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CAPÍTULO I – A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO SUBSISTEMA DA SEGURIDADE SOCIAL

1.2 SUBSISTEMAS DA SEGURIDADE SOCIAL: SAÚDE, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

1.3.10 Princípio da solidariedade social

A República Federativa do Brasil tem como objetivo fundamental a construção de uma sociedade justa134, livre e solidária. A solidariedade expressa no ___________________________________________________________________ 133

PIERDONÁ, Zélia Luiza. A proteção social na Constituição de 1988. Revista de Direito Social nº 28. Notadez, Porto Alegre, 2007, p. 20.

134Rawls, baseado no liberalismo político aplicado a uma estrutura de democracia constitucional, construiu sua teoria da justiça calcada na equidade e em dois princípios fundamentais: igualdade equitativa de oportunidades e justiça maximin. A sua teoria pressupõe a fraternidade e a solidariedade entre os contratantes, de modo a que as gerações futuras possam cumprir o pactuado na posição original. Propõe o princípio da poupança justa (p. 365), no dever natural previamente aceito de dar sustentação e promover instituições justas e das liberdades iguais (p. 365) e que o

53 texto constitucional tem a qualidade de uma norma, cujo comando se dirige à sociedade, deixando de ser puramente ética para adentrar no campo da norma jurídica.

Esse comando está fundamentado nos laços parentais da antiguidade. Pedro Buck Avelino, após fazer regressão aos primórdios dos filósofos contemporâneos, sustenta que a solidariedade é diametralmente contrária ao individualismo.135

Para ele, são necessários dois elementos para se viver em sociedade: respeito ao terceiro e senso de justiça. Agrega, também, a esses elementos: o respeito parental e que o indivíduo se realize por meio da ajuda ao próximo. Em seguida, conceitua a solidariedade como sendo um

Atuar humano, de origem no sentimento de semelhança, cuja finalidade objetiva é possibilitar a vida em sociedade, mediante respeito aos terceiros, tratando-os como se familiares o fossem; e cuja finalidade subjetiva é se autorrealizar, por meio da ajuda ao próximo.136

A fonte da solidariedade, para Sérgio Pinto Martins, está na assistência social praticada remotamente, “em que as pessoas faziam uma assistência mútua para alguma finalidade e também com base no mutualismo, de se fazer um empréstimo ao necessitado”.137 Ela ocorria quando várias pessoas de um grupo economizavam para assegurar benefícios futuros em proveito do próprio grupo.

Com a Lei dos Pobres na Inglaterra e, principalmente, a partir do século XIX, o direito fez a “redescoberta da solidariedade”. Ao se conceituar a solidariedade nos dias atuais pretende-se, com essa palavra, designar algo bem diferente daquela empregada na época das revoluções de 1789 e de 1848 na ___________________________________________________________________ princípio da diferença expressa uma concepção de reciprocidade. É um princípio de benefício mútuo. Para ele as instituições justas devem atender às exigências da fraternidade e as desigualdades permitidas, de alguma forma deve contribuir para o bem estar dos menos favorecidos (p. 128). A “distribuição natural não é justa nem injusta; nem é injusto que se nasça em determinada posição social. Isso são meros fatos naturais. Justo ou injusto é o modo como as instituições lidam com esses fatos”. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 122.

135AVELINO, Pedro Buck. Princípio da solidariedade: implicações históricas e sua inserção na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 53, out/dez, São Paulo: RT, 2005, p. 245-250.

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AVELINO, Pedro Buck. Princípio da solidariedade: implicações históricas e sua inserção na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 53, out/dez, São Paulo: RT, 2005, p. 250.

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54 França. Segundo José Faria, “trata-se de uma nova maneira de pensar a relação indivíduo-sociedade, indivíduo-Estado, enfim, a sociedade como um todo”.138

Para Ricardo Lobo Torres a solidariedade é, sobretudo, uma obrigação moral ou um dever jurídico, pois “penetra na idéia da justiça, ao criar o vínculo de apoio mútuo entre os participantes dos grupos beneficiários da redistribuição dos direitos sociais.” E finaliza o pensamento ao afirmar que a justiça social e a justiça distributiva “passam pelo fortalecimento da solidariedade, da mesma forma que os direitos sociais também dependem dos vínculos da fraternidade”.139

A solidariedade é princípio basilar e norteador, bem como alicerce140 da seguridade social, comando implícito no art. 195 da CF/88. Também podemos dizer que é “o vetor axiológico das contribuições sociais”.141 Por essa razão, toda a sociedade deve contribuir, independentemente do indivíduo ser beneficiário, ou não, dos benefícios garantidos, por meio das contribuições sociais.142 A participação dos fundos públicos no financiamento da seguridade social é justificado pela necessidade de se chegar a uma solidariedade mais extensa, que não poderia ser alcançada apenas com a contribuição dos beneficiários.143

Também pode ser classificada de outra forma, segundo o tipo de contribuições da seguridade social, nos termos das lições de Joana Tavares da Silva Raposo, a saber: as contribuições incidentes sobre folhas de salários embasam a solidariedade de grupo; já as contribuições sobre faturamento ou lucro fundamentam a solidariedade genérica.144

___________________________________________________________________ 138

FARIAS, José Fernando de Castro. A Origem do Direito de Solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 190.

139TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos Direitos Fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. 2. ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 245; 280.

140

A solidariedade é o alicerce da seguridade social conceito de SANTOS, Marisa Ferreira dos.

Princípios Constitucionais regentes da seguridade social. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª

Região. São Paulo: Thomson IOB. Nº 63. Jan-fev., 2004, p. 55. 141

Expressão usada por GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura “sui generis”. São Paulo Malheiros, 2001, p. 83.

142José Afonso da Silva denomina de “solidariedade financeira”, AFONSO DA SILVA, José. Curso de

Direito Constitucional Positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 761.

143

COSTA, José Guilherme Ferraz. Seguridade Social & Incentivos Fiscais. Curitiba: Juruá, 2007, p. 57.

144RAPOSO. Joana Tavares da Silva. Limites do princípio da solidariedade na instituição de contribuições sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.110.

55 Para essa autora esse princípio teve a intenção de “delimitar finalidades e estabelecer determinados requisitos, a ser atendidos para instituição de contribuições nele fundadas” vez que a previsão constitucional apenas estabeleceu “o estado ideal de coisas a ser promovido, não havendo a determinação prévia do comportamento a ser escolhido como forma de concretização desses princípios”.145 Seja como for, para a assistência social a solidariedade é pedra fundamental de toda a estrutura organizacional.

Interessante observar que a solidariedade de grupo, para essa autora,

Que informa as contribuições sociais, é a expressão, em termos jurídicos, da aludida proposta de projeto comum. O princípio exige traços de semelhança entre sujeitos, a ponto destes se identificarem como membros de uma mesma categoria, de tal forma que a obrigação de pagar contribuição só poderá ser exigida diante da existência de um grupo homogêneo a que pertença o contribuinte, de uma responsabilidade especial desse grupo, da verificação de um benefício em favor do grupo e a conseqüente destinação efetiva do produto da arrecadação à finalidade que a tiver dado origem.146

A solidariedade de grupo une apenas alguns e não todos, como se dá na solidariedade que fundamenta a capacidade contributiva.

Independente, dessas conceituações teóricas, sabemos que um dos objetivos da assistência social é ser um agente transformador da realidade social, em razão de promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária.

É um direito contemplado a quem está em situação de necessidade e, “a partir do recebimento das prestações assistenciais”, espera-se que esse cidadão seja “menos desigual” e que “possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência.”147

É lógico que o cidadão deve colaborar em prol da sociedade, seja participando das associações organizadas, ou em seu núcleo familiar, assumindo a responsabilidade transformadora que lhe compete.

___________________________________________________________________ 145RAPOSO. Joana Tavares da Silva. Limites do princípio da solidariedade na instituição de contribuições sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 112.

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RAPOSO. Joana Tavares da Silva. Limites do princípio da solidariedade na instituição de contribuições sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 154

147SANTOS, Marisa Ferreira dos, Direito Previdenciário. 6. ed. reformulada, vol. 25. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 225.

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