do poder aquisitivo - se faz, como preceitua o artigo 201, § 2º, da Carta Magna, conforme critérios definidos em lei, cabendo, portanto, a esta estabelecê-los. Recurso Extraordinário não conhecido. (STF, RE 263252/PR, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJU 23/06/2000). Acórdãos nesse sentido: RE 240567, RE 238093, RE 251646, RE 251771, RE 253245,
40 Na seara da assistência social, o valor do benefício recebido pela família, no programa de transferência de renda Bolsa Família, pode variar entre R$32,00 a R$ 306,00 reais, valores nominais que não poderão ser diminuídos. O mesmo não acontece com o Benefício de Prestação Continuada. Esse benefício paga um salário mínimo, que, por sua vez, é submetido a reajustes periódicos, para lhe garantir a preservação do poder aquisitivo.